Nos tempos de 'western brasileiro', com seus sertões bravios, as comitivas de porcadeiros desafiavam todas as adversidades. Os rebanhos de suínos de paulistas e mineiros que se estabeleceram, a partir de 1843, no que é hoje o Norte do Paraná, eram direcionados a abastecer o mercado de São Paulo. As longas viagens se encurtaram quando, nos anos 1920, começa a funcionar o frigorífico Matarazzo em Jaguariaíva, nos Campos Gerais.
Desde o início dos trabalhos na fábrica, marco do pioneirismo da industrialização do interior do Paraná, muitas transformações provocaram uma verdadeira revolução na atividade. Na segunda metade do século 20, o regime extensivo dá lugar ao confinamento, e o associativismo e a integração levam o protagonismo para o Oeste do Estado. A organização da cadeia e a padronização da proteína resultam em um salto de qualidade que hoje reflete em geração de renda, empregos e desenvolvimento.
Para contar essa história, a FOLHA foi até os extremos do Paraná, em Jaguariaíva, quase na divisa leste com São Paulo; e Toledo, no Oeste paranaense. Se o cenário consolidado mostra a força da agrondústria paranaense, o futuro se impõe com oportunidades e desafios. Para solucionar o impacto ambiental da suinocultura, a solução encontrada em Toledo foi transformar resíduos em energia por meio do biogás.
Na reta final de nossa viagem de um século pela história da indústria da suinocultura, o melhoramento genético dá as direções para os caminhos que a atividade deve percorrer nos próximos anos. Uma fazenda em Jaguariaíva é referência no assunto. Confira toda essa história em detalhes a seguir.
Primórdios
O interior do Paraná era praticamente tudo mato quando Francesco Matarazzo, o maior industrial brasileiro de todos os tempos, no início dos anos 20 do século passado, resolve construir um frigorífico em Jaguariaíva, nos Campos Gerais. A grande produção de suínos existente no estado foi o grande chamariz para o negócio. O conde italiano, como era conhecido, que chegou a ter a quinta maior fortuna do mundo, ampliava assim o seu império, ‘sucedendo’ o de Dom Pedro II, o qual ele viu ruir em 15 de novembro de 1889, oito anos após sua chegada ao Brasil.
Para iniciar os negócios e, assim, “fazer a América”, Matarazzo trouxe consigo um carregamento de duas toneladas de banha de porco. A carga, porém, naufragou no Atlântico. Com base no estado de São Paulo, o empresário começou a empreender pela produção de farinha de trigo, que até então era totalmente importada no país. Nos anos seguintes, ampliou a área de atuação para um leque que ia desde alimentícios a produtos químicos. Mas a banha de porco nunca lhe saiu da cabeça.
Durante uma viagem de trem com destino à Antonina, no litoral paranaense, Matarazzo força uma parada da composição em frente a uma queda d’água em Jaguariaíva. Segundo historiadores, o faro aguçado para os negócios lhe indicou que a paragem, próxima à transição entre primeiro e segundo planaltos paranaenses, era ideal para abrigar um frigorífico e colocá-lo na concorrência com as multinacionais Swift e Armour, instaladas no país havia pouco tempo.
Enxergou ali a combinação perfeita: matéria-prima em abundância (porcos), água e a recém-construída linha férrea São Paulo-Rio Grande do Sul, para escoar a produção. Com a unidade em funcionamento pleno, a partir de 1924, a região se tornou a Meca dos porcadeiros de todo o Estado. Os leitões criados em regime extensionista, chegavam em gaiolas, nos trens, ou em verdadeiras comitivas. Os porcos do Norte Pioneiro se diferenciavam dos trazidos do Sudoeste pela marcação: enquanto os primeiros eram marcados no lombo, com ferro quente, os que viam de mais longe possuíam a identificação na orelha.
A abertura da unidade industrial em Jaguariaíva reacendeu as esperanças dos locais para a chegada do tão sonhado progresso, que custava em se tornar realidade, fosse pela péssima condições das estradas, fosse pela demora em se concluir as conexões do ramal ferroviário. A criação de porco, apesar de numerosa, demorava a dar retorno financeiro. Compradores do interior de São Paulo estabeleciam o preço que queriam, muito abaixo do justo.
Segundo o historiador Ruy Christovam Wachowski, em sua obra Norte Velho, Norte Pioneiro, produtores exclusivos do conde espalharam-se pela região. “Siqueira Campos, Joaquim Távora, Curiúva, Ibaiti, Ribeirão do Pinhal, Pinhalão etc. Em uma segunda leva, suínos de Maringá, Campo Mourão, Apucarana e Londrina, também eram conduzidos para o frigorífico de Jaguariaíva”. “Os porcos comprados dos safristas em Santo Antônio da Platina iam para Jaguariaíva de trem, embarcados em vagões gaiolas de dois andares. Quando por qualquer motivo faltavam esses vagões, os porcos seguiam de caminhão”, detalha.
A capacidade de abate diário do frigorífico em Jaguariaíva era de mil suínos por dia. Por duas décadas, desde o início dos anos 1920, a indústria do porco foi a principal referência econômica da região. A nova atividade mudava também os hábitos e costumes da localidade, que experimentava uma amostra da vanguarda industrial que começava a ganhar força no Brasil no início do século 20, a exemplo do que havia ocorrido nos países desenvolvidos dois séculos antes.
Estrangeiros chegavam para trabalhar nas câmaras de resfriamento, porque segundo os locais, eles “aguentavam o frio”, conforme conta a pesquisadora Ângela Brandão em seu livro ‘Memórias: Frigorífico das Indústrias Reunidas Francisco Matarazzo em Jaguariaíva’. A indústria mexia com o imaginário dos moradores, ao ser vista toda iluminada em meio à vegetação.
Os porcos comprados dos safristas em Santo Antônio da Platina iam para Jaguariaíva de trem, embarcados em vagões gaiolas de dois andares"
Ruy Christovam Wachowski - Norte Velho, Norte Pioneiro
A fábrica produzia a banha de porco, muito utilizada na cozinha na época, mas também fazia produtos refinados, que eram transportados nos vagões brancos, refrigerados, para as capitais e até para o exterior. A planta industrial empregava de 600 a 900 trabalhadores diretos, mas o número chegou a passar de mil nas temporadas mais fortes, registra Brandão. Tudo era produzido ali: lata, rótulos, caixaria. Até os ossos eram aproveitados; viraram botões.
Segundo registrou o historiador José Axt, a economia de Jaguariaíva na década de 1920 estava voltada à pecuária, com a parte baixa da cidade em pleno desenvolvimento devido à estação ferroviária. A parte alta da cidade estava praticamente desabitada. O salto populacional de Jaguariaíva passou de 3.800 para 15.965 habitantes de acordo com as estimativas do IBGE na década de 1920, número impressionante para a época.
Declínio
A história começa a mudar nos anos 1940, com a abertura da Estrada do Cerne, que desviou a marcha do progresso para oeste, nas proximidades do Rio Tibagi. Já eram tempos de colonização do Norte Novo.
A crise se agravou com uma grande seca em 1944, que dizimou as lavouras de milho, principal alimento para a engorda dos suínos. Wachowski conta que um safrista colheu apenas 80 cargueiros de 200 alqueires de milho plantado. No ano seguinte, quando o mundo celebrava aliviado o fim da Segunda Guerra Mundial, o Norte Pioneiro amargava a temida peste suína. “De 2 mil porcos, aproveitei apenas 34”, contou o produtor ao historiador.
Na imagem acima, o relatório das S. A. Indústrias Reunidas F. Matarazzo, publicado em 20 de abril de 1947 no jornal O Estado de São Paulo, reporta ainda as consequências da peste suína no ano 1947.
O sistema de safra ainda continuou incipiente, “no fundo do sertão”, sem o mesmo vigor de antes. O frigorífico Matarazzo, uma das 200 plantas industriais do conde em todo o país, resistiu por um tempo, mas minguou até que, em 1964, seus herdeiros a fecharam definitivamente, dando lugar a uma unidade têxtil, que resistiu até os anos 1980.
Legado
Apesar do encerramento das atividades, é consenso em Jaguariaíva que a indústria do conde Matarazzo deixou seu legado. Hoje, o prédio funciona como uma incubadora de pequenas fábricas. Wilson Junior é proprietário de uma empresa de peças de metal que atende a indústria madeireira. “A estrutura aqui é muito boa. Chegamos a montar grandes peças transportadas em três caminhões”, conta. A produção atende o mercado nacional, além de demandas pontuais do exterior.
O know-how industrial se transferiu para o ramo da indústria madeireira. Jaguariaíva, hoje com 35 mil habitantes, se consolidou como um dos principais pólos madeireiros do Estado. O município que abriga a B.O Paper, antiga Pisa, maior produtora de papel imprensa da América Latina, se destaca na 11ª posição nacional na produção de tora de pinus para papel e celulose, com 321 mil metros cúbicos.
Ao lado do complexo industrial Matarazzo funciona uma unidade do Senai (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial). O serviço é um dos principais responsáveis por fomentar o desenvolvimento da região, por meio de capacitação de mão de obra especializada.
Além da expertise industrial, também há o legado histórico cultural. O palacete do conde Matarazzo, construído estrategicamente em uma região próxima à fábrica, hoje abriga o Museu Histórico Municipal Conde Francisco Matarazzo. Lá o visitante pode conhecer mais sobre um dos principais expoentes da história da industrialização do interior do Estado do Paraná.
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Modelo integrado e cooperativismo revolucionam a atividade
A segunda metade do século 20 consolida a industrialização do país. A política dos “50 anos em cinco”, de Juscelino Kubitschek, dá velocidade às políticas iniciadas por Getúlio Vargas. Na suinocultura, a grande virada de chave é a mudança no modelo de criação: o regime extensivo dá lugar ao intensivo de confinamento. O mapa da atividade também é redesenhado. O protagonismo migra para o Oeste do Estado.
A experiência dos colonos, em grande parte imigrantes europeus vindos do Sul, revolucionou as práticas tradicionais de criação de suínos, que começaram a ser adotadas nas pequenas propriedades da região. A principal característica é o modelo de associativismo, que ganha força e se consolida entre as décadas de 1960 e 1970, período de expansão do crédito rural. “A organização da cadeia com o cooperativismo, por meio do processo de integração, foi extremamente importante para trazer diversificação e renda ao produtor”, conta Alexandre Monteiro, veterinário analista do sistema Ocepar.
O grande pulo do gato, neste caso do porco, ocorre com a introdução do modelo integrado à agroindústria. O marco inicial deste novo sistema se dá com o estabelecimento da Sadia em Toledo, com a aquisição do Frigorífico Pioneiro, em 1970. A partir de então, a visão de agroindústria deu dinamismo à atividade, com padrões de qualidade e padronização. Hoje, a planta pertencente à BRF é uma das maiores do país.
Além da BRF, também se destacam a Frimesa, que inaugurou em 2022, em Assis Chateaubriand, a maior unidade industrial de abate e processamento de suínos da América Latina; a Aurora, que apesar de catarinense, possui forte presença no Paraná; e a JBS, além de outras empresas com presença regional.
Segundo informações da Adapar (Agência de Defesa Agropecuária do Paraná), das mais de 4 mil propriedades produtoras de suínos no Estado, 51% (2.105) acessam o mercado por meio de integradoras; 26% (1.078) por cooperativas e apenas 23% (969) de forma independente. Segundo o levantamento, as granjas integradas à agroindústria estão mais concentradas nas regiões Oeste, Sudoeste, Sudeste e Centro-Oriental do Paraná, totalizando 97 municípios (24%).
A organização da cadeia com o cooperativismo e a integração foi extremamente importante para trazer diversificação e renda ao produtor”
Alexandre Monteiro - Veterinário analista da Ocepar
Toledo é o município que mais possui estabelecimentos integrados de suínos (405), seguido por Nova Santa Rosa (135), Santa Helena (107), Marechal Cândido Rondon (103) e Piraí do Sul (98). As granjas cooperadas, por sua vez, estão presentes em 68 municípios (17%), também concentradas nas regiões mencionadas anteriormente. O município de Toledo lidera em número de granjas de suínos cooperadas, com 175 estabelecimentos, seguido por Marechal Cândido Rondon (135), Santa Helena (91), Missal (62), Castro (56) e Arapoti (36).
Números
O Paraná, com 12 milhões de unidades de suínos em 2023, 21,2% da produção nacional, ocupa a segunda posição no ranking de maiores produtores, atrás apenas de Santa Catarina (29,5%). No ano passado, o crescimento foi de 5,7% no número de abates em relação a 2022. Dados mais recentes deste ano, relativos ao 1º trimestre mostram que a atividade segue em expansão. Foram 3,104 milhões de suínos produzidos no trimestre, segundo melhor resultado para três meses da história, atrás apenas do terceiro trimestre de 2023 (3,134 milhões).
De janeiro a junho deste ano, foram exportadas 79 mil toneladas, pouco abaixo do recorde de 81 mil toneladas alcançado no primeiro semestre de 2023. Ao todo foram 70 países compradores, entre eles Hong Kong, principal comprador; Argentina, Uruguai e Albânia.
Em relação ao mercado interno, o Paraná foi o estado com maior abastecimento em 2023, (aproximadamente 992 mil toneladas). Na sequência aparecem Santa Catarina (916 mil toneladas) e o Rio Grande do Sul (628 mil toneladas).
Interiorização da Indústria
Em visita a ExpoLondrina, em abril, o presidente da Fiep (Federação das Indústrias do Paraná), Edson Vasconcelos, lembrou que o setor de alimentos representa 40% da produção da indústria paranaense. No entanto, ele cobrou políticas públicas mais eficazes para o setor, principalmente ações que incentivem a interiorização da indústria.
“O Brasil e o Paraná têm o privilégio de ter uma cadeia do agro em condições para agregar valor à sua produção na indústria. Mas precisamos melhorar o ambiente para que a indústria tenha o interesse e condições de ser competitiva lá fora. Precisamos ter no Estado uma política industrial muito consolidada, e você não vai conseguir fazer isso olhando só a capital. É preciso fazer o interior participar, porque não temos só questões macro, mas também questões específicas para que a indústria se desenvolva em uma região”, cobrou.
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Mudança no perfil do consumo e sofisticação
Ao longo das últimas décadas, o mercado de suínos tem experimentado constantes transformações. Com a popularização dos óleos vegetais, o chamado “porco banha” dá lugar a espécies mais magras, com foco na carne. Se antes, a presença de cortes suínos era escassa nos mercados, hoje já se encontram nas seções “premium” dos setores refrigerados. Mas o setor acredita que ainda há espaço para um avanço substancial.
A carne de porco é a terceira mais consumida no país, com expectativa de 21 quilos por habitante neste ano, atrás do frango, 49,5 kg por habitante; e da bovina, 32,4 kg por habitante. Porém, estudos apontam que os cortes suínos devem ter a maior curva de crescimento em 2024, com um salto de 4% em relação ao ano anterior.
Fatores como o encarecimento da proteína de origem bovina e o preço mais acessível da carne suína ajudam a explicar. Porém, os produtores destacam as ações de marketing, principalmente no sentido de desmistificar a crença de que o porco está ligado a sujeira e contaminação.
Especialistas comentam que mudanças no modo de criação, alimentação e genética alçaram a suinocultura a outro patamar. “A partir dos anos 1990 o porco começou a ser chamado de suíno. Com a genética, os animais passaram a ter menos toucinho e ficaram mais leves se comparados aos de antigamente. Não há motivos para preconceitos. É uma carne tão sadia quanto as demais”, garante César da Luz, consultor da APS (Associação Paranaense de Suinocultura).
A Casa do Porco
E o hype do porco chegou até a alta gastronomia. Nos últimos anos, A Casa do Porco, restaurante paulistano comandado pelo chef Jefferson Rueda em parceria com a ex-mulher Janaína Torres, figura entre os 50 melhores do mundo, sendo o brasileiro mais bem avaliado, chegando à 12ª posição em 2023.
Em visita a um projeto de suinocultura da UEL (Universidade Estadual de Londrina) em 2018, Rueda destacou em entrevista à FOLHA as qualidades da carne suína. “Eu sou suspeito para falar, mas afirmo que a carne mais democrática é a de porco. É uma proteína que é composta de pele, gordura e carne. Só que na hora de comer você tem a opção de comer as três partes juntas ou separadas.”
Sobre o preconceito, Rueda foi taxativo em rechaçá-lo. “O mais grave é dizer que não se pode comer carne de porco mal passada. E não é bem assim. É preciso saber a forma que o animal foi criado, abatido, que passou pela inspeção sanitária e recebeu aqueles carimbos todos. Aí é possível afirmar que a carne está apta ao consumo”.
Porco Moura
Ao se falar na sofisticação da carne de porco na gastronomia nacional, o porco moura tem lugar de destaque. A espécie foi introduzida por europeus no sul do país e hoje só existe nesta região. Recentemente, a espécie, criada solta em pastos abertos e com alimentação natural, foi “redescoberta” por grandes chefs, dada a qualidade de sua carne, comparável até com a pata negra europeia.
Rebanhos da raça já foram identificados em pelo menos 21 municípios do Estado. A importância é tamanha que o porco moura pode virar patrimônio do Paraná. O projeto de lei 386, de autoria do deputado estadual Luiz Cláudio Romanelli (PSD), que tramita na Alep (Assembleia Legislativa do Paraná) propõe o reconhecimento da raça como patrimônio histórico, cultural e genético do Estado. “O porco moura produz uma carne diferenciada e o estímulo à criação pode gerar renda adicional nas pequenas propriedades da agricultura familiar”, projeta o deputado.
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Cuidados ambientais e melhoramento genético marcam o futuro da suinocultura
A consolidação da suinocultura paranaense trouxe inúmeros benefícios ao Paraná: geração de renda, emprego e desenvolvimento do interior. Porém, toda atividade em larga escala tem seus impactos. Ao contrário do setor aviário, que tem baixo impacto de resíduos nas granjas, a suinocultura demanda atenção especial na prevenção à contaminação do solo. Com a preocupação ambiental tomando conta da agenda das empresas, projetos de mitigação e sustentabilidade ganham força na atividade.
Em Toledo, maior produtor nacional de suínos, funciona uma planta industrial que recebe dejetos da suinocultura e os transforma em biogás. A unidade da CIBiogás (Centro Internacional de Energias Renováveis), foi inaugurada em outubro do ano passado nas proximidades do distrito de Novo Sobradinho. Todo o dejeto coletado de 41 mil animais de 15 propriedades da região é processado e transformado em biogás, que gera energia elétrica suficiente para abastecer 1,5 mil residências de médio porte.
O diretor-presidente do CIBiogás, Rafael González, destacou que a planta está preparada para receber mais um gerador e dobrar a capacidade de produção. De acordo com González, o projeto é tecnologicamente inovador e tem potencial para ser replicado em outras propriedades, transformando-se em solução para diversas demandas dos produtores e da agroindústria da região. "É impossível pensar o futuro da suinocultura sem abordar o potencial da geração de energia limpa, como o biogás. É uma pauta que deve ganhar força nos próximos anos", prevê.
O projeto é uma parceria da Itaipu Binacional, que investiu R$ 19 milhões na iniciativa, com o Parque Tecnológico Itaipu (PTI-Brasil) e o Centro Internacional de Energias Renováveis (CIBiogás), responsável pela implantação e operação da planta. Também apoiam a iniciativa a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), a Agência de Defesa Agropecuária do Paraná (Adapar), a Associação Regional de Suinocultores do Oeste (Assuinoeste) e a Prefeitura de Toledo.
O grande desafio agora é conseguir replicar a iniciativa e tornar o projeto viável em maior escala. “Tudo isso passa por políticas públicas que tornem essa realidade acessível aos produtores. Temos uma dificuldade na questão se insumos para a agricultura, para o milho, por exemplo, que é a base da ração dos suínos. Com o próprio dejeto conseguimos o bioinsumo, mas o tema [Marco do Insumo] avança lentamente no Senado”, comenta César da Luz.
Paraná é destaque na genética suína
Além de ser uma potência na comercialização da proteína suína, o Paraná também é referência quando o assunto é genética. De acordo com o Agrosat, plataforma do Mapa (Ministério da Agricultura e Pecuária) que acompanha resultados da suinocultura no comércio exterior, o estado foi vice-líder na exportação de suínos reprodutores de raça pura.
No primeiro semestre deste ano, as vendas renderam US$ 83 mil ao Paraná, equivalente a 21% do montante nacional. O resultado só é menor que o de São Paulo (US$ 314 mil). Os clientes da genética paranaense foram os vizinhos Paraguai (US$ 43,3 mil) e a Argentina (US$ 39,7 mil). As cifras são maiores quando o assunto é importação. No mesmo período, o setor de suinocultura paranaense investiu US$ 627 mil em alta genética, principalmente de matrizes da Noruega e Canadá.
Uma das empresas paranaenses que se sobressaem no ramo da genética suína é a Topgen, de Jaguariaíva. A marca, localizada em uma área de aproximadamente 570 hectares, conta com uma granja núcleo, que abriga as bisavós das raças puras Large White e Landrace. Nela também há a central de inseminação artificial, local também onde é utilizado o sêmen congelado importado. Já a granja multiplicadora conta com 650 matrizes que multiplicam a genética da granja núcleo e entrega ao cliente o seu carro chefe, a Afrodite.
A estrutura da Topgen tem potencial para atender um plantel de aproximadamente 220 mil animais em um ano, o que equivale a cerca de 15% do mercado brasileiro. Mas números e grandiosidade não são prioridade para a proprietária da empresa, Beate Von Staa. Desde que assumiu a fazenda nos anos 1990, tem como foco o "equilíbrio", termo que prefere ao, segundo ela, já gasto "sustentabilidade". "Algumas palavras entram na moda e são repetidas à exaustão, mas se você for ver, na prática, são poucos os que praticam, de verdade", alfineta.
E quando ela fala em equilibrio, descarta colocar a produtividade em seu máximo. "Quando levamos algo ao limite, sempre há uma conta a se pagar. É preciso pensar na qualidade", insiste.
Com a cadeia da genética se fechando no país, por conta da consanguinidade, a solução foi buscar matrizes no exterior. "Já buscamos matrizes francesas, canadenses e holandesas. Agora, mais recentemente, recorremos à Suiça para melhorarmos nossas linhagens", explica.
Ao se analisar os 100 anos da linha do tempo da suinocultura no Paraná, do momento em que ela passa por um processo inicial de industrialização até as conquistas e possibilidades que se abrem um século depois, é possível afirmar que o termo "serviço de porco" passa por uma ressignificação. A expressão começa a não fazer mais sentido em seu sentido pejorativo, graças ao trabalho árduo da cadeia que movimenta boa parte da economia do estado. Então, da próxima vez que for criticar um trabalho mal feito, talvez seja melhor rever este conceito.
Crédito das Imagens:
Sergio Ranalli - Jaguariaíva atual | Museu Histórico de Jaguariaíva - Acervo histórico | Ari Dias, José Fernando Ogura e Jonathan Campos/AEN - Suinocultura | Marcos Solivan/Sucom/UFPR - Porco Moura | Anderson Coelho - Chef Jefferson Rueda | Mauro Holanda - A Casa do Porco | Celso Felizardo - Biogás em Toledo
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