A polêmica em torno da redução dos valores das mensalidades escolares durante a pandemia levou à judicialização da questão em todo o País. Alunos e responsáveis recorrem à Justiça para terem direito a descontos por entenderem que o serviço ofertado no período em que houve a suspensão das atividades presenciais não corresponde ao contratado. Do outro lado, escolas e universidades alegam que, além de não terem os custos reduzidos, foram obrigadas a fazerem investimentos para adequar o conteúdo à nova realidade.

Imagem ilustrativa da imagem Mensalidade escolar durante a pandemia é tema polêmico
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Em Londrina, no início de setembro a 1ª Vara de Fazenda Pública concedeu liminar determinando que 83 instituições de ensino da rede privada do município concedessem descontos entre 20% e 30% nas mensalidades pelo período em que as aulas presenciais permanecessem suspensas. A Justiça também proibiu a cobrança de multa em caso de rompimento do contrato. A decisão foi uma resposta à ação movida pelo Procon do Paraná em conjunto com a Promotoria de Justiça de Defesa do Consumidor em Londrina.

Há cerca de duas semanas, no entanto, o TJ-PR (Tribunal de Justiça do Paraná) suspendeu a liminar. O desembargador entendeu que a concessão de descontos poderia onerar “de forma desproporcional” as instituições de ensino, o que inviabilizaria suas atividades, e desobrigou os estabelecimentos de concederem os abatimentos. O magistrado destacou que escolas e universidades foram atingidas pela crise econômica e tiveram perda de receita por inadimplência ou evasão.

O mérito do recurso interposto deverá agora ser julgado pela Câmara do TJ-PR, mas o julgamento ainda não foi pautado. Para o promotor de Defesa dos Direitos do Consumidor em Londrina, Miguel Sogaiar, a questão é muito clara e está prevista no artigo 6º, inciso 5º do Código de Defesa do Consumidor, que estabelece que na ocorrência de uma situação superveniente, de caráter imprevisível, como a pandemia, se faz necessária a revisão do contrato.

O advogado João Paulo Echeverria, sócio fundador da Covac Sociedade de Advogados, de Brasília (DF), diz que a questão é mais complexa e afirma que na briga entre consumidores e prestadores de serviço, algumas premissas precisam ser melhor esclarecidas. “A redução de custos não é verdadeira. Embora tenham fechado as escolas, as aulas continuam de maneira virtual com os professores que continuam contratados. Aliado a isso, as escolas fizeram investimentos altos do dia para a noite para atender os alunos que ficariam sem aulas.”

Ao contrário do EAD (Ensino a Distância), modalidade na qual as aulas são gravadas, as atividades remotas são ministradas ao vivo, o que demandou investimentos de escolas e universidades em tecnologia, argumentou Echeverria. Pelo olhar dos alunos, há um problema de natureza econômica, reconheceu o advogado. Muitos pais perderam seus empregos e estão com dificuldade para pagar as mensalidades, o que acarreta a inadimplência e, por consequência, o aumento dos custos de manutenção por aluno em razão da queda na receita. No estado de São Paulo, lembrou ele, o Semesp (Sindicato das Mantenedoras de Ensino Superior) calculou em 51,7% o crescimento da inadimplência em maio deste ano, na comparação com igual mês de 2019.

Há que se considerar ainda os alunos que trancaram suas matrículas. “Isso não reduz o custo de manutenção da universidade. O professor continua em sala de aula”, disse o advogado.

“O contrato não está sendo cumprido. As aulas contratadas foram presenciais, não por vídeo”, resumiu Sogaiar. É com base nesse argumento, de que há um desequilíbrio entre o que foi contratado e o serviço efetivamente ofertado, que a promotoria prepara as contrarrazões ao agravo de instrumento.

Para Echeverria, mais eficaz do que a judicialização é o diálogo entre as partes. As negociações individuais, ressaltou ele, têm resultado não só em descontos, mas também em congelamento das mensalidades e parcelamento em até 12 vezes dos pagamentos em atraso. Há estabelecimentos que oferecem financiamentos e ainda a possibilidade de postergar o pagamento para depois da formatura. “Com o Judiciário interferindo, se metendo nas decisões contratuais e impondo descontos, o prejuízo será maior.”

Impacto é maior na educação infantil

A Fenep (Federação Nacional das Escolas Particulares) estima que entre três mil e quatro mil estabelecimentos de ensino no País tenham encerrado definitivamente as atividades desde o início da pandemia e acredita que esse número cresça ainda mais, chegando a dez mil até o final de 2020. Segundo a entidade, a situação é mais crítica nas instituições de educação infantil.

O Sinepe (Sindicato das Escolas Particulares) em Londrina não dispõe de um levantamento de quantas escolas já fecharam as portas e de quantas estão prestes a seguirem o mesmo caminho. A advogada da entidade, Deborah Damas, confirma que a situação é mais delicada para a educação infantil e lembra que alguns estabelecimentos tiveram redução de até 60% no faturamento. Na periferia, o quadro é ainda mais crítico, segundo ela. “Quando a escola elabora uma planilha de custo, ela faz uma previsão para 12 meses. Mas todos fomos surpreendidos por uma pandemia e praticamente todas as escolas tiveram queda significativa na receita, seja por inadimplência, cancelamento de contratos, transferências ou renegociação, principalmente na educação infantil.”

O percentual de redução dos custos com manutenção, como água e energia elétrica, destacou Damas, tem muito pouco impacto nas despesas quando comparado com os investimentos em plataformas, treinamentos e sistemas para ensino remoto. “Muitas escolas estão com os profissionais trabalhando internamente, então o custo com água e energia retomou e tiveram que fazer gastos com álcool e todo o material de higiene e limpeza. Não houve redução de custos. Se tenho uma previsão de custos para 20 ou 30 alunos e se eu perdi 30% a 40% deles e tive que renegociar as mensalidades, estou no prejuízo”, exemplificou a advogada.

Proprietária de um centro de educação infantil em Londrina, Naiani Matchula calcula em 70% a queda no faturamento desde maio. No início do ano, ela tinha 47 alunos matriculados. Quando começou a pandemia, 20 matrículas foram canceladas e dos 27 alunos restantes, apenas 11 mantêm os pagamentos regulares, com desconto. Os outros 16 estão inadimplentes há cinco meses. Mas, conforme ela, a inadimplência agravou-se a partir de agosto.

Matchula administra um grupo de WhatsApp com cerca de cem gestores de centros de educação infantil em Londrina e relata as dificuldades enfrentadas nos últimos meses por essas instituições. “Nas turmas de zero a três anos, que são turmas não obrigatórias, o índice de cancelamento de matrícula é muito alto. A maioria dos donos de escolas tem se mantido por promoções ou trabalhos alternativos. Eu não tenho só formação na área educacional, também sou formada em direito e estou trabalhando em outra área. O que entra com as mensalidades é para cobrir os custos da escola. As promoções são para os gestores se manterem. Muitos deles viviam integralmente da escola antes da pandemia.”