Os anos de 2021 e 2022 foram de crescimento extraordinário para o setor de geração própria de energia no Brasil, também chamada de GD (Geração Distribuída). Em 2021, mesmo com o país enfrentando a fase mais crítica da pandemia de Covid-19, a potência no sistema energético nacional cresceu 4 GW (Gigawatts) e, no ano passado, esse número quase dobrou. Somando-se toda a energia gerada por fontes renováveis em 2022, não se chega ao que foi produzido pela GD no período.

De maio de 2022 para maio de 2023, o Brasil aumentou a sua capacidade em geração própria de energia elétrica em quase 9 GW. No último dia 12 de maio, o país atingiu os 21 GW. Segundo a ABGD (Associação Brasileira de Geração Distribuída), com essa potência a GD é capaz de abastecer cerca de 10,5 milhões de residências ou 42 milhões de pessoas, o que corresponde a quase 20% de toda a população nacional.

O Paraná acompanha esse crescimento. Em pouco mais de um ano, o Estado dobrou sua capacidade de geração própria de energia e, no mês passado, tornou-se o quarto estado brasileiro a superar a marca de 2 GW de capacidade de GD. Resultado que o coloca ao lado de São Paulo, com 2,8 GW, Minas Gerais (2,7 GW), e Rio Grande do Sul (2,1 GW).

Embora as perspectivas de expansão para este ano e o próximo sejam mais modestas, o setor de GD espera fechar 2023 com alta de 10% a 15%. Resultado que terá reflexos positivos na economia e no consumo. No Paraná, a expansão poderá ser impulsionada pelo agronegócio.

ENERGIA SOLAR E AGRO

Produtores e consumidores paranaenses têm na energia solar a principal fonte de geração própria de energia, com 98,5%. Mas em um estado que tem boa parte de sua força econômica movida pelo agro, há uma enorme capacidade de ampliação das fontes empregadas em GD a partir dos resíduos agropecuários, que têm um grande potencial energético.

“Proporcionalmente, o Paraná é o estado onde o rural tem maior força e onde os estados são fortes no agronegócio, é possível aproveitar os resíduos para gerar energia e colocar em GD. É uma boa oportunidade porque se torna mais eficiente economicamente e sustentavelmente e tem cada vez mais uma pressão para fazer isso em função do ESG (sigla em inglês usada para definir as boas práticas das empresas nas áreas ambiental, social e de governança)”, avaliou o presidente da ABGD, Guilherme Chrispim.

Segundo a entidade, os sistemas de geração própria de energia estão presentes em todos os 399 municípios paranaenses, sendo Foz do Iguaçu a cidade com maior volume de potência instalada, de 100,4 MW (Megawatts). Em segundo lugar, está Maringá, com 93,9 MW, seguida por Londrina, com 74,3 MW.

No Estado, predomina a classe de consumo residencial, que responde por 734,7 MW. Os estabelecimentos rurais aparecem em segundo lugar em consumo, com 536,9 MW, seguidos pelas áreas comercial (505,2 MW) e industrial (191 MW).

CRISE

Há dois anos, o país enfrentou uma grave crise energética decorrente da pior crise hídrica vivida em quase cem anos e que trouxe a ameaça de racionamento no fornecimento de eletricidade aos brasileiros. O racionamento não se concretizou, mas a população não escapou dos aumentos dos custos com energia causados pela aplicação das bandeiras tarifárias.

E a forte dependência das usinas hidrelétricas que torna a população refém do clima acirrou os debates sobre a necessidade e urgência de readequação no sistema, trazendo para o centro das discussões temas como eficiência energética e formas de se garantir uma maior sustentabilidade para o setor.

Nesse contexto, a GD (Geração Distribuída) ganha destaque dentro do sistema elétrico nacional por se tratar de energia limpa e renovável e que tem como principal fonte a energia solar, recurso abundante no país. Hoje, a energia solar representa 98,7% do total em GD.

Guilherme Chrispim, presidente da Associação Brasileira de Geração Distribuída, destaca uma série de fatores que explicam a relevância conquistada pela geração própria de energia no país. Dentro da perspectiva econômica, ele cita o próprio crescimento do mercado que saltou de menos de duas mil empresas integradoras em 2017 para mais de 30 mil atualmente. Na geração de emprego, o impacto da GD é de 500 mil postos de trabalho.

FACILIDADE NA INSTALAÇÃO

Sob o ponto de vista energético, a facilidade na instalação de sistemas em residências, empresas e indústrias favoreceu o setor e gerou um impacto econômico muito positivo. “Dependendo da característica da ligação, você pode sair de uma fatura de R$ 500 para R$ 100 ou R$ 80. É bem representativo, principalmente para as famílias de baixa renda”, destacou Chrispim.

O presidente da ABGD ressaltou ainda que mesmo os consumidores que não têm GD são beneficiados porque quanto maior o número de pessoas utilizando a geração própria de energia, menor é a possibilidade de acionamento das usinas termelétricas, reduzindo os custos para todos os usuários do sistema, diminuindo o impacto ambiental e evitando os riscos de racionamento.

“Outro ponto que vale destacar na economia que a GD gera ao setor elétrico como um todo é a redução do custo com a perda técnica, embutido no preço da nossa conta de luz”, disse Chrispim. No caminho percorrido entre a usina hidrelétrica e a unidade consumidora, é normal que ocorra perda de 10% a 15% da eletricidade produzida. Na GD, essa perda não acontece porque a unidade consumidora está próxima da fonte geradora de energia.

JANELA DE OPORTUNIDADE

Permitir que o usuário produza a sua própria energia, seja com a instalação de uma placa solar no telhado ou por meio de cooperativas, e a oferta de subsídios pelo governo garantida pela aprovação da Lei 14.300/2022, que instituiu o marco legal da microgeração e minigeração distribuída, tiveram forte apelo junto aos consumidores. Soma-se a isso, o aumento da credibilidade do sistema, apontou Roberto Corrêa, presidente da Cogecom, cooperativa paranaense de energia compartilhada. “A confiabilidade aliada à janela de oportunidade fez o mercado dar um salto muito além da estimativa da EPE (Empresa de Pesquisa Energética).”

A Cogecom é uma das empresas que surfa na onda do avanço da geração distribuída. No primeiro trimestre de 2023, a energia total comercializada cresceu 75% sobre igual período do ano anterior e contabiliza 30 mil unidades consumidoras nos oito estados onde atua. A expectativa é ampliar para 60 mil unidades consumidoras até dezembro, chegando a mais quatro estados.

“A velocidade com que é possível implantar uma usina solar faz com que seja rápida e fácil a adoção da tecnologia. Os custos caíram drasticamente nos últimos dez anos, de quando o mercado foi iniciado com a normativa 482 aqui no Brasil, e essa queda de custo, o aumento das contas de energia e a instabilidade do setor energético contribuíram para o crescimento rápido de geração distribuída no país”, avaliou o CEO do Grupo Bonö Energia, Marcelo Abuhamad.




PRESSÃO POR ENERGIA RENOVÁVEL


O presidente da ABGD (Associação Brasileira de Geração Distribuída), Guilherme Chrispim, chama de “tsunami positivo” os resultados da GD nos dois últimos anos, mas olha com cautela para o futuro e fala em “acomodação”, o que não significa um desaquecimento do mercado. “Não é possível continuar crescendo nos números que estamos crescendo”, analisou. “Tivemos dois anos de crescimento em percentuais que não vão se repetir. Vamos agora entrar em um período de normalidade. O ano de 2023 ainda reflete a corrida ao sol de 2022 e 2024 será um ano de crescimento normal. Em valores absolutos, estou fazendo uma aposta de que a gente cresce 10% a 15% neste ano ante 2022, o que já é muito bom.” Chrispim calcula alta de 8 GW a 10 GW ao ano, impulsionada pela pressão por energia renovável e sustentável e o fortalecimento do ESG nas empresas.



Mais otimista nas previsões de mercado, o presidente da Cogecom, Roberto Corrêa, aposta em uma continuidade do bom momento por mais cinco anos. “Nos mercados onde a energia é mais cara, a curva (de crescimento) é mais acelerada e, em outros, mais lenta. Mas no contexto geral, nacional, temos hoje uma ascendência da curva daqueles que seguem os inovadores e deve durar mais uns cinco anos até que pense em ter uma mudança no cenário. O crescimento começa a ‘deitar’ com mais de 50% do mercado de adesão”, afirmou.



A maturidade do Brasil em relação à tecnologia fotovoltaica significa um grande avanço tanto para a matriz energética quanto para a adoção de uma matriz ainda mais limpa, com uma fonte de fácil implantação, ressaltou o CEO do Grupo Bonö Energia, Marcelo Abuhamad. Como resultado desse amadurecimento, além da manutenção do crescimento acelerado da GD, o país também deverá ver a expansão da aplicação de usinas para alta produção com o início da abertura do Mercado Livre de Energia, em 2024, e também da adoção de linhas de produção cada vez mais eficientes e automatizadas. “A matriz de GD e de energia solar está muito conectada a todo o desenvolvimento da cadeia de energia e de logística como um todo. É um mercado que vai continuar crescendo e tende a exponencializar ainda mais dentro dos próximos anos.”