A forte desvalorização do real de janeiro de 1999 até ontem, a cotação passou de R$ 1,20 por dólar para R$ 2,66 por dólar fez com que o peso argentino, atrelado à moeda norte-americana, tivesse valorização de mais de 70%, deixando a competitividade argentina em um de seus piores momentos dos últimos dez anos.
Essa significativa diferença cambial deve levar a Argentina a adotar medidas pontuais contra produtos brasileiros, principalmente nos setores de calçados, papel e celulose, aço, têxteis e alguns itens da pauta de alimentos processados. ''A contínua desvalorização do real está impactando de forma direta e contundente na competitividade argentina e, consequentemente, no comércio dentro do Mercosul'', disse a economista Vanessa Broda, do Estúdio Broda.
Para o presidente da Associação de Empresas Brasileiras para Integração de Mercados (Adebim), Michel Alaby, o que o Brasil está fazendo ao não conseguir controlar a depreciação do real em relação ao dólar é um verdadeiro ''dumping cambial''.
''Não será estranho, nem surpresa, se a Argentina vier a adotar medidas para brecar a entrada de produtos brasileiros em seu mercado'', alertou Alaby. Uma delas, explicou o presidente da entidade, poderá ser a aplicação ostensiva de medidas antidumping.
De acordo com ele, a Argentina poderá ainda colocar em prática o chamado ''valor de referência'' sobre as exportações brasileiras. Essa medida permite a cobrança do Imposto sobre Valor Agregado (IVA) em cima da pauta mínima a ser determinada pelo governo. Isto é, o importador argentino acabará pagando IVA de 21% sobre o preço do produto que o setor eventualmente prejudicado estipular para ''concorrer em igualdade de condições'' com produtos de menor custo e preço, o caso dos brasileiros.
''Acredito que o governo pode tomar algumas medidas pontuais em alguns setores, como já havia feito antes'', disse Vanessa, por telefone de Buenos Aires. Anteontem (quarta-feira), durante um almoço com empresários, o ministro de Economia, Domingo Cavallo, disse que, se o Brasil continuasse desvalorizando o real, a Argentina adotaria algumas medidas ou até reveria a sua relação comercial com o Brasil dentro do Mercosul. Embora não exista nenhuma confirmação oficial, o governo argentino poderia incluir o real na cesta de moedas da qual já faz parte o euro.
''Não creio que seja o momento para fazer isso, porque geraria novas incertezas em relação à conversibilidade'', afirmou a economista do estúdio Broda. De acordo com ela, a incorporação do real teria sido interessante no momento que em que a conversibilidade foi ampliada ao incluir o euro. ''Mudar as regras do jogo continuamente contribuem para gerar incertezas. Por isso, não me parece ser o momento adequado'', acrescentou Vanessa Broda.
De acordo com ela, as exportações argentinas para o Brasil caíram 22% só em agosto. Mas, reconheceu ou a economista, essa retração não se deve apenas à depreciação do real, mas também a desaceleração da atividade econômica no Brasil.
Apesar dessas argumentações, a balança comercial argentina continua positiva. Em julho, por exemplo, o superávit foi de US$ 586 milhões, significativamente maior ao saldo positivo de US$ 16% milhões no mesmo mês de 2000.
No primeiro semestre deste ano, a Argentina mostra superávit de US$ 2 bilhões, resultado de US$ 13,46 bilhões de produtos exportados e US$ 11,46 bilhões itens importados. No mesmo período de 2000, a balança comercial argentina mostrou superávit de US$ 865 milhões. Esse resultado se deve à forte queda de 19% das importações, argumenta o governo. (AE)