Ex-CEO das Americanas é preso em Madri
Miguel Gutierrez estava na lista da Interpol e é alvo de investigação da PF sobre lavagem de dinheiro, entre outros crimes
PUBLICAÇÃO
sexta-feira, 28 de junho de 2024
Miguel Gutierrez estava na lista da Interpol e é alvo de investigação da PF sobre lavagem de dinheiro, entre outros crimes
Fabio Serapião e Yara Amorim Folhapress
Brasília - O ex-CEO das Lojas Americanas Miguel Gutierrez foi preso na manhã desta sexta-feira (28) em Madri, após entrar na difusão vermelha da Interpol. De acordo com a Interpol na Espanha, a prisão foi feita pela unidade de fugitivos da Polícia Nacional da Espanha.
De acordo com agentes da polícia espanhola, Gutierrez não resistiu à prisão. Ao pedir a prisão preventiva do ex-CEO, a Polícia Federal afirmou que o executivo se desfez de bens, entre eles imóveis e veículos, e enviou valores a offshores sediadas em paraísos fiscais.
As informações são citadas pelo juiz Márcio Carvalho, responsável por autorizar a prisão de Gutierrez e da ex-diretora Anna Saicali na operação Disclosure, em que a PF investiga as fraudes contábeis que deram origem ao rombo bilionário na empresa.
O ex-CEO, que tem também cidadania espanhola, e a ex-diretora saíram do Brasil e foram incluídos na difusão vermelha da Interpol. Saicali ainda é procurada, já que deixou o país no dia 15.
Além do inquérito pelos crimes de uso de informação privilegiada, manipulação de mercado e associação criminosa, Gutierrez é alvo de investigação sobre lavagem de dinheiro .
A defesa do executivo afirmou que não teve acesso aos autos das medidas cautelares e por isso não tem o que comentar. Os advogados afirmam que "Miguel reitera que jamais participou ou teve conhecimento de qualquer fraude e que vem colaborando com as autoridades, prestando os esclarecimentos devidos nos foros próprios".
Para a PF, um dos motivos da prisão é que o crime de lavagem de dinheiro ainda está ocorrendo com o objetivo de "ocultação patrimonial".
Outro motivo é a suposta tentativa de fuga. Segundo a PF, Gutierrez deixou o Brasil em 29 de junho de 2023, após instauração do inquérito pela PF e depois da criação da CPI sobre o tema no Congresso.
O "PLANO"
Emails e anotações encontradas em um iPad, diz a PF, mostram que Gutierrez criou um "engenhoso esquema societário, com diversas remessas de valores a offshores sediadas em paraísos fiscais". "As anotações do iPad também demonstram a preocupação de Miguel Gutierrez em blindar o seu patrimônio após deixar seu cargo de diretor presidente das Americanas, sabedor que o escândalo iria explodir", diz a PF.
O "plano" de Gutierrez, diz a PF, consistiu em transferir todos os imóveis que estavam em seu nome para empresas ligadas a familiares e enviar valores a empresas ligadas a ele e a seus familiares no exterior.
"Foram encontradas anotações que ilustram o esquema societário com remessas de valores, empréstimos e doações entre as empresas ligadas a Miguel Gutierrez".
Em um e-mail, a PF encontrou informações sobre uma transação de US$ 1,5 milhão com uma empresa sediada em Nassau, nas Bahamas.
Trecho da decisão do juiz, citando a PF, afirma: "Dessa forma, segundo a Autoridade Policial, 'Miguel Gutierrez planejou e está executando seu ‘desafio’, visando uma possível blindagem patrimonial através de transferências de capitais, bens móveis e imóveis'.
Para o juiz do caso, a "extensa documentação que ilustra a petição inicial é bastante contundente" para autorizar a prisão.
O magistrado, no entanto, afirma que em princípio não pretendia conceder o pedido de prisão feito pelos investigadores, "porém os fortes indícios de evasão de Miguel Gutierrez do país na tentativa de se furtar à aplicação da lei penal não deixam qualquer outra alternativa".
Ele afirma que pode rever a decisão caso o ex-CEO se apresente espontaneamente. "Caso o Investigado se apresente espontaneamente às autoridades brasileiras, desconstituindo a presunção de fuga que embasou a presente decisão, a necessidade de manutenção de sua prisão cautelar poderá ser revista na audiência de custódia que será designada logo após a prisão", conclui.
EXTRADIÇÃO
É improvável que Miguel Gutierrez seja extraditado para o Brasil nos próximos dias, segundo advogados ouvidos pela reportagem. Gutierrez tem cidadania espanhola, o que diminui a possibilidade de a Justiça espanhola aceitar a extradição do executivo. Isso porque, no mundo jurídico, leva-se em conta o fator "reciprocidade" - e, como o Brasil não extradita cidadãos brasileiros, ainda que condenados em outros países, dificilmente a Espanha aceitaria tomar essa atitude.
"O Brasil vai pedir a extradição, mas a Espanha não deve dar. Há uma exigência normal entre os países democráticos que leva em conta a reciprocidade", diz o criminalista Cezar Roberto Bitencourt.
O pedido de extradição deve sair da Polícia Federal, passar pelo Supremo Tribunal Federal e, enfim, ser autorizado pelo Ministério da Justiça. Só a partir daí, a Justiça espanhola poderá analisar a solicitação.
Os dois países firmaram, no final da década de 1980, um tratado que autoriza a extradição de condenados; assim, uma pessoa condenada pela Justiça brasileira que esteja na Espanha pode ser presa e extraditada para o Brasil e vice-versa. O processo vale para aquelas penas superiores a um ano.
Por Gutierrez ainda não ter sido julgado no Brasil e sua prisão ser preventiva, o processo de uma eventual extradição se torna ainda mais difícil. "A prisão preventiva no Brasil, por ter caráter preliminar, sequer pode ser acolhida pela Justiça espanhola", diz o advogado especialista em ciências criminais Berlinque Cantelmo. "Mas nada impede que ele responda pelo crime na Espanha", acrescenta.
Matheus Guimarães Cury, advogado criminalista e professor universitário da Unisantos, diz que, para Gutierrez continuar preso na Espanha, seria necessário que o executivo já tivesse sido condenado no Brasil, a exemplo do que aconteceu no caso Robinho - quando a Justiça brasileira autorizou a prisão do ex-jogador de futebol com base na condenação dele por estupro na Itália.
ROMBO
O rombo nas contas da Americanas foi revelado no início de 2023, quando a empresa informou ao mercado inconsistências contábeis da ordem de mais de R$ 25 bilhões, levando a varejista a entrar em um processo de recuperação judicial.
Estudos produzidos pela própria companhia apontaram que as inconsistências eram, na verdade, fraudes contábeis cometidas por ex-funcionários da rede varejista.
Ao informar à CVM, em novembro de 2023, o quarto adiamento da divulgação das demonstrações financeiras de 2022 e da revisão do balanço de 2021, a empresa afirmou que foi "vítima de uma fraude sofisticada e muito bem arquitetada, o que tornou a compilação e análise de suas demonstrações financeiras históricas uma tarefa extremamente desafiadora e complexa".