Joelmir Beting
PUBLICAÇÃO
quarta-feira, 12 de janeiro de 2000
No Brasil, você tem de ser vencedor e só vencedor. Se não for medalha de ouro, você não é vencedor.
Carlos Arthur Nuzman, presidente do Comitê Olímpico Brasileiro
Baixa estima S.A. 2
ANo Brasil, acertar é bem mais fácil do que errar. Mas nós só estamos errando. Isso aqui já virou um desperdício planetário. O julgamento é de Gerson Guelmann, consultor de Marketing Político. Ou como digo sempre: entre nós, não é mais a escassez do recurso que limita a decisão; é a estupidez da decisão que atrofia o recurso.
São reflexões destiladas por um ensaio do economista Fábio Giambiagi e do cientista político Bolivar Lamounier (Exame, 3/11/99), abordado ontem nesta coluna em seus aspectos políticos e culturais. Fiquemos hoje no terreno minado da economia. O derrotismo nacional em todos os mercados aparece fantasiado de nacionalismo frustrado. Cevado, segundo os autores, por um viés ideológico que remete a culpa dos nossos problemas a uma certa partitura conspiratória orquestrada de fora para dentro. Agora, vestida de neoliberalismo nos arrombamentos da globalização.
Essa transferência de culpa, esporte favorito das esquerdas, dá carona à voracidade do governo, lamúria predileta das elites. Para a demonologia verde-amarela, o fracasso individual ou empresarial é atribuído ao governo e ao sistema fiadores das nossas sete pragas do Egito: neoliberalismo, competição, modernização, desestatização, estabilização, desnacionalização e, claro, globalização.
A imagem coletiva de governos incompetentes, perdulários e corrompidos justifica politicamente a sonegação de tributos e encargos e explica moralmente o aplauso à informalização dos negócios. Mas o déficit público, sempre detestado nos efeitos, continua adorado nas causas - a gastança eleitoreira, a mansuetude do rouba, mas faz, o estilo do fazer a obra sem fazer a conta, o corporativismo, o empreguismo e toda uma baciada de abusos adquiridos com crachá de direitos adquiridos não raro, legislados em causa própria.
Giambiagi e Lamounier lembram que temos, além de 166 milhões de técnicos de futebol, também 166 milhões de economistas. Com a ressalva: para a quase totalidade dos brasileiros, o recurso ao raciocínio econômico parece quase um crime recorrente de economistas retratados como frios e insensíveis. A idéia de que a soma das partes não pode ser maior que o todo deixa indignada toda a sociedade, começando pela própria classe política.
Os autores traçam paralelo com a ironia do grande filósofo da ciência econômica, o inglês John Stuart Mill (1806-1873): A coisa mais insensível que conheço é a Lei da Gravidade. Sem escrúpulos, Isaac Newton determinou que ela quebre o pescoço da pessoa mais amável, se esta olvidar por um instante sequer de respeitá-la.
Secos & Molhados
Maniqueísmo
- O salário mínimo é o tablado da luta do bem contra o mal, destacam Giambiagi e Lamounier. O povo pensa que o governo não dobra o minúsculo mínimo porque não quer (e não porque não pode).
Previdência
- Conto-do-vigário da sociedade brasileira, o INSS tem no salário mínimo o seu indexador anacrônico. Um reajuste de 20% produziria no saco-sem-fundo da Previdência um déficit adicional de 1,2% do PIB. Desvincular o mínimo do INSS? Nem pensar.
Barulhaço
- No mais, a questão é de trombone de vara. Em todo processo de estabilização econômica, a grande maioria dos favorecidos por ela recolhe-se ao silêncio. A pequena minoria dos prejudicados reage no grito, na greve, na passeata. Pela TV.
Complexo
- Nelson Rodrigues (1912-1980) arremata o Baixa Estima S.A.: Nós, brasileiros, minimizamos nossas virtudes e exageramos nossos defeitos. Somos um Narciso às avessas, remoídos por um complexo de vira-latas do mundo.
