Empresas com mais de 20 funcionários continuam obrigadas a fazer controle de ponto
Empresas com mais de 20 funcionários continuam obrigadas a fazer controle de ponto | Foto: Arquivo Folha

A Medida Provisória 881, conhecida como a MP da Liberdade Econômica, ganhou um adendo na Câmara dos Deputados que dispensa trabalhadores de todas as categorias de bater cartão. Relatório aprovado em comissão mista do Congresso autoriza o registro de ponto por exceção. Pelo modelo, um funcionário de qualquer empresa poderá fazer acordo individual com o empregador para não bater ponto. Sendo assim, poderá chegar ao trabalho, cumprir o expediente e ir embora sem fazer nenhuma anotação.

A medida vale para empresas com até 20 funcionários, que poderão ficar livres de marcar horário de entrada, saída ou almoço. Somente exceções - como diz o nome do sistema de registro - serão obrigatoriamente anotadas. Entre elas estão horas extras, folgas, faltas e férias.

Pela regra atual, prevista na CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), o empregador é responsável por controlar a jornada em empresa com mais de dez funcionários. Qualquer mudança se dá por meio de acordo coletivo.

A alteração da CLT não consta do texto enviado ao Congresso pelo presidente Jair Bolsonaro em abril. Mudanças como não bater ponto e o trabalho aos domingos para todas as categorias foram inseridas pelo relator, o deputado Jerônimo Goergen (PP-RS). Há quem considere o conjunto de medidas como uma minirreforma trabalhista: 36 artigos da CLT serão alterados.

Advogada do Sindimetal (Sindicato das Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Materiais Elétricos do Norte do Paraná), Betânia Marconi diz que a mudança, se aprovada, será boa para empregadores e empregados, porque, além de desburocratizar as empresas, privilegia “o acordado em relação ao negociado”, princípio que norteou a Reforma Trabalhista feita no governo Temer. “No meu entender, a proposta vai no sentido de permitir negociação direta do empregador com o empregado, sem a intermediação do Estado e dos sindicatos. (A mudança) privilegia a boa fé negocial”, afirma.

Ela explica que o direito do trabalho parte do pressuposto que o empregador é a parte hipossuficiente (mais fraca) da relação. Mas a CLT é de década de 1940. “Não dá para comparar a hipossuficiência do trabalhador daquela época com a hipossuficiência do trabalhador de hoje, que tem muito mais informações e autonomia para decidir sem a intervenção do Estado.”

Embora não esteja explícito no texto, a advogada entende que o ônus da prova passa do empregador para o empregado nas ações judiciais . “Se o empregado e o empregador chegam a um acordo, somente as horas extras serão registradas. Assim, o empregado vai ter de provar na Justiça que foi coagido a assinar o acordo ou que foi ludibriado (pelo patrão)”, explica.

A reportagem perguntou à advogada se haverá segurança jurídica para o empregador, caso a MP se torne lei. Ela admite que não. E explica que, assim como a reforma trabalhista, o ônus da prova também poderá ser “enfrentado” nos tribunais.

SINCOVAL

O advogado do Sincoval (Sindicato do Comércio Varejista de Londrina), Ed Nogueira de Azevedo Junior, diz que a proposta não altera o contrato de trabalho de forma a beneficiar ou a prejudicar uma das partes. “Ela apenas reduz o número de providências burocráticas a serem cumpridas.”

Ele ressalta que o uso do “ponto por exceção” não é recente, porém, o TST (Tribunal Superior do Trabalho) costumava invalidá-lo como prova do horário de trabalho, desestimulando sua utilização. Desde o ano passado, no entanto, o tribunal vem aceitando esta forma de anotação de ponto, desde que conste de negociação coletiva. “A inovação é que o texto legislativo ainda em votação também permite que tal modalidade de anotação de ponto seja adotada diretamente por empregados e empregadores, o que não foi previsto nem na Reforma Trabalhista, nem na decisão do TST”, afirma.

ACIL

Para o presidente da Acil (Associação Comercial e Industrial de Londrina), Fernando Moraes, a medida é positiva, mas não para o controle de funcionários que fazem trabalho externo. “É bom por um lado, porque vai facilitar a defesa das empresas (em disputas trabalhistas). Mas é ruim por outro, quando o funcionário faz trabalho externo”, afirma.

Segundo o empresário, “já é complicado” fazer o controle de jornada desses trabalhadores com livro ponto. Por isso, as empresas não teriam interesse em firmar acordo com os funcionários que exercem atividades externas.

CONTRA

Já o Ministério Público do Trabalho (MPT) critica a medida provisória. “É uma reforma trabalhista disfarçada. Pelo menos a anterior (feita no governo de Michel Temer) foi debatida. Essa tramita paralela à reforma da Previdência, como se fosse algo menor. Mas não é. Se a reforma da Previdência atinge o trabalhador no futuro, essa altera a vida dele no presente”, diz o procurador e secretário Jurídico do MPT, Márcio Amazonas.

Para ele, a medida nada tem a ver com modernização e desburocratização. “Ela abre portas para fraudes. O que vai acontecer é que o trabalhador vai receber menos horas extras”, alega. Com isso, diz Amazonas, vai diminuir o dinheiro no mercado, o que não ajuda a economia. “Eu espero que o Congresso faça uma discussão ampla sobre essa proposta.” (Com Folhapress)

TST RECEBEU 550 MIL PEDIDOS DE INDENIZAÇÃO

Até maio, segundo o TST (Tribunal Superior do Trabalho), trabalhadores fizeram 550 mil pedidos de indenização em busca de pagamento de hora extra pelo empregador. "A tendência é de caírem drasticamente os pedidos de hora extra", diz Ricardo Calcini, professor de direito do trabalho da FMU (Faculdades Metropolitanas Unidas). "O trabalhador terá de produzir prova mais robusta, e isso, na prática, vai ficar cada vez mais difícil."

O deputado Jerônimo Goergen (PP-RS) afirma que sua intenção é colocar na lei uma prática existente nas empresas e chancelada pela Justiça trabalhista. "Estou atualizando a legislação. Eu coloquei na lei aquilo que já é decisão", diz. "É uma burocracia a menos. Se a Justiça já decide dessa forma [pelo registro de ponto por exceção], não tem de discutir na Justiça. Já reconheço assim."

O sistema, porém, é polêmico na Justiça do Trabalho. A aceitação do registro de ponto por exceção ainda é discutida em primeira instância e também em tribunais regionais. Em abril, uma decisão do TST, de relatoria do ministro Ives Gandra da Silva Martins Filho, avalizou o modelo pela primeira vez na SDC (Seção de Dissídios Coletivos).

Tratava-se de um acordo coletivo específico - entre um sindicato de metalúrgicos e uma empresa no Espírito Santo. Com a MP, o registro de ponto por exceção valerá por acordo individual por escrito, convenção ou acordo coletivo. "A importância de ser individual é que cria possibilidade daquela linha de raciocínio da própria reforma trabalhista [do governo Michel Temer] de que [o que] vai valer mesmo é o contrato", diz Goergen.

Para ele, o contrato será fortalecido, sem mudança estrutural na lei. "Ao fazer isso, estamos criando a valorização de acordo que interessa a trabalhador e empregador."

Segundo Luiz Antonio dos Santos Junior, sócio do Veirano Advogados, a jurisprudência é controvertida até mesmo em acordos e convenções. A proposta de Goergen, para o advogado, é um avanço. "Amplia o escopo da jurisprudência porque passa a ser individual", afirma.

"Particularmente entendo que é válida, porque não está tirando nenhum direito constitucional. Ela está meramente regulamentando a forma de controle de ponto."

Além de permitir o registro de ponto por exceção, a MP mantém o controle manual, mecânico ou eletrônico do horário de trabalho. Empresas com mais de 20 funcionários terão de fazer a marcação. (Folhapress)