Desde o final de março de 2020 estamos vivenciando situações peculiares devido a pandemia do coronavírus. O isolamento social, extremamente necessário para conter a curva de ascensão do vírus, desemprego em alta, relações sociais e familiares em conflito, micro e pequenas empresas passando por muitas dificuldades, são apenas alguns exemplos de situações que estamos enfrentando neste período. O quadro que se apresenta é preocupante sob muitos aspectos e o objetivo deste texto é focar na questão das dívidas que os consumidores já tinham antes da pandemia e as dívidas que certamente estão surgindo neste período.

De acordo com levantamento da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo, de março de 2020, publicado pela Folha de São Paulo em 6 de abril, o percentual de famílias com dívidas ou contas em atraso foi de 25,3%. O total de famílias que declararam não ter condições de pagar suas contas ou dívidas em atraso e que, portanto, permanecerão inadimplentes no mesmo mês foi 10,2%. O jornal traz ainda que o número de famílias que possuem algum tipo de dívida foi de 66,2%, o maior percentual desde o início da Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor, em janeiro de 2010. A estimativa é que, nos próximos meses, esse número deve aumentar em função da crise provocada pela pandemia.

Traçando um quadro comparativo entre muitos países, as instituições financeiras brasileiras praticam as maiores taxas de juros de que se tem notícia. E o consumidor, em muitas situações, é coagido a pagar um valor muito mais alto do que o valor original do débito. Neste sentido é importante que o consumidor conheça seus direitos e deveres no que se refere às dívidas que adquiriu ou que venha a adquirir durante a pandemia.

Legalmente não há previsões que norteiem como procedermos em caso de pandemia. O entendimento que prevalece no mundo jurídico é da necessidade de haver negociações entre consumidores e fornecedores de modo que não onere ou prejudique demasiadamente uma das partes em detrimento da outra.

Nos casos em que o consumidor buscou o diálogo com seus credores, mas a negociação não surtiu efeitos ou o credor mostrou-se intransigente, ou o credor tem feito cobranças por telefone, por e-mail ou via WhatsApp insistentemente, há algumas atitudes que o consumidor pode e deve tomar: documentar as tentativas de acordo, documentar as cobranças abusivas e insistentes, informar ao credor da impossibilidade atual de quitar a dívida, informar que não é uma opção não pagar agora e sim uma necessidade.

A pandemia nos colocou diante de situações novas, inesperadas e muito preocupantes e as empresas têm consciência que estamos passando por um momento totalmente adverso, incomum e imprevisto. Diante de incertezas sobre a economia é importante que as empresas tenham como pauta o entendimento eficaz entre as partes, que busquem acordos amigáveis e facilitadores para as pessoas endividadas.

A pandemia não significa uma permissão para que devedores sejam liberados do pagamento de suas dívidas, cada relação contratual deve ser analisada de maneira singular e de acordo com o caso concreto. Mas, se o consumidor endividado está sendo abordado insistentemente por seus credores, de forma inoportuna, se a cobrança está sendo vexatória, se as ligações de cobrança têm sido excessivas e têm como objetivo pressionar e abalar psicologicamente o consumidor para forçá-lo a pagar de qualquer forma, é importante que o consumidor saiba que tais situações estão amparadas no Código de Defesa do Consumidor e que o consumidor saiba também que tem direito a revisão contratual, quando sobrevém alguma situação imprevisível que torne o cumprimento do contrato, muito excessivo, muito oneroso. Assim, o consumidor pode fazer valer seus direitos reclamando e denunciando aos órgãos de defesa do consumidor. E, pode também, pedir danos de reparação moral na Justiça através de uma ação judicial.

Eliane Patrícia Araujo, advogada e vice-coordenadora da Comissão de Direitos do Consumidor da OAB Londrina