Até o dia 6 de agosto, os passos dos fiéis católicos se voltam para o Norte Pioneiro do Paraná. Há mais de 90 anos, o município de Siqueira Campos recebe os devotos para as comemorações do Senhor Bom Jesus da Cana Verde, uma das maiores celebrações religiosas do Estado. São dez dias de festa, iniciada em 27 de julho, com uma programação preenchida por procissões, missas, novenas, sessões de bênçãos e confissões, cavalgada e quermesse que além de alimentar a fé e renovar a crença religiosa, movimenta a economia local.

Cerca de cem mil pessoas devem passar pela cidade neste ano, em que as comemorações do Senhor Bom Jesus completam 93 edições. A festa começou com a procissão luminosa, que reuniu dez mil pessoas, e logo nos primeiros dias também aconteceu a tradicional cavalgada, da qual participaram dois mil cavaleiros e amazonas.

A celebração remonta ao início do século passado. Uma tradição que começou nos primeiros anos da década de 1930, depois que o primeiro bispo diocesano de Jacarezinho, Dom Fernando Taddei, presenteou a cidade com a imagem do Senhor Bom Jesus da Cana Verde esculpida em madeira.

Duas décadas depois, nos anos de 1950, a imagem sacra foi entronizada na capela construída junto à igreja matriz, onde permaneceu até 1975, data da inauguração do Santuário Senhor Bom Jesus da Cana Verde, construído em uma área contígua ao seminário capuchinho.

A imagem de 1,60 metro de altura foi transferida para o novo local, depositada no alto de uma coluna de cerca de cinco metros de altura para contemplação dos fiéis e é em torno do santuário que acontece a festa atualmente.

A cada ano, o número de religiosos só aumenta. Conforme vão se propagando as graças alcançadas por meio da devoção ao Senhor Bom Jesus e se espalham os testemunhos da benevolência do santo no atendimento às mais diversas súplicas dos fiéis, mais gente procura o santuário. A maioria, vinda de várias regiões do Paraná e do interior de São Paulo.

DEVOÇÃO HERDADA DA AVÓ

Na sala dos ex-votos, a comprovação do poder da fé. São mais de cinco mil fotos e objetos depositados em agradecimento aos milagres recebidos.

O operador de empilhadeira Douglas Aparecido Pereira mora em Itapeva (SP) e desde “piazinho, desde molecote”, participa anualmente da festa religiosa no Norte Pioneiro. No começo, ia de excursão. Agora, já mais velho, vai cavalgando. São quatro dias no lombo do cavalo para percorrer os cerca de 160 quilômetros que separam o município do interior paulista de Siqueira Campos.

“Minha família é muito católica. Comecei a participar da Bandeira do Divino com meu avô, que ia a cavalo, fazia cinco bairros a cavalo, e não deixei morrer a tradição. Já fui a Iguape (no Vale do Ribeira (SP), onde, também em agosto, acontece a Festa do Senhor Bom Jesus de Iguape) e faz seis anos que vou para Siqueira Campos”, contou.

A devoção ao Senhor Bom Jesus foi herdada da avó. A paróquia do sítio onde ela residia era dedicada a Bom Jesus. “Sou devoto lá e sou festeiro nas outras (paróquias) da região aqui. Já recebi muitas graças”, disse Pereira.

Em uma das edições da festa de Siqueira Campos ele quase cancelou a ida em razão de dois acidentes sofridos em menos de dez dias. No ano passado, ele também se feriu e, por pouco, não ficou de fora da celebração. “Fui mexer com gado e acabei me acidentando com boi no caminhão. Quase quebrei a perna, mas fui com a perna roxa mesmo, os quatro dias ‘na tralha’. Mas Bom Jesus dá força para a gente e vem socorrendo a gente o ano inteiro. Então, a gente tem que tirar esse momentinho para ir agradecer e levar as graças recebidas.”

Mais de cinco mil fotos e objetos estão depositados na sala de ex-votos em agradecimento aos milagres recebidos
Mais de cinco mil fotos e objetos estão depositados na sala de ex-votos em agradecimento aos milagres recebidos | Foto: Antonio Picolli

RELATOS INCONTÁVEIS

O Senhor Bom Jesus da Cana Verde não é dedicado a uma causa específica, mas o frei capuchinho Carlos Gonzaga Vieira, reitor do santuário em Siqueira Campos, destacou os incontáveis relatos de pessoas que obtiveram a cura para as mais graves enfermidades pela intercessão do santo.

“A fé no Bom Jesus é um grande meio de evangelização do povo. Para nós, a importância maior é fazer da festa um meio para que o Senhor Bom Jesus seja cada vez mais amado e conhecido e evangelizar o povo”, afirmou o frei. “Mas tem o outro lado. É importante o devoto vir e receber as graças e os milagres deste dom de Deus. É sempre um sinal forte de Deus na vida das pessoas que têm fé”, acrescentou.

O ponto alto da festa é o dia 6 de agosto, quando é comemorado o dia do Senhor Bom Jesus, com uma novena e procissão, às 15 horas. Mas desde o início das festividades, há novenários acontecendo com pregadores. Até o dia 5, serão cinco novenas diárias. Mas há ainda as sessões de bênçãos e confissões com os freis capuchinhos e missa a cada hora e meia no domingo.

Depois de alimentar o espírito, os romeiros podem nutrir o corpo na praça de alimentação que oferece inúmeras opções, além do famoso churrasco do Senhor Bom Jesus. No dia 6 também é realizado o show de prêmios, com o sorteio de um automóvel.

“Milhares de pessoas passam a noite caminhando para amanhecer no santuário no dia 6. Eles vêm em caravana a pé para rezar na primeira hora, na missa das 7 horas”, disse o frei.

HOTÉIS E RESTAURANTES LOTADOS

Para a economia do município, a festa tem grande relevância. A Prefeitura de Siqueira Campos não dispõe de números referentes à movimentação financeira no período das celebrações do Senhor Bom Jesus. Mas o prefeito, Luiz Henrique Germano, destacou que durante os dez dias de festividades, os hotéis da cidade ficam com ocupação máxima, os restaurantes estão sempre lotados e a população praticamente triplica.

“Com isso, há um aumento considerável no consumo de água e energia elétrica dentro do município e o movimento no comércio também melhora. Na prefeitura, um mês antes nos preparamos para deixar a infraestrutura da cidade adequada para receber os romeiros. A demanda por serviços aumenta muito”, disse o prefeito.

Imagem ilustrativa da imagem Festa do Senhor Bom Jesus da Cana Verde movimenta o Norte Pioneiro
| Foto: Antonio Picolli

QUATRO VERSÕES DA IMAGEM

A devoção a Senhor Bom Jesus da Cana Verde começou em Portugal e, no Brasil, se espalhou a partir de Minas Gerais. A imagem do Cristo sofredor representa o momento do julgamento de Jesus Cristo, quando os soldados romanos retiram suas vestes, O cobrem com um manto vermelho, colocam em Sua cabeça uma coroa de espinho e, em uma das mãos, um feixe de cana verde. Para ridicularizá-Lo, apresentam Jesus como o Rei dos Judeus.

A história da imagem exposta no Santuário Senhor Bom Jesus da Cana Verde, em Siqueira Campos (Norte Pioneiro), tem quatro versões diferentes. A mais difundida é a que conta que a escultura em madeira de cedro com 1,60 metro de altura teria sido obra de um negro escravizado que fugiu de seu dono e, no meio da mata, esculpiu a imagem. Mais tarde, o senhor de escravo, totalmente cego, recuperou a visão ao ficar frente a frente com a imagem. Desde então, há muitos relatos de curas, bênçãos e milagres.

“É uma imagem que tem quase 300 anos. Ela tem características aproximadas com o estilo do Aleijadinho (artista da época do Brasil colonial que viveu entre 1738 e 1814). Uma das hipóteses é que ela tenha sido feita por um discípulo do Aleijadinho”, disse o frei capuchinho Carlos Gonzaga Vieira, reitor do Santuário no Norte Pioneiro. “Temos uma tradição oral, não documental, que essa imagem foi parar na região de Guaratinguetá (SP), na fazenda da família de Francisco de Oliveira Pinto.”

Quando o fazendeiro mudou-se para Carlópolis, trouxe junto a imagem. “As pessoas começaram a ir até a capela da fazenda para rezar ao Senhor Bom Jesus, as graças e milagres começaram a acontecer e o fluxo de pessoas foi aumentando”, contou o reitor do Santuário.

Com o interesse dos devotos cada vez mais crescente pelo santo, o então bispo da Diocese de Jacarezinho, Dom Fernando Taddei, escolheu Siqueira Campos para acolher a imagem. Segundo o frei Gonzaga Vieira, a escolha foi motivada pelo município “ter o povo mais religioso da Diocese”, mas também porque a cidade ficava próxima à linha férrea, o que facilitava o acesso dos romeiros.

LONGA-METRAGEM COLORIDO

Na década de 1960, o frei Gabriel Ângelo produziu um filme que conta a história do Senhor Bom Jesus da Cana Verde. Rodado com recursos escassos e com a colaboração de fiéis, o filme foi o primeiro longa-metragem colorido rodado no Paraná. No início, há um documentário, também filmado pelo frei, com imagens da festa de Siqueira Campos, na época, realizada no entorno da igreja matriz. Uma cópia do filme está disponível na Cinemateca de Curitiba.

Imagem ilustrativa da imagem Festa do Senhor Bom Jesus da Cana Verde movimenta o Norte Pioneiro
| Foto: Antonio Picolli

ROTA DO ROSÁRIO

Embora a festa do Senhor Bom Jesus da Cana Verde aconteça em agosto, durante todo o ano o santuário em Siqueira Campos recebe milhares de fiéis. O espaço religioso é uma das atrações da Rota do Rosário, uma ação missionária que abrange desde o Norte Pioneiro até os Campos Gerais.

A Rota do Rosário tem como finalidade principal a evangelização, mas também contribui fortemente para a promoção do turismo religioso, com a valorização das culturas local e regional, da gastronomia, artesanato e tradições. Foi lançada em 2008 pelo bispo emérito da Diocese de Jacarezinho, Dom Fernando José Penteado.

Além de Siqueira Campos, o roteiro de fé inclui Jacarezinho, Ribeirão Claro, Bandeirantes, Ribeirão do Pinhal, Santo Antônio da Platina, Ibaiti, Tomazina, Arapoti e Jaguariaíva. Entre as atrações, estão a catedral de Jacarezinho, santuários, mosteiro, capela e museus.

Em 2010, com a chegada a Jacarezinho do bispo Dom Antonio Braz Benevente, a proposta da Rota do Rosário foi formalizada e estabeleceu-se uma parceria com a Paraná Tur e a Fecomércio-PR, juntamente com a Pastoral do Turismo.