Joelmir Beting
PUBLICAÇÃO
terça-feira, 01 de fevereiro de 2000
Duas notícias: uma boa, outra má. A boa notícia: a economia americana vai muito bem. A má notícia: a economia americana vai muito bem.
Jacob Schlesinger, repórter do The Wall Street Journal
O vôo da águia 1
Racional exuberância é apelido. Plantada em basalto nas estacas da modernização, da produtividade, da competição e da insopitável propensão ao consumo (cacifado pelo maior excedente financeiro da História), a economia americana desafia todos os postulados da análise econômica convencional. Em especial, o modelo do stop and go monetarista cunhado pela Escola de Chicago.
Foi em Chicago que se cristalizou o sacramento: a inflação é um fenômeno estritamente monetário e fim de papo. Quando ela escapa da jaula da estabilidade é porque há mais dinheiro do que produto transitando pelos mercados. Uma procura maior que a oferta é punida pela maldição de Carlyle para quem a economia é a sinistra ciência da escassez (e a inflação, a filha bastarda dela).
Inflação de demanda? Simples: corta-se o crédito da economia movida a crédito (na proporção histórica de 86% do PIB), empina-se a taxa de juros feito papagaio (pipa ou quadrado) em favela de morro e eis o sistema de preços jogando a toalha no segundo round, nocauteado pelo encalhe dos bens e dos serviços. Certo?
Os doutos de Chicago modelaram para a economia americana a seguinte etiologia: desemprego abaixo de 6% ou 5% desencadeia inflação acima de 5% ou 6%. Batata! A economia está condenada a não crescer, sustentadamente, acima de certo limite por mais de 9 meses consecutivos. Sob pena de trombar com os severos corretivos da autoridade monetária de plantão, tipo Greenspan & Cia.
Cuidado, pois, com a Nairu! Não, não é nome de alguma espivetada estagiária da Casa Branca de susto, Nairu é a sigla, em inglês, da chamada taxa de desemprego que não provoca inflação... Ora, o que Greenspan não consegue explicar (nem explicar-se) é o fenômeno que se consuma precisamente hoje, ignição de fevereiro 2000. Um recorde histórico: 107 meses consecutivos de expansão da economia, sem qualquer rebrota da carestia.
No último trimestre de 1999, soube-se na sexta-feira, o vôo da águia foi de 5,8% em base anual. Acima da média anual realmente exuberante de 4,1% registrada no triênio 1997/99. Uma reaceleração que produziu calafrios em quase todo o mundo (centenas de países feito vagões de rodas bambas a reboque da locomotiva ianque movida a bites). Afinal, a inflação quase dobrou de apetite: cravou 2% no último trimestre, contra 1,1% no trimestre anterior.
Nenhuma palavra sobre o efeito sazonal do consumo natalino mais eufórico do pós-guerra. E tome elevação de prováveis 0,50% na taxa anual de juros do Fed (de 5,50%) na reunião de hoje e amanhã.
Secos & Molhados
Irracional
- Para Greenspan, tudo não passa de uma irrational exuberance tipo bolha de sabão. Seja nos índices de bolsa, seja nos índices de desemprego e de inflação. Claro, à luz bruxoleante do monetarismo de Chicago.
Será mesmo?
- Bolha de sabão não se sustenta por mais de três trimestres. Pois o vôo da águia já dura 35 trimestres! Autêntica violação de princípios de física aplicada. Essa bolha passou ilesa até mesmo pelo furacão global de 1997/98.
E a Nairu?
- Quem deve explicações ao mercado perplexo é a academia que inventou a tal de Nairu. O desemprego está abaixo de 5% desde 1996 e a inflação anual, no período, não se aboletou acima de 5% ou de 7%. Friedman explica? Freud explica.
Novo jogo
- Outras forças telúricas, que não a austeridade monetária e o superávit fiscal, estão aprisionando a inflação made in Usa e abusa. Amanhã, nesta coluna.

