Juros e inflação alta desestimulam financiamento imobiliário
Número de imóveis financiados com recursos da poupança caiu quase 24% em dezembro; em 2022, queda foi de quase 18%
PUBLICAÇÃO
quinta-feira, 09 de fevereiro de 2023
Número de imóveis financiados com recursos da poupança caiu quase 24% em dezembro; em 2022, queda foi de quase 18%
Simoni Saris - Grupo Folha

O número de imóveis financiados no país com recursos das cadernetas de poupança caiu quase 24% em dezembro de 2022 ante o mesmo mês do ano anterior. E na comparação do resultado de todo o ano passado com 2021, também houve queda, perto de 18%. Os dados foram levantados pela Abecip (Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança), que atribuiu o recuo à inflação e à taxa básica de juros, a Selic, que segue elevada, em 13,75% ao ano.
Em dezembro do ano passado, foram financiados 49,4 mil imóveis no Brasil, nas modalidades de aquisição e construção. O número foi 9,4% maior em relação a novembro, mas 23,8% abaixo do registrado em dezembro de 2021. De janeiro a dezembro de 2022, o saldo de imóveis financiados com dinheiro proveniente do SBPE (Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo), de 713,25 mil unidades, foi 17,7% menor do que o acumulado no ano anterior.
Em valores, o resultado do último mês de dezembro apontou estabilidade, com pequena alta, de 0,2%, sobre dezembro de 2021. Naquele mês, os financiamentos somaram R$ 14 bilhões. Mas no acumulado do ano, o montante financiado também caiu ante 2021. Os R$ 179,2 bilhões negociados em 12 meses foram 12,8% menor do que no mesmo período do ano anterior.
“O ano de 2022 foi especialmente desafiador para a poupança. A inflação, embora inferior à de 2021, continuou elevada, comprometendo o orçamento doméstico e reduzindo a capacidade de poupança de parte das famílias”, disse a Abecip em um relatório publicado no site da entidade. A associação observou ainda que a Selic elevada beneficiou aplicações ligadas ao CDI (Certificado de Depósito Interbancário), em detrimento da poupança, o que pode ter provocado “remanejamento de portfólio”.
Em dezembro do ano passado, a captação líquida da poupança foi de R$ 5,67 bilhões e, em todo o ano, a captação foi negativa de R$ 80,9 bilhões. O crédito de rendimentos, por sua vez, reduziu o impacto da captação líquida sobre o saldo, que encerrou o ano em R$ 763,8 bilhões, queda de 3,3% em relação ao final de 2021, destacou a Abecip.
Economista e professor de Economia da Faculdade Unopar/Pitágoras, Elcio Cordeiro lembrou que a alta inflacionária rouba a renda e tira o poder de compra da população, o que reduz a capacidade de fazer investimentos mais altos, como a aquisição de um imóvel. Mas ele aponta outros motivos, além da inflação e dos juros altos, para a redução no número de imóveis financiados. Anos eleitorais, como foi 2022, costumam trazer incertezas em relação à economia e a tendência é que as pessoas deixem os investimentos mais altos em segundo plano. “Já era um ano de incertezas e expectativa de queda de consumo, com as pessoas mais cautelosas em relação às aquisições e investimentos”, comentou.
O desemprego é outra questão a ser considerada. A taxa de pessoas sem trabalho formal foi caindo aos poucos ao longo do ano passado, mas ainda segue elevada e 2022 fechou com um número vagas criadas 26,6% menor do que em 2021. No ano passado, a economia brasileira gerou 2,037 milhões de postos de trabalho com carteira assinada. Em 2021, foram geradas 2,776 milhões de novas vagas.
Vendas de consórcios crescem como alternativa aos financiamentos
Um dos efeitos da queda nos financiamentos imobiliários é o aumento nas vendas de consórcios. Segundo levantamento feito pela Abac (Associação Brasileira de Administradora de Consórcios), os consórcios registraram recordes no número de participantes em 2022. Até novembro, essa modalidade financeira cresceu 15,5% ante igual período de 2021. O volume de negócios realizados saltou de R$ 202,34 bilhões para R$ 233,73 bilhões nos 11 meses do ano passado.
No segmento imobiliário, o acumulado de dez meses - de janeiro a outubro de 2022 – mostrou que as contemplações representaram potenciais 11,5% de participação no total de imóveis financiados, incluindo os consórcios. A queda nos índices inflacionários, com o IPCA abaixo de 6%, aliada à expectativa de crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) impulsionaram o setor de consórcios, avalia a Abac.
O economista Elcio Cordeiro disse que quando o mercado desestimula os financiamentos, muitos investidores optam pelos consórcios, que costumam oferecer condições mais atrativas, sem exigência de entrada e parcelas que se encaixam melhor no orçamento das famílias. “O consórcio vem substituindo o financiamento. Muitos utilizam o consórcio para prender o dinheiro, como uma poupança forçada.”
Para quem não tem pressa ou dispõe de recurso para dar de lance, disse Cordeiro, essa modalidade pode ser vantajosa. Mas para quem tem urgência em conseguir um imóvel, essa opção pode não ser a melhor escolha. “Também não aconselho o consórcio como forma de guardar dinheiro. Há alternativas mais interessantes, como o CDB de liquidez diária ou o tesouro Selic”, orientou o economista.(S.S.)
Queda dos juros deve começar pela redução dos gastos públicos, diz economista
Durante a pandemia, o Copom (Comitê de Política Monetária), do Banco Central, reduziu a taxa básica de juros para 2%. Com a Selic baixa, os juros para financiamentos ficaram em torno de 7% ao ano. Agora, a taxa mantida desde agosto em 13,75% ao ano desestimula a compra de imóveis financiados porque faz os juros imobiliários subirem acima dos 10%. A alta já virou motivo de embate entre o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e o Banco Central. Na última segunda-feira (6), Lula chamou de “vergonha” a taxa Selic e disse que o juro alto “não combina com a necessidade de crescimento que temos”.
O presidente também criticou o texto da ata do Copom, segundo o qual, “a conjuntura, particularmente incerta no âmbito fiscal e com expectativas de inflação se distanciando da meta em horizontes mais longos, demanda maior atenção na condução da política monetária”, disse o texto do comitê.
“A Selic foi aumentando ao longo do tempo para tentar controlar a inflação. Funcionou em algum momento, mas a inflação voltou a subir um pouco mais, o Banco Central não mexeu na taxa e isso acaba dificultando o acesso ao crédito”, disse o economista Elcio Cordeiro. “A atividade econômica está ruim, mas o BC tem que proteger a moeda.”
Em vez de travar uma queda de braço “desnecessária”, afirmou Cordeiro, seria interessante o governo reduzir os gastos públicos para que o Banco Central pudesse reduzir a taxa de juros. “Se um for brigar com o outro, só gera instabilidade econômica, oscilações na bolsa e caos econômico. Se o governo reduzir seus gastos, o BC é obrigado a reduzir os juros. O governo faz a parte dele e joga a responsabilidade para o Banco Central.”(S.S.)
Receba nossas notícias direto no seu celular! Envie também suas fotos para a seção 'A cidade fala'. Adicione o WhatsApp da FOLHA por meio do número (43) 99869-0068 ou pelo link wa.me/message/6WMTNSJARGMLL1.

