Uma grande operação deflagrada na manhã desta terça-feira (16) no Paraná, em Minas Gerais, São Paulo e Espírito Santo desmantelou um esquema bilionário de sonegação de impostos envolvendo toda a cadeia de produção e beneficiamento de café. Antes do dia amanhecer, policiais civis, auditores das receitas estadual e federal e peritos foram para as ruas para cumprir 220 mandados judiciais, sendo 35 de prisão temporária, 124 de busca e apreensão e 61 de sequestro de bens nos quatro estados. A operação Expresso, que teve desdobramentos em Londrina e em outros dez municípios paranaenses, identificou mais de R$ 1 bilhão em impostos estaduais e federais que deixaram de ser recolhidos.

A ação é resultado de uma força-tarefa coordenada pela Polícia Civil do Paraná, por meio de sua Divisão Estadual de Combate à Corrupção, e envolveu também a Receita Federal do Brasil, as receitas estaduais do Paraná, Minas Gerais e São Paulo, ministérios públicos do Paraná e de Minas Gerais, polícias civis do Espírito Santo, São Paulo e Minas Gerais e Polícia Científica do Paraná.

A coordenação da operação não divulgou os nomes dos integrantes do esquema em nenhuma das cidades, mas informou que foram sequestrados todos os bens acima de R$ 50 mil e apreendidos os valores superiores a R$ 10 mil. Em Londrina, imagens divulgadas pela Polícia Civil mostram agentes em um condomínio de luxo e em edifícios residenciais de alto padrão na zona sul. Empresas na região central da cidade também receberam a visita dos integrantes da operação Expresso.

Em entrevista coletiva à imprensa no final da manhã, representantes da Polícia Civil, Ministério Público e das receitas Estadual e Federal detalharam as operações irregulares. O delegado da Equipe de Combate a Fraudes da Receita Federal de Minas Gerais, Michel Lopes Teodoro, classificou o esquema como “sofisticado” e apontou o envolvimento de empresas de fachada criadas apenas para a venda de notas fiscais. Foram emitidos R$ 6 bilhões em notas frias que resultaram na sonegação de R$ 1 bilhão em ICMS, IRPF e Funrural. “São várias empresas no Brasil envolvidas no esquema comandado por corretores de café. É a maior operação relacionada a fraudes no café nos quatro estados”, disse o delegado.

Esquema

O café produzido em Minas Gerais e processado no Paraná movimenta uma cadeia formada por inúmeros agentes. Em uma operação regular de compra e venda, o produtor rural ou cooperativa que comercializa o grão, manda o produto para as indústrias do Paraná, a nota fiscal também vai do vendedor para o comprador e o dinheiro sai da indústria e vai para o produtor.

Quem liga o produtor à indústria são os corretores e, nas atividades ilícitas, explicou Teodoro, eles oferecem um kit tanto para o produtor ou cooperativa mineira quanto para a indústria paranaense. Esse pacote de serviços consiste em burlar o sistema fiscal. Ao invés de a nota fiscal seguir o caminho normal, indo de uma ponta a outra, ele cria intermediários. Uma empresa mineira, ao vender para o Paraná, teria de pagar uma alíquota de ICMS de 12%. Simulando uma venda dentro do próprio estado, não há incidência do imposto. Quem faz toda a transação fraudulenta são as empresas noteiras, que são empresas de fachada. A empresa de Minas Gerais fica responsável pelo pagamento do imposto e transfere para uma noteira de São Paulo que manda para o Paraná enquanto o café sai direto de Minas Gerais para o Paraná, criando crédito de ICMS.

O esquema foi descoberto há dois anos e deu origem à operação Grão Brocado, deflagrada em Uberlândia (MG). “A gente descobriu corretores, alguns compradores, advogados que aliciavam pessoas de baixa renda que vendiam seus nomes para figurar nessas empresas de fachada. O produtor é um grande beneficiário do imposto que nunca foi pago”, disse Teodoro. Nas nove empresas alvo da operação mineira, foram emitidos mais de R$ 4 bilhões em nota fiscal eletrônica, o que corresponde a mais de R$ 500 milhões em sonegação de ICMS.

No Paraná, a estimativa é de R$ 100 milhões não tenham sido recolhidos, considerando que o valor em notas frias emitidas tenha alcançado R$ 1 bilhão. Sobre o valor fraudado, ainda devem ser acrescentados 60% de multa, correção monetária e juros, fazendo com que o valor devido aos cofres paranaenses chegue a cerca de R$ 200 milhões. Houve também sonegação de tributos federais (IRPF). O montante, neste caso, pode chegar a R$ 200 milhões.

Mentores

“Chegamos aos mentores intelectuais dessa fraude. Não é uma fraude nova, mas sempre a gente chegava com facilidade nas empresas laranjas e com um pouco mais de dificuldade nos reais beneficiados. Agora, os mentores intelectuais estão sendo alvos dessa operação [Expresso]”, destacou o delegado da Receita Federal em Londrina, Reginaldo Cezar Camargo.

A Polícia Civil não divulgou os nomes dos envolvidos, mas informou que os alvos da operação são pessoas físicas e jurídicas. Entre estes, grandes atacadistas e corretores de café em grãos do Paraná, além de transportadores, proprietários e representantes de torrefações paranaenses conhecidas no ramo cafeeiro nacional. As investigações apontam que, por diversas vezes, o produto adquirido por meio de notas fiscais frias oriundas de São Paulo era destinado a empresas de café solúvel de Londrina e de Cornélio Procópio. Ao simular uma venda da mercadoria dentro do Paraná, os atacadistas emitiam uma terceira nota fiscal falsa, acarretando aos próprios atacadistas o não recolhimento do tributo.

Ao todo, a operação se estendeu por 39 municípios. No Paraná, Londrina, Carlópolis, Cornélio Procópio, Ibaiti, Jandaia do Sul, Mandaguari, Maringá, Matinhos, Pérola, Rolândia e Santo Antônio da Platina. No Paraná, foram cumpridos 28 mandados de sequestro de bens e 17 mandados de prisão, dos quais 12 foram cumpridos em Londrina, com dez presos.