A crise econômica provocada pelo novo coronavírus atingiu principalmente os micro e pequenos empresários. Sem muitas reservas financeiras e pouco fluxo de caixa, as linhas de crédito poderiam dar um fôlego nas contas para manter as atividades e sobreviver à pandemia. Mas embora o governo federal tenha anunciado vários programas de auxílio, os empresários enfrentam muitas dificuldades de acesso a esses recursos. O principal entrave são as certidões negativas.

Imagem ilustrativa da imagem Micro e pequenos empresários têm dificuldade para obter crédito
| Foto: Gustavo Carneiro - Grupo Folha

Uma pesquisa nacional realizada pelo Sebrae em parceria com a FGV (Fundação Getúlio Vargas) apontou que 86% dos empreendedores que buscaram empréstimos desde o início da pandemia tiveram a solicitação negada ou os pedidos ainda estavam em análise. Apenas 14% dos empresários que solicitaram crédito tiveram sucesso. A pesquisa ouviu 10.384 microempreendedores individuais e donos de micro e pequenas empresas em todo o país entre os dias 30 de abril e 5 de maio.

Em Londrina, há centenas de processos parados à espera da liberação de financiamentos. Um deles é o de Adriano do Espírito Santo. Microempresário da área de alimentação, há dois meses ele aguarda a aprovação de crédito em um programa do Sebrae. “Ainda tem um acerto de documentação para passarem quanto dinheiro vão me emprestar. As vendas caíram, os negócios não estão acontecendo”, justificou.

O crédito, planeja o empresário, deve ajudar no fluxo de caixa e no investimento em novos produtos. “Tem todo um processo burocrático e essa demora atrapalha. Já fiz várias revisões de custeio, várias mudanças na gestão de custos, diminuí compras, mas a liberação precisa sair neste mês, senão o cenário vai ficar bem complicado.”

Diretora-executiva da Garantinorte, Joyce Giron contabiliza 300 pedidos à espera de liberação de crédito e 50 tiveram a carta de garantia aprovada e agora aguardam os recursos. A empresa observa o grau de endividamento, o recolhimento de impostos e se há restrições no Serasa. No final de março, após a prefeitura anunciar a criação de um fundo de crédito para micro e pequenos empresários e trabalhadores autônomos, Giron calcula que a procura triplicou e a demanda ainda está alta. “Quando começou a pandemia, quem já estava com a corda no pescoço não aguentou ficar um mês. Com queda de 60% no faturamento, se não tinha gordurinha, quebrou mesmo.”

“A maior dificuldade são as empresas que têm restrições. O sistema bancário impede que quem tenha restrição tenha acesso ao crédito”, destacou o consultor do Sebrae em Londrina, Sergio Garcia Ozorio. “Aguardamos as linhas novas, que estão no forno, vamos ver como chegam ao mercado e se vai permitir acesso aos negativados”, disse. Para o acesso às linhas já disponíveis, ressaltou Ozorio, a negativação é o principal impeditivo. “Algumas linhas já chegaram, mas a gente vê com muita preocupação que os recursos não chegam às empresas. Esperamos que as linhas novas tenham mais efetividade do que as que temos no mercado hoje.”

Além dos bancos tradicionais, disse o consultor, as ESCs (Empresa Simples de Crédito) e as Fintechs surgem como alternativas. “Elas têm sido solução porque mesmo (a empresa) negativa, analisam o caso, se tem capacidade de pagamento.”

Proprietário de uma microempresa de importação de material escolar e produtos de decoração, Marcelo Paulino de Oliveira teve o pedido de crédito negado por um grande banco. “O que eu percebi é que os bancos procuram nas vírgulas motivos para não fazer o financiamento. Ficam tentando achar problemas e tentam vender um produto mais caro, sem o subsídio do governo.”

Oliveira aguarda o crédito do Pronampe (Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte) ou subsidiado pelo Sebrae. “O Sebrae fez uma parceria com a Caixa para financiamentos de até R$ 125 mil para CNPJ e a garantia pelo Sebrae. Fiz o cadastro para mandar para a Caixa faz mais de 30 dias e ainda não obtive resposta.”

Antes do início da pandemia, Oliveira fez uma operação que garantiu um aporte de caixa e é com esses recursos que ele se mantém durante a crise. “Mais 60 dias eu consigo sobreviver, mas meu grande volume de estoque é para (abastecer lojas de) São Paulo e o movimento caiu 80%. Eu espero conseguir o crédito neste mês.”

Governo cria programas, mas dinheiro não chega às mãos dos pequenos

Na última terça-feira (2), foi publicada no Diário Oficial da União uma medida provisória que autoriza a destinação de R$ 20 bilhões para o FGI (Fundo Garantidor para Investimentos) do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) para a concessão de crédito. O Programa Emergencial de Acesso a Crédito é direcionado a empresas que tenham registrado receita bruta a partir de R$ 360 mil em 2019.

Em 27 de maio, uma outra medida provisória havia sido publicada, garantindo a destinação de R$ 15,9 bilhões do Tesouro Nacional a um fundo para garantir empréstimos feitos por meio do Pronampe (Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte). Segundo a MP, o valor alocado no fundo servirá como garantia para o banco no caso de o empreendedor não conseguir pagar a dívida.

Mesmo considerando que o Pronampe chegará tarde para muitos empreendedores, o presidente do Sebrae, Carlos Melles, enxerga no fundo garantidor um acesso efetivo aos cofres bancários. “O aporte do Tesouro Nacional vai garantir 85% do risco e a lei permite ao Fampe (Fundo constituído pelo Sebrae) cobrir outros 15%, o que possibilitará garantir 100% das operações. Então, existe uma grande chance de ter sucesso”, afirmou Melles.

O Fampe, do Sebrae, avaliza 80% do valor de empréstimos concedidos por 12 instituições conveniadas, entre elas, a Caixa Econômica Federal. Ao Pronampe, terão direito microempresas e empresas de pequeno porte, com receita anual de até R$ 4,8 milhões. Microempreendedores individuais não estão incluídos.

O empresário precisa comprovar uma garantia no mesmo valor do empréstimo, acrescido dos juros. Se o negócio ainda não tiver um ano, a garantia passa a ser de 150% do valor contratado. A lei prevê que não serão exigidas certidões negativas.

O teto de crédito corresponde a 30% do faturamento do ano anterior. O empresário terá 36 meses para quitar a dívida, reajustada pela taxa Selic (hoje em 3%) mais 1,25%. Como contrapartida, é preciso manter o número de funcionários durante o período de pagamento do financiamento e por mais dois meses depois disso.

O gerente da FGV Projetos, Mauricio Costa, aponta problemas no programa. Na opinião do especialista, não há muitas razões para que instituições bancárias privadas se interessem em operar o Pronampe. "Como 15% do crédito ficam descobertos, os bancos privados vão calcular quanto querem cobrar para assumir esse risco. Ainda é preciso considerar os custos administrativos da instituição e o lucro. Com isso, os juros esperados de 4,25% acabarão indo para uns 10% ao ano."

Para o economista Carlos Honorato, professor da FIA (Fundação Instituto de Administração), em crises tão dramáticas quanto a atual, o governo precisaria agir mais fortemente para evitar falências. "Não adianta liberar recursos para os bancos porque eles só emprestam se quiserem. O Estado não pode transferir para o mercado uma responsabilidade que é sua." (Folhapress)