SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A engenheira civil Tatiana Pimenta, 38, fundou a Vittude após uma crise de depressão quando se deu conta da dificuldade de encontrar um psicólogo qualificado.

Para lançar a startup em 2016, juntou-se ao sócio, Everton Höpner, que vinha de uma síndrome de burnout, esgotamento físico e emocional relacionado ao trabalho.

A dupla usa tecnologia para oferecer atendimentos terapêuticos online, a preços que vão de R$ 50 a R$ 300, além de um produto corporativo para auxiliar empresas a lidar com a saúde mental de seus funcionários.“Na pandemia, troquei a depressão pelo estresse”, diz Tatiana.

Ela superou a crise depressiva após oito anos de terapia e enfrenta agora o desafio de escala do negócio que tem 5.000 psicólogos na sua base e sextuplicou de tamanho no ano passado.

O crescimento segue em ritmo ainda mais acelerado em 2020. A Vittude recebeu 120 consultas de empresas em março, ante a uma média mensal de 30. Em abril, são 15 pedidos diários de cotação, com mudança também no perfil dos interessados. “Agora são grandes clientes e até bancos que buscam nosso auxílio para estruturar programas de saúde mental neste momento de crise”, relata Tatiana. Entre os novos contratos está a rede Raia Drogasil.

A demanda resultou na contratação de dez empregados no último mês. Outras seis vagas estão em aberto. “Estamos contratando que nem loucos na área de atendimento, tecnologia, marketing e vendas”, diz a empreendedora.

Cláudio Sassaki, fundador da Geekie, startup de educação que tem como carro-chefe uma plataforma tecnológica que prepara alunos para o Enem, antecipou-se à crise.

Diante dos primeiros indícios de que o isolamento social seria adotado no Brasil, Sassaki decidiu mobilizar todo o time de engenheiros e programadores para formatar um novo produto para as escolas particulares: o Geekie One.

Em um mês e meio, já contabiliza 230 instituições de ensino utilizando a plataforma recém-lançada para atender a demanda criada pelo distanciamento social imposto pela pandemia.“Estamos auxiliando as escolas que nos procuram a levar a rotina de sala de aula para a casa de seus estudantes”, explica Sassaki. “Conseguimos simplificar processos e oferecer conteúdo para que pudessem trabalhar de forma remota da noite para o dia."

Entre março e abril, o salto foi de 20 mil para 50 mil alunos atendidos, em um processo que inclui formação de docentes, alunos e famílias. “Em três semanas avançamos dez anos na adoção de tecnologia nas escolas. A excepcionalidade do isolamento social fez vencer resistências e acelerou o processo”, diz o fundador da Geekie, que venceu o Prêmio Empreendedor Social 2015.

Fundador da TNH Saúde Digital, Michael Kapps viu crescer exponencialmente sua base de usuários ao passar a fornecer ao Ministério da Saúde uma ferramenta tecnológica para dar suporte à população neste momento.Em parceria com a TopMed, a health tech disponibilizou um chatbot (conversa por texto automatizada) no TeleSUS para tirar dúvidas sobre o novo coronavírus, avaliar o estado de saúde e checar sintomas de usuários, além de orientá-los como agir para evitar idas desnecessárias aos hospitais e risco de contaminação.

“Estamos provando que nossa tecnologia funciona. Conseguimos achar muitos casos de Covid-19 e encaminhá-los para os serviços de saúde, em unidades físicas ou por telemedicina”, afirma Kapps, ao festejar as 3 milhões de interações feitas pelo robô.

Com experiência em monitorar epidemias como a da dengue e atuar em prevenção, a startup foi bombardeada por secretarias municipais e estaduais de saúde, assim como seguradoras. Todo mundo em busca de apoio tecnológico diante dos desafios de combater a disseminação do novo coronavírus.

O estado de emergência facilitou o processo de contratação da TNH por 12 novos clientes pós-Covid-19, entre prefeituras, estados e Governo Federal, um crescimento de 30% da carteira em um mês. “No caso do Ministério da Saúde, um parceiro que já tem contrato com o governo pavimentou esse caminho para nós”, explica Kapp.

Uma das dificuldades das startups é justamente fornecer seus serviços para governos e participar de licitações com produtos inovadores que muitas vezes não têm concorrentes no mercado para viabilizar uma concorrência pública.

A emergência sanitária acelerou a contratação da Magnamed para o fornecimento até agosto de 6.500 respiradores ao Ministério da Saúde, que necessita do equipamento essencial para o tratamento de pacientes com Covid-19 internados em estado grave nos hospitais do SUS.

Para chegar a uma escala que é quase quatro vezes a sua produção anual de 1.800 unidades, a Magnamed se associou a gigantes como Suzano, Klabin, Embraer e Fiat, para viabilizar a entrega em tempo recorde.

“É um consórcio que amplia a capacidade produtiva com a entrada de parceiros capazes de prover de capital de giro para aquisição de componentes a espaço fabril e mão-de-obra”, explica Gilberto Ribeiro, sócio da Vox Capital, fundo voltado para negócios de impacto social que tem a Magnamed em seu portfólio.

Também em meio ao tsunami do coronavírus, a SanarMed, conhecida como a “Netflix dos Médicos”, anunciou aporte de R$ 60 milhões em um rodada de investimento liderada pelos fundos Valor Capital e DNA Capital.

A Vittude também captou R$ 5,2 milhões de investimentos, atraindo a atenção de fundos como o Redpoint eVentures. A crise da Covid-19 é vista como oportunidade para o ecossistema de negócios de impacto socioambiental. “É o momento de empresas e investidores refletirem para que o dinheiro deles está servindo. Se não tiver preocupado em resolver questão relevantes para a sociedade e o meio ambiente, seu negócio vira secundário”, afirma o sócio da Vox Capital.

Esse novo capitalismo é a aposta também do Instituto Quintessa, que faz aceleração de startups sociais, ao lançar nesta sexta-feira a plataforma Negócios pelo Futuro. O objetivo é atrair marcas e empresas para impulsionar inovações que ajudem na superação da crise do coronavírus. "O momento é favorável para empresas tomarem consciência maior sobre nossa realidade social e se engajarem para apoiar esses negócios que trazem soluções para nossos problemas”, afirma Anna Aranha. "Esse é o novo normal."

Para Maure Pessanha, da Artemísia, aceleradora de mais de 180 negócios de impacto social no país, é uma oportunidade não só para empreendedores das áreas de educação e saúde. "Além de negócios mais óbvios, como os de telemedicina, estão crescendo na crise também aqueles que oferecem digitalização para o varejo.”

Em razão do isolamento, o comércio foi forçado a buscar alternativas, enquanto o consumidor adquire novos hábitos, o que levou ao aumento significativo do e-commerce. “Tendência que deve se manter após a crise, responsável por uma aceleração de pelo menos dois anos na incorporação de tecnologia nos negócios”, calcula Maure.

A pandemia turbinou, por exemplo, a expansão da Onii, rede de lojas de conveniência que funciona de forma autônoma dentro de condomínios de alta renda. “As vendas quadruplicaram na pandemia e o nosso planejamento de 70 lojas até o fim do ano subiu para 200”, afirma Ricardo Podval, fundador da startup ao lado de três sócios.

Já são quatro mini-mercados em operação em São Paulo e Curitiba, e outros dez estão em fase de inauguração. Ao chegar à loja, o cliente gera um código de barra por um aplicativo, escolhe o produto, autoriza a compra e leva pra casa, em um conceito de “honest Market”, que funciona em espaços controlados e seguros.

O outro lado da moeda da crise do coronavírus são as startups, ONGs e empresas que não têm caixa para enfrentar o longo período de quarentena, além do consequente aumento do desemprego. Para dar apoio emocional à população neste momento de crise, a TNH Health disponibilizou gratuitamente o aplicativo Vitalk para toda a população.

A plataforma oferece programa de terapia guiada por inteligência artificial que ajuda o usuário a lidar com ansiedade, depressão, estresse e isolamento social. A Vittude também oferece consultas a R$ 20 para desempregados e populações vulneráveis que carecem de apoio psicológico durante a pandemia.

Já a Geekie disponibilizou 20 mil bolsas para estudantes de escolas públicas se prepararem para o Enem usando a sua plataforma adotada pelo Ministério da Educação. “A pandemia é um contexto que aprofunda desigualdades”, afirma Sassaki.

"Enquanto a rede particular oferece ensino remoto, as escolas públicas estão paradas." A Geekie chegou a ser procurada por secretarias de educação em meio à pandemia. Foi consultado para oferecer seus serviços em caráter de urgência para 2 milhões de alunos e 40 mil professores da rede pública. Sem previsão orçamentária, as conversas não avançaram até o momento.​