Quem nunca ouviu a história sobre o amigo do amigo que está enriquecendo sem fazer muito esforço? Ou já foi convidado para uma palestra para conhecer uma proposta que vai mudar a sua vida? A abordagem pode mudar, mas os caminhos que levam até o mercado de venda direta são parecidos. É por meio de depoimentos e intenso trabalho motivacional que esse negócio começa a ganhar impulso no Brasil e desponta como uma saída ao desemprego.

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. | Foto: Folha Arte

Dividido em duas modalidades: mononível e multinível, o mercado de vendas diretas é um setor que movimentou mundialmente quase US$ 200 milhões em 2017. Os Estados Unidos são os líderes de mercado e o Brasil já ocupa a sexta posição.

As vendas diretas são uma alternativa como canal de distribuição e permite que as empresas possam vender seus produtos em multiplataformas. Para o empreendedor é a chance de talvez complementar a renda.

O modelo multinível é o que vem crescendo no Brasil e é focado no consumo de produtos e serviços e na formação de equipes de vendas. O lucro do empreendedor vem das bonificações sobre as suas vendas e da equipe. Quanto maior e mais eficaz for a rede de contatos, maiores serão as bonificações.

A modalidade está enraizada no conceito de consumo, por isso que, para especialistas em marketing, o multinível faça tanto sucesso nos Estados Unidos. O país foi responsável por 18% dos US$ 189,6 milhões de dólares movimentados pelo setor em 2017. São mais de 18,6 milhões de pessoas inseridas no mercado.

“Um dos segredos dos Estados Unidos é que as pessoas consomem muito. Uma das dificuldades do Brasil é que as redes atraem as pessoas e não o consumo. Um dos requisitos para entender o que é multinível é compreender a existência dos níveis, que são dependentes da venda de produtos e não só da atração de novos membros”, afirma Alexandre Corneta, professor de Marketing da Unifil e doutorando em neuromarketing.

Esse tipo de canal de vendas ainda é pouco conhecido e valorizado no Brasil. Muitas vezes é confundido com as pirâmides, que são ilegais e podem ser enquadradas como crime de estelionato. “Há uma linha tênue entre a pirâmide e o multinível. Na pirâmide não existe um produto para se vender, mas as empresas se mascaram em multiníveis”, alerta o professor.

Corneta diz que há uma preferência do brasileiro pela modalidade mononível. “Aqui damos mais valor para a venda com uma revendedora. Aquela venda no grupo de amigas, em um único nível”, explica. Segundo ele, o multinível tem a mesma ideia das vendas de porta em porta, mas agora ao invés de apertar a campainha, envia-se mensagens pelas redes sociais.

Para o especialista, em momentos de crise, é uma boa opção para geração de renda e consumo. “É mais democrática e inclui as pessoas. É uma modalidade mais conectada com a economia participativa, de consumo solidário”, conceitua. Mas na sua avaliação, para o negócio realmente decolar no Brasil é preciso mudar a maneira do brasileiro pensar o consumo e da forma de atuação das empresas.

CULTURA IMEDIATISTA

O especialista Sérgio Silva Dantas, professor de Marketing da Universidade Presbiteriana Mackenzie, diz que esse tipo de negócio estimula o lado empreendedor das pessoas, mas alerta para a ilusão de sucesso. “Vende-se a ilusão de que a pessoa terá um grande sucesso, mas isso não vai, necessariamente, acontecer com todos”, afirma.

Para ele, o estilo de vida americano e um mercado mais liberal e menos regulado do que o brasileiro, favorecem que esse setor se desenvolva mais nos Estados Unidos. “A cultura do brasileiro é de carteira assinada”, argumenta. Outro ponto que freia o avanço no Brasil, é repercussão negativa por causa dos esquemas de pirâmides.

“As pessoas são seduzidas por promessas de ganhos rápidos. Não se mostra o trabalho que a pessoa terá para atingir esses ganhos. O marketing multinível mostra-se como uma loteira e não como um trabalho. E não tem segredo, é só trabalho”, enfatiza Dantas.

Ele ressalta ainda o aspecto imediatista do brasileiro e a falta de uma cultura empreendedora. “Somos mais imediatistas e a cultura empreendedora precisa de um tempo para maturação. Somos uma nação que ainda está com a ideia do trabalho das 8 às 18hs. E quando a pessoa recorre a isso (venda direta) é porque está desempregado ou precisa pagar as contas. Não é visto como um negócio que requer investimento de tempo”, comenta o professor.

OPÇÃO DE NEGÓCIO

A venda direta mostra-se uma boa opção para as empresas que trabalham com multicanais – loja física, e-commerce, multinível - ou que querem enxugar os custos.

“É um modelo mais enxuto para a empresa e com menos riscos, pois reduz uma série de encargos trabalhistas”, afirma o professor da Mackenzie.

As empresas que estão iniciando ou que já estão consolidadas no mercado devem pensar nos seus canais de distribuição e ao optarem pela venda direta estabelecer processos de remuneração, oferecer produtos com valores atrativos ao consumidor, estruturar um modelo de venda e forma de abordagem.

“A empresa tem que ter um bom produto. Não é só vender em marketing multinível e sim pensar se aquele produto se venderia em qualquer canal de distribuição”, diz Dantas. É importante que o empresário e os empreendedores conheçam os métodos de prospecção e a carteira de clientes e, principalmente, entender quais as ferramentas que vão utilizar para atrair a rede.

O especialista acredita que ainda é prematuro para apostar que este será o modelo de negócio do futuro, mas ressalta que o mercado de trabalho passa por reestruturação e que a nova economia será de trabalhos mais autônomos e independentes como os cowork, startup e multiníveis.

"NÃO SOU VENDEDOR, SOU CONSUMIDOR"

Ítalo Maciel: “Trabalhava de 10 a 12 horas por dia. Hoje, tenho uma vida muito diferente”
Ítalo Maciel: “Trabalhava de 10 a 12 horas por dia. Hoje, tenho uma vida muito diferente” | Foto: Ricardo Chicarelli

Há três anos e meio o empresário Ítalo Maciel, 36, e a mulher, Chalany Maciel, 34, apostaram na parceira com uma empresa que tem uma plataforma de vendas multinível. Maciel tinha uma representação e uma empresa de ar-condicionado com 12 funcionários. “Trabalhava de 10 a 12 horas por dia, o risco trabalhista era alto. Hoje, temos uma vida muito diferente. É uma vida com qualidade e com liberdade”, conta o empresário.

Para ele, a principal barreira para a entrada das pessoas no negócio é o pré-conceito que existe sobre a atividade. “Os bons profissionais que desistem não tiveram bons mentores para treiná-los”, afirma.

Por isso, ele aconselha as pessoas analisarem a empresa, o produto, o plano de bonificação, mas também o plano de ensino que oferece. “Muitas empresas não dão estrutura de aprendizado, então elas precisam atrair as pessoas pelo sonho. As pessoas imediatistas não aguentam esperar pelo resultado a longo prazo e isso acontece quando não há um treinamento, um direcionamento”, diz Maciel.

Atualmente, o empresário tem uma equipe de sete pessoas trabalhando de forma profissional e uma rede com mais de 600 pessoas, o que lhe garante ganhos mensais na casa dos R$ 25 mil. “Você não precisa trazer muita gente, mas precisa trazer pessoas que queriam fazer negócio, que querem construir algo”, aconselha.

Segundo ele, na empresa há dez formas de lucrar. As bonificações estão divididas em sistema binário, onde se paga porcentagens por loja aberta, e unilevel, em que se recebe royalties pelo montante que cada loja consome. Para receber as bonificações, o empreendedor precisa fazer uma ativação mensal de R$ 600, ou seja, consumir ou vender produtos da parceira neste valor.

“Não sou vendedor de produtos, sou consumidor. Troquei meu hábito de consumo. Hoje, tenho um consumo consciente. Ao invés de comprar algumas coisas em farmácia ou mercado eu compro dentro da plataforma. Sou o maior cliente da minha loja”, conta.

Dentro da empresa, o empresário está na categoria diamante, mas segundo ele, para chegar ao patamar diamante foi preciso investir em formação e na mentoria. O objetivo é ultrapassar R$ 150 mil em vendas e ganhar uma Mercedes de bônus. Ele já está pontuando para atingir essa meta ano que vem.

UMA BOA FERRAMENTA, MAS QUE EXIGE TRABALHO

Anderson Sato: “Para crescer você tem que ajudar outras pessoas a ter resultados”
Anderson Sato: “Para crescer você tem que ajudar outras pessoas a ter resultados” | Foto: Gina Mardones - Grupo Folha

Anderson Sato, 28, conheceu os produtos de uma marca americana voltados para o antienvelhecimento e nutrição como consumidor e depois de um tempo foi convidado para se tornar parceiro na modalidade multinível.

Ele conta que no início tinha certo preconceito em relação ao negócio. “O conceito que eu tinha era de pirâmide financeira”, diz. Sato estudou o modelo de marketing, procurou literatura a respeito e mudou o pensamento. “Dentro do marketing de relacionamento (multinível ou rede) o custo é baixo e você pode empreender com o produto”, afirma.

Mas ele enfatiza que esta é uma ferramenta que possibilita os ganhos desde que o empreendedor trabalhe corretamente. “Às vezes, a liderança não orienta bem e vende a ideia que o negócio é fácil. Tem a possibilidade de ganhos, mas é uma ferramenta que dará resultado em três a cinco anos”, comenta.

Ele não enfeita a realidade. “Existe um trabalho a ser feito. Você vai ter que investir seu tempo dentro deste modelo de negócio. É algo que você vai construindo. É um trabalho meritocrático”, avalia.

Para Sato, os ganhos tem ido além dos financeiros. O empresário se considerava uma pessoa tímida e introspectiva. Agora está mais aberto. “Você aprende a lidar e desenvolver as pessoas. Eu tinha medo de falar em público e comecei a enxergar isso como uma oportunidade para me desenvolver”, conta.

Ele está há três anos no mercado e, em um ano e meio, já era safira. “Trabalhava de noite e fim de semana. Para crescer você tem que ajudar outras pessoas a ter resultados”, afirma.

Para quem quer entrar nesta modalidade multinível, Sato aconselha que primeiro tem que gostar do produto que vende. Segundo, o produto tem que ser tecnológico. É preciso conhecer a empresa, verificar se ela é associada a Abved (Associação Brasileira de Venda Direta). Buscar informações sobre os donos da empresa e a estrutura para atender o mercado. E conhecer a liderança. “Às vezes as pessoas param porque não têm uma liderança”, justifica. Hoje, o empresário lidera uma equipe de 12 pessoas.