RIO DE JANEIRO, RJ, CURITIBA, PR, RECIFE, PE, E PORTO ALEGRE, RS (FOLHAPRESS) - Em abril, 64 das 65 fábricas de automóveis no Brasil suspenderam suas operações. Com seus principais clientes parados, a indústria siderúrgica brasileira suspendeu as operações de sete alto fornos e deve fechar abril com o menor volume de vendas ao mercado interno desde 1995.

Sem ninguém para comprar para-brisas -e a construção também parada- os fabricantes de vidros planos, estão operando a 10% da capacidade, mas gastando energia para manter os fornos ligados devido ao alto custo de suspender as operações.

O encadeamento de impactos na cadeia de produção de veículos é um exemplo de como a indústria vem sentindo os efeitos das medidas de isolamento para enfrentar a pandemia de coronavírus. Setores mais atingidos já começaram a demitir e o setor já teme por uma retomada mais lenta após a reabertura dos negócios.

Sondagem divulgada nesta sexta (24) pela FGV/Ibre indica que o nível de utilização da capacidade industrial no país atingiu em abril o menor valor da série história no mês, chegando a 57,5% -ante 74,2% verificados no mês anterior.

"A queda da demanda forçou uma redução sem precedentes da atividade industrial", afirmou nesta terça (28) a CNI (Confederação Nacional da Indústria), que também vê a utilização de capacidade no menor nível de sua série histórica, iniciada em 2010.

"O quadro é desalentador", resume o coordenador da Abividro (Associação Brasileira da Indústria do Vidro), Lucien Belmonte. No segmento, apenas os fabricantes ligados a embalagens de bebidas e comidas têm produzido em ritmo normal.

Ainda não há estatísticas oficiais sobre demissões na indústria, já que a divulgação do Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados) foi suspenso e o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) só divulgará em maio a pesquisa de desemprego de abril.

Em pesquisa divulgada nesta terça, a CNI diz que já houve demissões em março, mas em um ritmo suavizado pela adoção de ajustes temporários, como férias coletivas. Ainda assim, o índice de evolução do emprego medido pela entidade atingiu o menor nível para o mês desde o biênio 2015 e 2016, quando o país enfrentava recessão.

Algumas associações de classe têm feito pesquisas com associados e apresentam os primeiros números. No setor calçadista, por exemplo, já foram cortadas 24,4 mil vagas em todo o país. A Fiepe (Federação das Indústrias de Pernambuco) fala em 2 mil vagas perdidas, em setores como têxtil, construção civil e gesso.

Outras trabalham apenas com projeções. A Abit (Associação Brasileira da Indústria Têxtil) estima que 10% a 15% dos cerca de 500 mil trabalhadores do setor perderão o emprego. Atualmente, apenas as empresas que produzem produtos médico-hospitalares estão com capacidade plena, o que levou fábricas de outros segmentos a adaptar suas linhas para produzir máscaras e aventais também.

A Fieb (Federação das Indústrias da Bahia) fala que, em estimativa otimista, serão 8 mil demissões no estado. "O pior cenário estima redução de 134,9 mil empregos formais, na comparação com o ano passado", diz o presidente da Fieb, Ricardo Alban.

A Fieg (Federação das Indústrias de Goiás), diz que foram 36 mil demissões nas indústrias do estado. Lá, as medidas de isolamento já foram flexibilizadas e parte da indústria vem retomando as atividades. Alguns setores, como o automotivo, porém, ainda precisam se adaptar aos protocolos de segurança para reabrir.

Entre as empresas que operam na Zona Franca de Manaus também já há retomada das atividades já acontece, mas de forma gradual. A Samsung, que tem cerca de 5 mil funcionários, reativou a produção no dia 13 de abril, mas com revezamento de equipes.

Por outro lado, a Moto Honda, uma das maiores indústrias da Zona Franca, considerou a situação caótica em Manaus para prorrogar o retorno das atividades na cidade. A retomada da produção, que ocorreria no dia 13 só deve acontecer a partir de 4 de maio.

Na Marcopolo, que fabrica e exporta ônibus, 25% dos funcionários (2.300 pessoas) voltaram ao trabalho no último dia 13 de abril, após férias coletivas da unidade de Caxias do Sul, na serra gaúcha. No Rio de Janeiro e em São Mateus (ES), a Marcopolo retomou a produção na última semana, com 50% e 80% da força de trabalho, respectivamente.

Produzindo 20% do volume normal, a Marcopolo afirma que não demitiu funcionários, mas que reduziu jornadas e salários. A retomada da produção plena depende das condições de prevenção e combate à Covid-19 de cada localidade, diz a Marcopolo.

Também na serra gaúcha, a Randon já voltou a produzir. Até a próxima segunda-feira (27), 50% de seus funcionários estarão de volta ao trabalho. A Randon não demitiu, mas concedeu férias coletivas, home office e flexibilização de dez dias por mês, quando o empregado pode ficar em casa e recebe 50% da remuneração nesses dias.

Mesmo com indústrias retomando aos poucos suas atividades, o economista-chefe da Fiergs (Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul, André Nunes de Nunes, acredita que ainda não é possível estimar quando a produção voltará ao normal.

"A gente tem dificuldade em identificar qual será o novo normal em termos de produção e saber em qual patamar estarão as demandas interna", avalia ele, que calcula que a indústria gaúcha perdeu R$ 5,7 bilhões em vendas entre 16 de março e 17 de abril.

A percepção entre os empresários da indústria é que, apesar das perspectivas de retomada da produção em breve, os impactos nos negócios se estenderão por muitos meses, tanto pela situação econômica desfavorável quanto por um eventual receio do consumidor em ir às compras.

A pesquisa da FGV/Ibre, porém, mostra que 12,8% dos fabricantes de bens duráveis, segmento que compreende a produção de veículos, acham que os impactos durarão mais de nove meses. É o segundo maior índice entre os setores e segmentos pesquisados, atrás apenas de outras atividades de serviços.

"Há uma apreensão e a única certeza que tem é que há incerteza", diz o presidente da Abit, Fernando Pimentel. "Nas cidades em que estão abrindo [o comércio], as coisas começam a caminhar, mas o consumidor está ressabiado."

Na quinta (23), a Coalizão para a Indústria, entidade que representa importantes segmentos industriais, participou de reunião com o Ministério da Economia, na qual defendeu o início do debate para o retorno de algumas atividades, que poderiam funcionar sem aglomerações e com medidas de segurança.

"A primeira prioridade é a saúde, não há dúvidas", diz o presidente do IABr (Instituto Aço Brasil), Marco Polo de Mello Lopes. "Mas gente tem que ter como a segunda grande prioridade o emprego", completa, defendendo que protocolos de segurança usados por indústrias sejam replicados em algumas atividades comerciais.

"Se esse isolamento se prolonga, passa a ter fechamento de fábricas, desemprego em massa e com isso vai ter outro problema, que é crise social", argumenta ele. No setor siderúrgico, há sete altos fornos desligados atualmente no país.

As entidades empresariais pedem também medidas para proteger a indústria durante os primeiros meses pós quarentena. Para a Abit, o aumento da oferta de crédito é fundamental. "As empresas vão sair dessa crise como se estivessem saindo da UTI", diz ele.

Lopes, do IABr, defende medidas para evitar a invasão de produtos importados, principalmente da China, no mercado brasileiro. Ele cita como exemplo o setor siderúrgico, que já vivia um cenário de excedente de oferta global antes da pandemia.

"A China já voltou a produzir e está pronta para exportar. Os Estados Unidos estão fechados, a Europa tem salvaguardas e nós estamos abertos aqui", diz. "E isso vale para têxtil, calçados, máquinas. É importante alguma medida em caráter emergencial para evitar danos à indústria, que estará saindo de um processo muito difícil."