Joelmir Beting
PUBLICAÇÃO
terça-feira, 11 de janeiro de 2000
Chegamos aos 500 anos do Brasil com a democracia política ainda na sinuca de bico: o povo detesta o governo e despreza a oposição.
Juliano Bastide, sociólogo
Baixa estima S.A.
No Brasil, até os canarinhos desafinam, suspira João Gilberto, cantor do Desafinado. Já repararam que o mapa do Brasil lembra uma cabeça enterrada, com todo o avestruz de fora? É o que deixou gravado o poeta Paulo Mendes Campos. O Brasil ainda corre o risco de converter-se no país mais ocidental da África, adverte Antonio Delfim Netto, arquiteto aposentado do milagre brasileiro (milagre é efeito sem causa). Hei de fazer do Brasil a nação líder dos países pobres pontifica o tetrapresidenciável Luís Inácio Lula da Silva.
Yes, somos os campeões mundiais da baixa estima nacional bruta, constatam o economista Fábio Giambiagi e o cientista político Bolivar Lamounier. Num ensaio a quatro mãos para a revista Exame (3/11/99), eles examinam um fenômeno relativamente recente: a fracassomania da grande maioria dos brasileiros de todos os naipes.
A mídia coisa-preta, ainda com remorso cívico dos tempos da mídia chapa-branca, simplesmente reflete (na cobertura cotidiana da catástrofe verde-amarela) o estado de espírito acabrunhado de um povo que já foi carnavalesco e futeboleiro a troco de nada. O derrotismo coletivo, assim refertilizado, resulta de duas atitudes culturais, segundo os autores: a) a nova obsessão pelos fiascos da brasilidade; b) o velho coitadismo de eleger bodes expiatórios internos e externos para todas as nossas aflições e omissões.
O novo bode expiatório, do tamanho de um mastodonte desembestado, é a tal de globalização, fantasiada de neoliberalismo, que ninguém sabe dizer o que realmente significa. Pois dizem que esse disco voador nada mais é que a forma superior do imperialismo capitalista pós-Muro, maquinado no salão oval da Casa Branca. Como se o brasileiro tivesse sido um povo de bem com a vida até novembro de 1989. Sem miséria, sem violência, sem corrupção, sem inflação, sem recessão, sem desemprego, sem desgoverno.
Para Giambiagi e Lamounier, a questão não é a de minimizar nossos problemas, mas a de cobrar mais atenção dos formadores de opinião para os aspectos positivos da vida e do caráter do brasileiro. Afinal, a verdade sociológica não é branca nem preta, sempre foi cinza, já ensinava o cáustico Thorstein Veblen, no distante 1904.
O enfoque também do lado positivo das coisas tornou-se uma necessidade biológica para o Brasil 2000, sustentam Giambiagi e Lamounier. A menos que deixemos rolar a cultura do perdedor num mundo em que só países com cultura de vencedor realizam o reino dos céus aqui neste vale de lágrimas. O Brasil persegue quem trabalha e enxovalha quem triunfa, costumava dizer Antonio Carlos Jobim, o músico brasileiro mais festejado do século fora do Brasil.
Secos & Molhados
Americanos
- Giambiagi e Lamounier lembram que a busca do sucesso é a profissão de cada um dos americanos. Ninguém atribui a derrota ao sistema. O povo todo pensa que o indivíduo (ou a empresa) é o responsável maior pelo próprio fracasso.
Brasileiros
- Aqui, o sucesso é suspeito. O fracasso individual (ou empresarial), de qualquer tipo ou grau, é sempre obra ofídica do governo, da elite, do sistema. Ou do neoliberalismo e da globalização.
Diferença
- Nem tanto ao mar nem tanto à terra, ressalvam os autores. O sistema é injusto tanto lá como cá. A diferença é que o azedume do brasileiro confunde frustração com fatalismo. O brasileiro é um povo que escolheu não escolher, filosofa o antropólogo Roberto DaMatta.
A propósito
- A economia que mais cresceu no século 20 foi a do Japão. Em segundo lugar, a do Brasil. A diferença: o Japão já esgotou seus limites. O Brasil? Nem um quinto dos próprios. Amanhã: a baixa estima na economia.
