As famílias brasileiras nunca estiveram tão endividadas, como apontam as pesquisas. A fase de boas notícias na economia faz parte de um passado distante. Após outra década perdida, brasileiras e brasileiros se desdobram cada vez mais para conseguir uma renda capaz de saldar seus compromissos. É a era da escassez, com a expressão “mais boleto para pagar” causando calafrios no ambiente doméstico. É também uma era de exigência: não é mais apenas um predicado saber usar a pouca grana que entra – é uma questão de sobrevivência.

A Folha ouviu Regina Lúcia Sanches, professora da Universidade Tecnológica Federal do Paraná em Londrina, coordenadora do projeto de extensão Planejamento e Orçamento Pessoal.

Graduada em Economia pela UEL, com mestrado e doutorado pela UEM, ela é responsável por ministrar um curso on-line gratuito de 20 horas denominado Finanças Pessoais Sistêmicas, cujo objetivo é demonstrar como o autoconhecimento e a educação financeira ajudam nas decisões de como usar o dinheiro.

As inscrições estão abertas até esta sexta-feira e basta clicar neste link: https://docs.google.com/forms/d/e/1FAIpQLSfxX1mu4_16HPvveGU1vUNVyNZc8FsfcLkBLsQCO8F4e8__Ag/viewform. Para mais informações, enviar email para [email protected]

Confira abaixo um pouco do que se aprende no curso.

Folha - Em suma, quais seriam os erros mais comuns na gestão financeira pessoal ou familiar?

Professora Regina - As pesquisas e estatísticas apontam o descontrole financeiro como erro mais comum, expresso pela apuração dos índices de inadimplência, por exemplo. Esta é a consequência de comportamentos motivados por necessidades, imprevistos e pouco autoconhecimento.

Quais são os erros mais cometidos para se chegar ao descontrole?

A maior parte das pessoas recebe salário ou uma renda fixa mensal, porém, os gastos mensais variam devido a aumento dos preços dos produtos, imprevistos financeiros, gastos com lazer e saúde. Alguns gastos mensais se repetem ao longo do ano e, portanto, uma parte da sua renda fixa já está comprometida. Todos os dias realizamos pequenos gastos de maneira direta (itens de alimentação, transporte) ou indireta (desgaste de itens do vestuário, internet, energia). Os gastos diretos precisam de dinheiro ou crédito para serem providos. Muitas vezes por não serem previstos corretamente acabam levando ao uso do cartão de crédito. Outra prática muito comum é comprar produtos ou serviços de pouco uso e de maneira exagerada. É sempre bom pensar na utilidade, na necessidade e no preço. Isso ajuda a fazer aquisições mais conscientes. Também não se pode ignorar os eventuais gastos imprevistos, que normalmente envolvem questões ligadas à saúde ou mesmo reparos urgentes na casa, como substituição de eletrodoméstico ou consertos nas redes elétrica e hidráulica, por exemplo.

Por que é tão difícil sair do sufoco?

Mesmo percebendo que sua situação financeira está complicada, a falta de conhecimento dos reais motivos de seu endividamento prejudica a busca por alternativas. Por outro lado, as ofertas de crédito e opções de contínuo endividamento tornam-se oportunidades para a fuga da realidade e aí o ditado popular reforça “devo, não nego, pago quando puder”. Uma maneira simples e prática de entender melhor o peso de cada decisão é: quantas horas você precisa trabalhar para ganhar o dinheiro que será utilizado comprando aquele bem. Pense que seu gasto implica em trabalhar cada vez mais, pense no quanto você ganha por hora de trabalho e, quando possível, escolha trabalhar menos consumindo menos. A motivação para controle de suas finanças deve vir da consciência de quanto sacrifício você terá que fazer, pois quanto mais precisa de dinheiro, mais trabalho e menos descanso.

Qual fator mais contribui para desorganizar a vida financeira?

A primeira fonte de desequilíbrio financeiro está na renda insuficiente. Para fazer frente às suas necessidades, as pessoas recorrem a outras fontes de dinheiro que aumentam seu endividamento. Assim, financiamentos, empréstimos consignados, compras à prazo, uso de limite cheque especial e cartão de crédito antecipam os ganhos, implicando em prestações futuras e dívidas que levam à inadimplência. De fato, os caminhos mais seguros para resolver a questão são ou o aumento da renda ou a redução do gasto com consumo. Não existe milagre.

Há um “grupo de risco” para a epidemia da falta de dinheiro?

Se a inadimplência for um medidor desta epidemia, a pesquisa do Serasa feita em fevereiro responderia que a maioria deste grupo é formado por mulheres, entre 26 e 40 anos. Considerando o perfil da dívida, quem usa o cartão de crédito. De modo geral, os devedores são jovens, casados ou arrimos de família, com pouco conhecimento de finanças e moradores das grandes cidades, onde o custo de vida é maior.

Qual das duas situações é pior: se privar demais ou se endividar demais?

A realidade do ditado “só se vive uma vez” pede para que consideremos as necessidades de lazer. Por outro lado, outro, “o dinheiro não dá em árvore” leva a pensar que “as melhores coisas da vida não podem ser compradas”. As duas coisas exigem planejamento. A vida que queremos é construída no dia a dia. É preciso pequenos esforços para a melhoria da renda, uma melhor qualificação, por exemplo; é preciso resistir ao consumismo; é preciso pesquisar e negociar preços; quando conseguir uma sobra, aplicar primeiro e depois investir naquilo que se deseja, uma viagem, um imóvel, um carro. Sempre estudei em instituições públicas, reduzi o lazer às atividades mínimas, porém muito prazerosas, como os encontros em família, os passeios ecológicos, a leitura, os filmes. Sempre pesquisei preços e negociei gastos. Por experiência própria, digo que sim, é dificílimo, porém não é impossível. Ninguém fará isso por você, exceto você mesmo. E sim, vale muito a pena!