À margem da PR-444, em Mandaguari, município de localização estratégica no eixo Londrina-Maringá, está instalada a planta industrial da mais moderna biofábrica da América Latina. Com investimentos de mais de R$ 100 milhões, a Superbac dispõe de estrutura em pesquisa e desenvolvimento em soluções biotecnológicas capaz de fazer frente a centros de pesquisa americanos e europeus.

Dentro do complexo de 400 mil metros quadrados, quase tudo é automatizado. Giuliano Pauli, diretor de inovação da Superbac, explica que, quanto menor o número de pessoas em determinadas etapas do processo, menor o risco de contaminação. Nos laboratórios, pesquisadores trabalham em atividades como sequenciamento genético e análise de solo. Já a operação de maquinário é toda remota, monitorada por um grande painel que dá informações precisas, em tempo real, de todo o processo.

A empresa com sede em Cotia, na Grande São Paulo, atua há 26 anos no ramo de biotecnologia e há sete anos entrou no segmento do agronegócio, o que culminou com a inauguração da planta de Mandaguari, em outubro de 2021. Além do desenvolvimento de biodefensivos agrícolas, a Superbac oferece soluções em nutrição, fármacos e saneamento. “A combinação da nossa biofábrica com o centro de inovação nos permite transformar esses desenvolvimentos de pequena escala em soluções de grande escala de forma economicamente viável”, explica Pauli.

O exemplo da Superbac, no entanto, é uma realidade ainda distante para muitas indústrias brasileiras. Com inflação em alta, juros elevados e incertezas nas políticas públicas para o setor, a capacidade de investimento fica comprometida, o que impacta diretamente na competitividade. Em tempos de inteligência artificial e internet das coisas, se adequar à Indústria 4.0 é quase uma questão de sobrevivência.

Especialistas da área são taxativos em afirmar que o momento oferece oportunidades para a indústria brasileira. A pandemia da Covid-19, que expôs os perigos da centralização da produção na Ásia, e a guerra entre Rússia e Ucrânia, que traz em sua esteira disputas geopolíticas entre ocidente e oriente, deram origem a um movimento batizado de ‘nearshoring’, que consiste em trazer parte ou toda a cadeia de fornecimento para uma localização mais próxima, como um país vizinho.

GARGALOS

Porém, para o Brasil se beneficiar com essa reconfiguração do mapa da cadeia produtiva global, é necessário eliminar seus principais gargalos. A modernização do parque industrial é uma destas condições elementares ao se analisar a demanda americana ou europeia. No entanto, o alto custo para novos investimentos e a dificuldade de acesso ao crédito é um entrave. Também pesa a insegurança em relação ao cenário econômico.

Marcos Rambalducci, economista da Acil (Associação Comercial e Industrial de Londrina), aponta que os empresários do setor estão se sentindo receosos de fazer os investimentos necessários para aumento da produtividade. “Em muitos casos, a distância para a Indústria 4.0 é grande, porque essas empresas não atingiram nem o 3.0. Aumento da produtividade é fazer mais com o mesmo ou fazer mais com menos. Por isso que a gente precisa da adoção da tecnologia. O fato é que, de um modo geral, nós continuamos atrasados e a nossa produtividade não tem aumentado. Com isso, nosso parque fabril tem ficado mais velho”, expõe.

icon-aspas É preciso um entendimento maior sobre os objetivos e metas econômicas e fiscais do novo governo
Marcelo Alves - Economista da Fiep

Um dos fatores que engessam o setor é a elevada taxa de juros, que recentemente foi mantida em 13,75% pelo Copom (Comitê de Política Monetária) do Banco Central. O economista da Fiep (Federação das Indústrias do Estado do Paraná), Marcelo Alves, sugere a queda gradual e responsável da taxa de juros, a patamares abaixo dos 10%, mas diz que ainda não vê um cenário favorável para isso.

Para criar essas condições de gerar um recuo natural da Selic, o economista defende mais clareza nas propostas das políticas econômicas do governo federal. “É preciso um entendimento maior sobre os objetivos e metas econômicas e fiscais do novo governo”, pontuou em entrevista recente à FOLHA. A desburocratização também é essencial para atração de capital estrangeiro.

‘É preciso acabar com o manicômio tributário brasileiro’, defende economista

A necessidade de uma simplificação no sistema tributário brasileiro é consenso. Marcos Rambalducci elenca três pontos-chave para a modernização das políticas econômicas no país. A primeira é colocar fim no que ele define como um "manicômio tributário”.

“Há uma máxima que diz que o Brasil não é para amadores. É preciso uma reforma tributária que contemple a simplificação na forma que a gente paga os impostos. As empresas e as pessoas não estão querendo não pagar, mas é preciso simplificar. Cento e tantos tipos de impostos é absolutamente inviável para uma empresa. É claro que isso vai afastá-la”, pontua.

icon-aspas É muito difícil a gente imaginar empresas querendo produzir, contratar aqui, se houver altos riscos inflacionário e cambial
Marcos Rambalducci - Economista da Acil

No âmbito da segurança jurídica, Rambalducci enfatiza a necessidade do país respeitar os contratos firmados. “Uma vez assinado pelas partes interessadas, o estabelecido tem que ser cumprido. Só é aceitável distrato se não houver o cumprimento de alguma cláusula por uma das partes. Fora isso está errado”, adverte.

Por fim, como o terceiro ponto, o economista da Acil prega a solvência do Estado e também cita a importância da independência do Banco Central. “É muito difícil a gente imaginar empresas querendo produzir, contratar aqui, se houver altos riscos inflacionário e cambial. E como conseguimos afastar esses cenários? com equilíbrio fiscal e independência do Banco Central”, argumenta.

Infraestrutura PRECISA de diversificação de modal e duplicações das rodovias

Outra fragilidade do país está na infraestrutura. Apesar de alguns bons resultados na navegação de cabotagem e investimentos anunciados para a malha rodoviária, o país paga caro pelo abandono de suas linhas férreas.

Marcos Rambalducci chama a atenção para o problema. “Nós precisamos sair do modal rodoviário e embarcar no modal ferroviário. É fundamental que a gente tenha um planejamento para o sistema ferroviário. Nenhum país se industrializa transportando a matéria-prima e seu produto acabado por rodovia”, critica. “Uma base ferroviária digna precisa de 15 anos ou 20 anos para ser construída, mas é preciso dar esse passo”, completa.

Entre os investimentos previstos em rodovias está a concessão do Anel de Integração do Paraná, que prevê a modernização das estradas, além de um pacote de R$ 3,4 bilhões anunciado recentemente pelo governo estadual. Para a região de Londrina, a expectativa é grande pelo término das obras de duplicação da PR-445, o que vai providenciar, enfim, uma ligação robusta entre as duas maiores cidades do Paraná e, consequentemente, ao Porto de Paranaguá.

Energia limpa é principal potencialidade brasileira

Em meio a tantos desafios, um ponto coloca o Brasil em vantagem em relação a seus concorrentes: a matriz energética. Cerca de 80% da energia gerada no país é de fonte limpa. A maior parte é produzida em usinas hidrelétricas, mas nos últimos anos, a geração de energia eólica, produzida pelo vento, e a solar vêm ganhando destaque. Enquanto isso, no México, por exemplo, este índice não chega aos 30%.

Com a pauta ESG em destaque, sigla em inglês para governança ambiental, social e corporativa, os países desenvolvidos tendem a condicionar o fechamento de contratos a empresas e países comprometidos com a sustentabilidade. “Hoje o ESG está na moda, é visto como uma novidade, mas, em breve, vai se tornar uma necessidade real em todas as esferas. O fornecedor de uma empresa grande, uma multinacional, vai ter que informar as condições do processo de produção, se ele é sustentável, ou então não vai conseguir vender”, alerta o consultor de PDI (Pesquisas, Desenvolvimento e Inovação) do Senai Paraná, Jorge Mondadori.

Imagem ilustrativa da imagem ‘Nearshoring’ abre oportunidades, mas gargalos afetam competitividade
| Foto: Folha Arte

Inovação nem sempre exige investimentos milionários

Na indústria de alta performance, cultura de inovação está muito atrelada a investimentos pesados e persistência. Especialista na área, o diretor de Inovação da Superbac, Giuliano Pauli, conta um pouco da experiência na área da biotecnologia. “O principal desafio é que o empresário entenda que empresas de inovação de alta performance demandam muito investimento prévio antes de você obter o sucesso comercial de uma tecnologia. Não diria que é tentativa e erro, mas você sempre tem um pipeline de projetos muito longo que vai entrando no funil e vai se reduzindo até que você obtenha sucesso comercial. Algum desses vai manter o faturamento e a rentabilidade da empresa com geração de receita para retroalimentar o processo”, avalia Pauli.

Investir em inovação, porém, nem sempre requer investimentos milionários. A cadeia de produção paranaense tem cerca de 45 mil indústrias de pequeno e médio porte que trabalham para abastecer as grandes plantas. Em muitas dessas empresas, tecnologias como um braço mecânico, impressoras 3D, não cabem no orçamento ou não se justificam. Então, quais necessidades tecnológicas são comuns às grandes e pequenas empresas? O consultor de PDI do Senai Paraná, Jorge Mondadori, tem a resposta na ponta da língua: a digitalização dos processos.

icon-aspas O melhor argumento de conscientização é o bolso, porque ninguém quer jogar dinheiro fora
Jorge Mondadori - Diretor de PDI do Senai Paraná

Mondadori aponta que, com a digitalização do processo, a empresa entende o que e como está produzindo, além de conhecer em detalhes os prazos de início e fim dessa produção para entregar para o próximo passo na cadeia de suprimentos. “É aí que muita gente se perde”, lamenta. Ele usa o exemplo dos aplicativos. “Hoje, você pede um prato por aplicativo, aparece ali: ‘será entregue em até 12 minutos’. O app tem a média estatística do restaurante, o quanto o entregador vai levar na rota, e ele te dá esta estimativa. É esse tipo de coisa que está faltando para a indústria. Hoje existe um gap que é resolvido por telefonema: ‘oi, e o meu produto?’. Aí não sabe como está, quando vai chegar. Essa correção é a demanda mais urgente para o setor”, analisa.

“Há uma disparidade entre as grandes indústrias, multinacionais, que de fato já entraram no universo 4.0, e a nossa cadeia de suprimentos, as pequenas e médias, que ainda não têm processos de digitalização convergentes. Esse é o principal gargalo”, relata. Promover a cultura de inovação na indústria é um esforço comum entre as entidades do setor, como o próprio Senai, pertencente ao Sistema Fiep. “Fazemos um trabalho muito forte de conscientização, por meio de consultorias na área de manufatura enxuta, de redução de desperdícios, de aumento de eficiência operacional. O melhor argumento de conscientização é o bolso, porque ninguém quer jogar dinheiro fora”, conta.

Centro de capacitação do Senai em Londrina
Centro de capacitação do Senai em Londrina | Foto: Sérgio Ranalli - Editor

Modelo em capacitação, Senai coloca estudantes dentro da indústria

No ano da redemocratização, em 1985, a indústria brasileira respondia por 48% do PIB (Produto Interno Bruto Nacional). Após uma queda vertiginosa nos anos 1990, agora, quatro décadas depois, esse percentual está em 23,6%, com leve crescimento desde 2017. As discussões de um resgate do protagonismo industrial no país passam, inevitavelmente, por uma condição primordial: a formação de mão-de-obra.

De acordo com o Mapa de Trabalho Industrial 2022-2025, feito pelo Observatório Nacional da Indústria, o Brasil vai precisar capacitar mais de 77 mil técnicos em 2023 para atuar nas oportunidades de base industrial. O levantamento aponta que as vagas de nível técnico de formação vão chegar, ao todo, a 2,2 milhões de postos de trabalho, o que representa cerca de 18,4% do total do emprego industrial no país. Para o Paraná, o estoque de emprego projetado para 2023 é de 137.714 vagas, com 5.015 novas oportunidades (formação inicial).

A receita de sucesso de ensino profissional, voltado à indústria, o país desenvolveu há 81 anos, com a criação do Senai. “Não existe fórmula mágica. A metodologia é colocar o aluno dentro de um cenário industrial e fazer com que ele seja o protagonista das soluções de demandas industriais, para que ele conclua o curso sem nenhum degrau de aprendizagem”, conta Victor Cunha, diretor de Educação do Senai Paraná. “Tanto na educação profissional, quanto no superior, os alunos são desafiados a criarem soluções para indústrias parceiras. Então, durante o curso, eles já estão dentro do ambiente fabril”, acrescenta.

No ano passado, foram mais de 2,4 milhões de matrículas nas 27 Unidades da Federação. O que é preciso agora, segundo os analistas, é replicar o modelo, colocar fermento no bolo e ampliar o número de vagas. "Cerca de 90% dos nossos alunos saem empregados. O retorno é garantido, para eles e para o país", observa Cunha.

Receba nossas notícias direto no seu celular! Envie também suas fotos para a seção 'A cidade fala'. Adicione o WhatsApp da FOLHA por meio do número (43) 99869-0068 ou pelo link wa.me/message/6WMTNSJARGMLL1.