Um movimento nacional encampado por associações e empresas de todos os portes e atuantes em diversos setores foi lançado nesta semana em oposição a uma mobilização das grandes empresas de telecomunicações que operam no país e que reivindicam junto à Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) o direito de cobrança de taxa de rede. A iniciativa das operadoras de telefonia ameaça pôr fim a um dos princípios previstos no Marco Civil da Internet, que garante a neutralidade da rede.

No jargão econômico, o compartilhamento de custos é chamado de fair share. Na prática, o que as operadoras defendem é a cobrança de taxa adicional sobre qualquer serviço que gere tráfego de dados pela internet sob o argumento de que esses valores iriam subsidiar parte dos custos da infraestrutura da rede. Dessa forma, seriam taxados a computação em nuvem, os serviços de streaming, ensino a distância, saúde digital e telemática e a Inteligência Artificial. Todo o ecossistema seria afetado, mas especialmente os consumidores, que teriam uma internet dividida em classes, mais cara e de menor qualidade.

A AIA (Aliança pela Internet Aberta), como foi denominado o movimento iniciado nesta semana, entende que a medida contraria o interesse público dos brasileiros e que a internet é um direito conquistado pelos cidadãos a partir da aprovação do Marco Civil da Internet, instituído em 2014 pela Lei Federal 12.965, e que tem entre seus princípios fundamentais a neutralidade da rede.

Considerada uma lei modelo, o Marco Civil impediu a cobrança de valores diferenciados dos usuários conforme o conteúdo acessado. Legalmente, as empresas só podem cobrar pela velocidade de conexão. Com a mudança, avalia a AIA, a internet aberta estaria em risco.

À frente da AIA está o ex-deputado federal e ex-relator do Marco Civil da Internet, Alessandro Molon, e entre as empresas que compõem a aliança estão gigantes do setor, como Google, Amazon, Meta, Netflix, Tik Tok, Mercado Livre e Kwai, além de entidades como Abrint (Associação Brasileira de Provedores de Internet e Telecomunicações), Abranet (Associação Brasileira de Internet) e Abria (Associação Brasileira de Inteligência Artificial). Ao todo, são 20 participantes.

Além de informar e conscientizar a sociedade sobre a mobilização das telefônicas junto à Anatel, uma das principais atribuições da AIA é abastecer com dados da realidade brasileira os debates acerca do tema. Na Europa, a Berec, o organismo de reguladores europeus das comunicações eletrônicas, entendeu que a taxação não se justifica porque não existem dados de que as redes estão sob risco pelo aumento do tráfego de dados. “As empresas daqui do Brasil também não apresentam dados convincentes sobre isso”, disse o assessor de Comunicação da AIA, Christian Miguel.

A partir de estudos de natureza econômica, técnica e jurídica, a aliança quer encorpar o movimento e municiar de informações os cidadãos que irão contribuir com a consulta pública a ser realizada pela Anatel.

A AIA ressalta o impacto econômico da taxação da rede, mas também destaca o efeito sistêmico na legislação que regular a internet no Brasil, considerada um modelo mundial. “O Marco Civil da Internet é uma baita exceção da legislação porque nunca foi alterado. É uma lei pensada em meados de 2010 e que teve tanta contribuição da sociedade civil que sobrevive às transformações. Há quase dez anos está garantindo a base de uma conexão livre e neutra no Brasil”, apontou Miguel.

O assessor de Comunicação da AIA lembrou que de todos os países onde essa discussão foi iniciada, apenas a Coreia do Sul permitiu a cobrança de taxa de rede. “Já traz evidências concretas de que a taxa é uma má ideia porque onerou custos e encareceu os serviços”, destacou Miguel.

Um dos impactos mais fortes do fair share na economia sul-coreana foi sentido nesta semana, quando o Twitch, plataforma de streaming de vídeos focada em videogames, anunciou que a partir de fevereiro de 2024 deixará de operar no país asiático em razão dos altos custos operacionais impostos às big techs em razão da taxação.

O Procon vê com preocupação a taxação. O coordenador do órgão de defesa do consumidor em Londrina, Thiago Mota Romero, diz que embora a cobrança seja uma tendência global, o tema deve ser amplamente debatido com a sociedade antes que a Anatel tome uma decisão. “Acredito que o tema deve ser melhor discutido com a população em geral para que não haja prejuízo aos consumidores e que também não inviabilize a criação de conteúdo pelos digitais influencers.”