A greve nacional dos caminhoneiros, em 2018, expôs um dos maiores problemas de infraestrutura e logística do Brasil que é a forte dependência do transporte rodoviário de cargas. A paralisação de 11 dias resultou em prejuízos a todos os setores da economia e motivou discussões sobre a necessidade de intensificar os investimentos em outros modais, com destaque para a reorganização dos modais ferroviários no País. Passados três anos, nada mudou e o transporte rodoviário segue sendo a principal matriz logística no Brasil, responsável por 70% de toda a movimentação de cargas feita em território nacional. De todo o volume transportado até o Porto de Paranaguá, apenas 19% chegam pelas ferrovias.

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. | Foto: Anderson Coelho/ Arquivo Folha

Um projeto elaborado pelo governo do Paraná pretende dar mais equilíbrio entre os modais. A Nova Ferroeste consiste na construção de um novo eixo logístico e ferroviário, ligando a Região Oeste paranaense e o sul do Mato Grosso do Sul ao Porto de Paranaguá, em uma extensão de 1.370 quilômetros. No percurso, haverá terminais em Maracaju (MS), Guaíra, Cascavel, Guarapuava e Paranaguá. O projeto da ferrovia está em fase de modelagem da concessão e a expectativa é que o leilão aconteça até o final deste ano, na B3, mas a obra ainda divide opiniões.

Defensores apontam o projeto como necessário para aumentar a lucratividade dos produtores e facilitar a logística no corredor de exportação, mas do outro lado há quem veja o plano com cautela e questione a necessidade de sua execução, que irá demandar investimentos superiores a R$ 20 bilhões.

Coordenador do Plano Ferroviário Estadual do Paraná, Luiz Henrique Fagundes defende os ganhos para a economia, especialmente para o agronegócio. Após o leilão, explicou, será necessário um prazo de cinco meses para a criação de uma sociedade de fins específicos, mas o projeto está sendo pensado de forma que a concessionária vencedora do certame comece a operar de imediato.

Técnicos do governo estadual falam em uma possibilidade de redução de 20% dos custos com logística em uma previsão mais conservadora, que terá como reflexo a redução do Custo Brasil. “Esse dinheiro fica disponível no mercado e flui para o mercado através de uma melhor remuneração para os colaboradores das empresas porque está gerando emprego de mais qualidade. Uma parte dessa redução vai para o próprio acionista e vai ter também o desenvolvimento em tecnologia para o setor produtivo”, apontou Fagundes.

“É uma obra extremamente prioritária para a Região Oeste do Paraná e o Mato Grosso do Sul, onde nossas cooperativas têm grande atuação”, avaliou o superintendente da Fecoopar (Federação e Organização das Cooperativas do Estado do Paraná), Nelson Costa. Sob a administração de uma empresa privada, disse ele, a expectativa é que seja facilitada a angariação de capitais e a modernização da ferrovia para o atendimento adequado da Região Oeste. “O principal ganho é a redução do custo do frete e isso reflete em resultado para o agricultor e as empresas do setor.”

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. | Foto: Anderson Coelho/ Arquivo Folha

Gargalos

Nem todas as entidades representativas do agronegócio são favoráveis à proposta. Para o Sistema Faep (Federação da Agricultura do Estado do Paraná), mais interessante do que investir na construção de uma ferrovia com a extensão da nova Ferroeste, seria aplicar recursos na solução de gargalos e na modernização de trechos já existentes. O consultor de Logística da entidade, Nilson Hanke Camargo, cita o trecho entre Guarapuava e Ponta Grossa como o ponto mais crítico para o transporte ferroviário no Estado e aponta a necessidade de renovação da linha entre Curitiba e Paranaguá, construída no século 19. A extensão da malha até Guaíra e a criação de uma ligação entre Campo Mourão e Cascavel também seriam obras cruciais para o ganho logístico e econômico do Paraná.

“O projeto da ferrovia entre o Mato Grosso do Sul e Paraná é muito ambicioso e vai custar bilhões de reais. A Faep não vê isso como prioritário. Temos outras prioridades, como o trecho Guarapuava e Ponta Grossa. Esse é o maior problema e precisa resolver. Precisamos estender a ferrovia até Guaíra também”, disse Camargo.

Apesar de reconhecer a necessidade de modernização das ferrovias, alterando a matriz logística de transporte para 50% rodoviário e 50% ferroviário, o consultor compara o tempo que uma mesma mercadoria leva para ser transportada por rodovia e por trem. “A velocidade com que se faz [o transporte] no caminhão, é difícil conseguir por ferrovia”, disse Camargo. “Embora a ferrovia, teoricamente, seja mais barata, não atende os prazos de embarcações dos grãos, que têm que ter um cronograma muito ajustado.”

Governo do MS calcula em até 30% redução nos custos de frete

O Mato Grosso do Sul é um estado eminentemente exportador. Boa parte das cerca de 11,5 milhões de toneladas de soja produzidas no estado são destinadas ao mercado estrangeiro a partir do Porto de Paranaguá. O estado vizinho também está entre as unidades da federação que apresentam maior expansão de áreas incorporadas ao processo produtivo, com a substituição de pastos degradados em áreas aptas à agricultura. Somente neste ano, houve um crescimento de 250 mil hectares adicionais na produção de soja no Mato Grosso do Sul.

Investir na criação de um novo eixo logístico vinculado à estratégia de exportação, é ter uma redução do custo operacional e aumento da remuneração para o produtor. “Basta ter um custo competitivo para que essa carga saia do rodoviário e passe a operar no ferroviário. Acho que esse é um ponto fundamental sobre os ganhos logísticos do estado. A ferrovia sempre terá um frete mais barato e mais competitivo”, destacou o secretário de Meio Ambiente, Desenvolvimento Econômico, Produção e Agricultura Familiar do Mato Grosso do Sul, Jaime Verruck.

A necessidade da construção de um corredor ferroviário Leste-Oeste, unindo o sul do Mato Grosso do Sul a Paranaguá foi reconhecida pelo PIL (Programa de Investimentos em Logística) do governo federal. O projeto da Nova Ferroeste foi incluído no PIL 1 e no PIL 2, mas excluído no PIL 3, em 2015, deixando de ser prioridade logística para a União.

Em 2017, um estudo da Embrapa realizado a pedido do Ministério da Agricultura reabilitou o projeto de construção da ferrovia em uma lista de 31 obras prioritárias para garantir a competitividade e a expansão da produção de grãos no Brasil por dez anos.

O Mato Grosso do Sul tem hoje duas ferrovias, uma delas, a Ferronorte, começa em Rondonópolis (MT), passa ao norte do estado, no município de Chapadão, e adentra em São Paulo pelo município de Aparecida do Taboado. A ferrovia capta em torno de dois milhões de toneladas de grãos na porção norte do Mato Grosso do Sul e aproximadamente um milhão de toneladas de celulose em Aparecida do Taboado. A outra linha férrea é a malha oeste, que corta o estado de leste a oeste, mas após ser devolvida à concessão, está praticamente sem operações de commodities agrícolas.

Hoje, das 11 milhões de toneladas produzidas no estado, em torno de seis milhões de toneladas são levadas ao Porto de Paranaguá e ao Porto de Santos através do sistema rodoviário. Os produtores utilizam alguns terminais em Maringá e Cascavel, que depois seguem pela malha administrada pela Rumo Logística, empresa que opera a ferrovia Norte-Sul, até o terminal portuário de Paranaguá.

Com um terminal de ponta implantado no município de Maracaju, previsto no projeto da Nova Ferroeste, o governo do estado aposta em um crescimento expressivo das exportações com queda significativa nos custos de produção. “Está aí a importância da ferrovia. A carga está disponível, tem potencial de crescimento substancial em termos de volume e ela pode, imediatamente, ser levada do caminhão para o trem”, disse Verruck, que estima entre 20% e 30% a redução do custo de frete em relação ao que é gasto hoje com o transporte rodoviário, além da possibilidade de retorno com fertilizantes. “Como o estado já é um importador de fertilizantes, que a gente faça o retorno de carga de fertilizantes até o terminal de Maracaju e, a partir daí, possa ser distribuído como carga de retorno, inclusive sendo competitivo, levando para outros estados, como o Mato Grosso.’”