Paraná avalia potencialidades com acordo entre Mercosul e UE
Um dos setores brasileiros mais beneficiados com o tratado, agronegócio vê possibilidade de elevar competitividade e aumentar PIB
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sexta-feira, 06 de dezembro de 2024
Um dos setores brasileiros mais beneficiados com o tratado, agronegócio vê possibilidade de elevar competitividade e aumentar PIB
Simoni Saris - Grupo Folha
Depois de 25 anos de gestação, Mercosul e UE (União Europeia) anunciaram, nesta sexta-feira (6), a conclusão das negociações e a consolidação do texto final do acordo de livre-comércio entre os dois blocos. O anúncio foi feito durante o encontro do grupo sul-americano em Montevidéu com as presenças dos presidentes Luiz Inácio Lula da Silva (Brasil), Javier Milei (Argentina), Luis Lacalle Pou (Uruguai) e Santiago Peña (Paraguai) e a chefe da Comissão Europeia, a alemã Ursula von der Leyen.
A mensagem principal ficou por conta da líder europeia. Em um aceno contra o protecionismo, Von der Leyen disse em seu discurso que "os dois blocos concordam que a cooperação é o caminho para prosperar". "Esse acordo é a nossa resposta ao crescente isolamento e à fragmentação."
"Este é um ambiente de ganha-ganha", seguiu a alemã. "Estamos enviando uma clara mensagem: num mundo em confrontação, nós mostramos que democracias podem vigorar. Isso é uma necessidade política, não apenas econômica."
O tratado comercial deverá beneficiar vários setores econômicos, mas um dos mais favorecidos é o agronegócio. No Paraná, o clima nas entidades representativas do setor era de espera e ansiedade. “Isso traria um ganho interessante, reduziria a tributação no comércio entre os dois blocos e ganharíamos competitividade. O Paraná poderia exportar bem mais para a União Europeia, fazer o PIB (Produto Interno Bruto) crescer, traria mais investimentos à nossa produção”, disse o gerente de Desenvolvimento Técnico do Sistema Ocepar, Flávio Turra.
O acordo cria cotas livres de tarifas para a entrada de produtos do bloco sul-americano na UE, como a carne, em troca de redução recíproca para a importação de automóveis e outros produtos europeus. Longe de ser uma unanimidade entre as nações envolvidas, especialmente entre algumas que integram o bloco europeu, a proposta enfrenta resistências. França, com forte lobby agrícola, Polônia e Itália estão entre elas.
Para o presidente da SRP (Sociedade Rural do Paraná), Marcelo Janene El-Kadre, há muita confusão entre o mercado de commodities e as questões políticas que prejudica o avanço das negociações. “São mentiras no meio político que tentam mostrar uma falsa verdade e desinformação de que o agronegócio brasileiro é desmatador", avaliou. “A gente exporta para a França 0,001%. A carne brasileira que vai para a Europa representa 3%. É 25% do consumo deles”, disse El-Kadre. “É natural tentar o protecionismo, mas a gente não pode aceitar com conformismo. Temos que lutar. Se eles estão falando (inverdades), vamos mostrar o que a gente faz.”
Com excedente de produção agropecuária, o Paraná está preparado para atender um provável aumento da demanda decorrente do acordo. “Seria uma adequação rápida para, em um primeiro momento, fazer a realocação da produção para o mercado europeu, que remuneraria melhor”, destacou Turra. No médio e longo prazos, o Estado estaria apto a manter o atendimento ao mercado europeu ao mesmo tempo em que abasteceria o mercado asiático.
O acordo abriria novos mercados para inúmeros setores, mas os maiores ganhos seriam contabilizados ao agronegócio. Derivados da soja, como óleo e, principalmente, o farelo, carne de frango, suínos e café estão entre os produtos com grande potencial de exportação pelo Paraná ao mercado europeu. Mas a lista de possibilidades ainda pode crescer. “O acordo traria aumento do PIB, da renda, aumento dos investimentos, das exportações e até da importação, com a linha de alta tecnologia”, ressaltou o gerente da Ocepar.
Nesta sexta-feira, em mensagem a seus pares europeus, Von der Leyen disse que campo e cidade serão beneficiados. "Às nossas populações e economias dos dois lados do Atlântico, esse acordo significa mais trabalhos e oportunidades". A alemã também elogiou a agenda ambiental do governo Lula. Mas disse que "a atitude do presidente Lula de preservar a Amazônia deveria ser também uma tarefa de toda a humanidade."
Pelo Mercosul, o uruguaio Lacalle Pou disse que um histórico de acordos frustrados vinha causando descrédito e incerteza. "No Mercosul não temos todos a mesma ideologia", seguiu o centro-direitista. "E todos sabemos o fácil que é destruir, mas o difícil que é construir. Nossa responsabilidade foi tirar o que nos desune e ficar no virtuoso: união e acordo."
Negociadores brasileiros indicam que os europeus vão adotar a estratégia de separar o conteúdo comercial do político no acordo, o que permite avançar mais rapidamente com a parte econômica, sem necessidade de aprovar em todos os parlamentos nacionais e regionais.
À sombra do que ocorreu em 2019, quando estágio muito semelhante foi alcançado, mas logo freado pelas alegadas preocupações europeias com a agenda negacionista do então governo de Jair Bolsonaro (PL), o novo anúncio é visto como uma vitória, mas a cautela é maior.
Alterações importantes foram costuradas no processo de tratativas coordenado pelo Brasil. Uma delas, no campo da governança pública, o fato de que estados brasileiros terão de abrir a competitividade das compras públicas às empresas europeias. Esse mecanismo é visto como importante para aumentar competitividade e ajudar estados em dificuldade orçamentária.
Os negociadores sabem, porém, que ainda há fatores complicadores para o tratado. O documento agora deve passar por uma burocrática revisão técnica e depois ser aprovado em diferentes instâncias, a começar o Parlamento Europeu.
Do lado das Américas, a vitória política é celebrada em especialmente pelo governo Lula, que priorizou a agenda climática e a retomada das tratativas, e pelo governo de Luis Lacalle Pou no Uruguai.
O anúncio vem em um momento de virada no xadrez geopolítico global com o futuro retorno de Donald Trump à Casa Branca com uma agenda protecionista que preocupa o setor econômico europeu. No Mercosul, ocorre em um momento de ampla polarização entre seus Estados-membros, tendo como ponto de foto a Argentina do ultraliberal Javier Milei, para quem "o acordo não é determinante". Apesar disso, o chefe do Executivo argentino disse que o acordo terá apoio do país.
O tratado deve abarcar um mercado comum de 718 milhões de pessoas em economias que, somadas, chegam a US$ 22 trilhões. Os novos detalhes do que foi consensuado ao longo de extensas negociações ainda serão tornados públicos.
Em resumo, para o Mercosul, serão zeradas ou reduzidas tarifas de exportação para a UE de cerca de 70% a 90% dos produtos. Para o bloco europeu, o principal foco será sobre produtos agrícolas.
Para o Brasil, mostrou um estudo publicado pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), este acordo com a UE traria um crescimento de 0,46% do PIB (Produto Interno Bruto), equivalente a US$ 9,3 bilhões a preços constantes de 2023.
Do outro lado do Atlântico, é a França o principal opositor. A administração de Emmanuel Macron, em forte crise institucional após a queda do premiê Michel Barnier, disse na quinta-feira (5) que o projeto era "inaceitável como está".
O breve comunicado foi feito pouco após Von der Leyen confirmar sua aterrissagem em Montevidéu, sinalizando o êxito das negociações.
Nesta sexta-feira, a CNI (Confederação Nacional da Indústria) disse que a conclusão do acordo traz como potenciais benefícios a diversificação das exportações, a ampliação da base de parceiros comerciais e o fortalecimento da competitividade do Brasil em nível global.
"Negociado com foco em princípios de equilíbrio e sustentabilidade, o acordo tem potencial de impulsionar a produtividade e ampliar a integração internacional da indústria brasileira, promovendo ganhos econômicos e sociais a longo prazo", afirmou a entidade em nota.(Com Folhapress)