Para driblar a inflação e evitar perder clientes ou para se adequar às exigências do mercado, algumas empresas têm reduzido o tamanho das embalagens e peso dos produtos. Barras de chocolate que já chegaram a pesar 200 gramas, ao longo dos anos tiveram o peso reduzido gradualmente para 180, 150 e hoje, estão com 90 gramas. O mesmo aconteceu com outros produtos alimentícios e itens de limpeza. A questão é que essa alteração raramente vem acompanhada de queda nos preços. Segundo órgãos de defesa do consumidor, a prática não é ilegal desde que a mudança seja informada e esteja bem visível na embalagem por um prazo mínimo de três meses. Mas os consumidores devem ficar atentos e, caso sintam-se lesados, podem entrar com ações junto a órgãos de defesa do consumidor.

Imagem ilustrativa da imagem Fabricantes reduzem peso de produtos, mas mantêm preços
| Foto: Marcos Zanutto

Sem que ocorra queda no preço, a redução no conteúdo das embalagens não deixa de ser um aumento disfarçado. Em 2015, uma caixa de bombons de uma determinada marca teve o peso reduzido de 378 gramas para 332 gramas e era vendida nos supermercados por cerca de R$ 6. Hoje, a mesma caixa de bombons tem peso líquido de 250,6 gramas e chega a custar mais de R$ 10 em alguns varejistas. Em pouco mais de quatro anos, o peso baixou 33,70% e o preço subiu 33,34%. Ainda que a alteração seja informada no rótulo, como determina a Portaria 81/2002 do Ministério da Justiça, ao consumidor fica a decepção ao abrir a embalagem e se deparar com uma quantidade cada vez menor do produto.

Entre os alimentos, essas reduções são bem frequentes, mas outros setores da indústria utilizam a mesma estratégia. Recentemente, uma marca de sabão em pó diminuiu as embalagens de um e dois quilos para 800 gramas e 1,6 quilo, respectivamente, e justificou a redução no peso com a nova fórmula do produto que, segundo o fabricante, requer menor quantidade para a obtenção dos mesmos resultados. Os consumidores reclamaram e a Fundação Procon-SP notificou o fabricante para que demonstre e comprove os resultados da nova composição do produto. O caso ainda não foi concluído.

“(Os fabricantes) pensam que somos trouxas. Acham que a gente não percebe a mutreta? Mas o que a gente pode fazer? Mudar de marca? Às vezes eu faço isso, mas em muitos casos não dá pela questão da qualidade. Eles continuam vendendo, a gente continua comprando e eles riem da nossa cara”, disse a professora aposentada Maria Lia Victorio. “E assim eles vão dizendo que não tem inflação de preço”, comentou.

Para os itens considerados supérfluos, a empregada doméstica Olizete Martins diz que a solução é deixar de comprar. “Bolacha recheada, chocolate, achocolatado, refrigerante, se me sinto prejudicada por essas mudanças no peso, não compro. A gente pode passar sem. Mas e quando é produto que não pode faltar? Não tem jeito. Quem pode mais, dita as regras.”

Normas

A Portaria 81/2002 determina que as alterações quantitativas devem ser informadas pelo prazo mínimo de três meses, em área de 20% da embalagem. Além desse dispositivo, o artigo 4º do CDC (Código de Defesa do Consumidor) trata da Política Nacional das Relações de Consumo que, entre outras questões, protege os interesses econômicos dos consumidores, e o artigo 18º do CDC responsabiliza os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor. “Se o fabricante não atender o que determina o CDC e a Portaria do Ministério da Justiça, pode responder. O consumidor pode acionar órgãos que têm poder de polícia, como o Procon, e exigir uma reparação. Mas o preço geral é uma mera liberalidade do fornecedor e não há muito o que ser exigido. Se a gente estipula que a empresa vai ter que honrar com um determinado preço, a gente vai tabelar, o que não é garantido constitucionalmente”, explicou o advogado do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), Igor Marchetti.

Ainda que a estipulação de preços seja de competência exclusiva do fabricante, o advogado lembra que o respeito a alguns critérios é obrigatório, como a transparência, a boa-fé e o direito à informação para não caracterizar prática abusiva. “O consumidor tem que se atentar para as informações das embalagens e, se houver violação dos seus direitos, pode exigir uma reparação. Ações civis públicas costumam ser mais interessantes”, orientou.

Indústria

Em nota encaminhada pela assessoria de imprensa, a Abia (Associação Brasileira da Indústria de Alimentos) disse que as embalagens dos produtos alimentícios são definidas de acordo com as demandas de mercado e que as suas associadas cumprem o que determina a Portaria 81/2002. A entidade destacou ainda que as empresas têm desenvolvido produtos de tamanho menor para atender a uma “demanda mundial dos consumidores, estimulada pela busca de uma dieta mais equilibrada, pela conveniência e pela praticidade”, além do consumo consciente, com a redução do desperdício, e otimização do sabor e frescor dos alimentos, o que seria viabilizado com as embalagens menores, como as de biscoito, por exemplo.