O Brasil tem 17,9 milhões de pessoas vivendo em favelas, aponta a pesquisa Data Favela 2023. Se a população das 13.151 comunidades mapeadas se unissem para formar um estado, ele seria o terceiro maior do país em número de habitantes, atrás apenas de São Paulo e Minas Gerais. Seja por opção ou pela falta dela, uma parte significativa desse contingente populacional encontra no empreendedorismo sua principal força econômica. As populações periféricas movimentam, ao ano, R$ 200 bilhões.

Ao voltar os olhos para essas localidades, o que se revela não é apenas um amplo mercado consumidor, mas um caldeirão de boas ideias e iniciativas surgidas para sanar as dores de um público muito específico. Segundo o Data Favela, entre as quase 18 milhões de pessoas vivendo em comunidades, 5,2 milhões já empreendem, 6 milhões sonham em ter um negócio próprio e sete em cada dez pretendem iniciar o empreendimento dentro da favela.

Mas se dentro dessas localidades há um público disposto a contornar todo tipo de dificuldades para fazer seu negócio dar certo, toda essa disposição não é suficiente para superar uma infinidade de barreiras, muitas delas impostas pelo preconceito e marginalização. Fomentar o ambiente de negócios dentro dos territórios periféricos aproximando os empreendedores de possíveis investidores é uma forma de transpor alguns obstáculos.

Nos próximos dias 20 e 21 de outubro, acontece em Curitiba a etapa estadual da Expo Favela Innovation, uma feira de negócios cujos expositores são empreendedores e startups da favela. O evento foi criado com o objetivo de dar visibilidade a estas iniciativas e promover o encontro entre os empreendedores e investidores que possam acelerar os empreendimentos e gerar negócios, mudando realidades e alcançando uma quantidade maior de pessoas.

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Presidente da Cufa (Central Única das Favelas) Paraná e produtor geral da etapa estadual da Expo Favela Innovation, José Antonio Campos Jardim ressaltou que a intenção do evento é mostrar toda a potencialidade desses territórios. “O que a gente vê é que essas pessoas já empreendem há anos, vendendo cachorro-quente, cocada, pano de prato. Quando a gente olha para o cenário nacional, vê que quem mantém a economia girando é a base de consumo, a base da pirâmide financeira.”

“A favela é a concentração geográfica das desigualdades sociais e, muitas vezes, o morador não encontra no emprego formal a oportunidade para desenvolver toda a sua potencialidade. O morador da favela só vai conseguir ganhar mais do que dois salários mínimos se empreender dentro da favela. Assim, pode usar o seu potencial e fazer com que o dinheiro das favelas fique dentro das próprias favelas", disse o fundador do Instituto Data Favela, Renato Meirelles, em entrevista à Agência Brasil durante a divulgação da Data Favela 2023.

Foi por meio da Expo Favela que Jean Pierre Pego da Silva conseguiu dar maior visibilidade à startup criada por ele em 2019. A participação no evento atraiu o interesse de um investidor-anjo paulista que, até o momento, já injetou R$ 500 mil no aplicativo de marketplace Papoom.

A ideia de Silva surgiu, literalmente, da junção da fome com a vontade de comer. No início da tarde de um domingo, ele saiu pelas ruas da vila Torres, em Curitiba, onde mora, à procura de um local onde pudesse comprar seu almoço. Depois de encontrar todos os comércios já fechados e retornar para casa desapontado, sentiu o aroma que saía das panelas de uma vizinha e pensou que seria ótimo se ele pudesse comprar uma porção da comida preparada na casa ao lado, mas não teve coragem de fazer a oferta.

Foi então que o trabalhador do terceiro setor na área de marketing e captação de recursos e com uma forte inclinação para o empreendedorismo teve a ideia de criar um aplicativo que conectasse quem quer vender com quem quer comprar dentro da comunidade. Dentro do Papoom estão comerciantes e prestadores de serviços das mais variadas áreas e também os consumidores. Alimentos, produtos, vestuário, calçados, brinquedos, móveis, eletrodomésticos, serviços de reforma, construção e reparos, profissionais de beleza e estética e até imóveis para compra e venda, tudo pode ser encontrado no marketplace que começou com 500 usuários na fase de testes e hoje contabiliza dez mil.

Além da vila Torres, na capital paranaense, o aplicativo já chegou a 30 comunidades em dois grandes complexos cariocas, sendo 16 comunidades no complexo da Maré e 13 no complexo da Penha. A expectativa é terminar 2023 com 43 comunidades conectadas e, em 2024, alcançar cem comunidades, chegando a grandes favelas de São Paulo, Bahia e Distrito Federal.

“O ambiente para quem vem de comunidade é muito mais difícil. A falta de oportunidades é um fator que impede que vários outros negócios da comunidade apareçam. O Papoom é uma exceção”, comentou Silva. “Falta incentivo, falta o olhar do poder público, mas falta também o olhar de oportunidade do ecossistema de inovação para a base de negócios vindos desses lugares.”

O empreendedor acredita que boa parte dessa carências se dá pela imagem de escassez, pobreza e violência que foi construída ao longo dos anos em torno das comunidades. Mas Silva acredita que a percepção do potencial econômico das favelas começa a crescer e, em cinco anos, aposta em uma “explosão” das startups de favela. “Não existem soluções tecnológicas voltadas para a favela e há uma estrutura em torno da favela que precisa de auxílio.”

Inscrições para a etapa paranaense da Expo Favela estão abertas

As inscrições para a etapa paranaense da Expo Favela Innovation estão abertas e a intenção é reunir 70 expositores, de todas as áreas de atuação. Podem participar iniciativas já consolidadas ou que ainda estejam dando os primeiros passos. A edição estadual do evento acontece nos dias 20 e 21 de outubro e a lista com os selecionados será divulgada no início da segunda quinzena de outubro.

A participação no evento é totalmente gratuita e os dez que mais se destacarem serão selecionados irão para São Paulo, no final do ano, para representar o Paraná na edição nacional.

Podem se inscrever empreendedores que atuam em quaisquer áreas, não só da tecnologia. O foco são ideias que geram impacto nas comunidades. “Quando a gente pensa na pluralidade que temos dentro do território da favela e na criatividade, não conseguimos limitar isso a um nicho só. Podem ser iniciativas na área cultural, social, ambiental”, disse o presidente da Cufa Paraná e produtor da edição estadual da Expo Favela Innovation, José Antonio Campos Jardim.

O evento irá acontecer na Viasoft Experience, na rua Professor Pedro Viriato Parigot de Souza, 5300, no campus da Universidade Positivo, em Curitiba. As inscrições podem ser feitas no site www.expofavela.com.br.(S.S.)