Os Estados Unidos negaram a abertura de seu mercado para a carne bovina in natura do Brasil, pleito que estava incluído nas negociações de uma parceria estratégica acertada entre o presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, e o norte-americano Donald Trump. A decisão dos EUA é resultado de um a inspeção técnica liderada pelo Departamento de Agricultura no Brasil, cujo relatório foi disponibilizado para o governo brasileiro na quinta-feira (30).

Os EUA suspenderam a compra de carne bovina in natura do Brasil em meados de 2017, na esteira da operação Carne Fraca, que revelou um esquema de adulteração de atestados fitossanitários da carne vendida nos mercados interno e externo
Os EUA suspenderam a compra de carne bovina in natura do Brasil em meados de 2017, na esteira da operação Carne Fraca, que revelou um esquema de adulteração de atestados fitossanitários da carne vendida nos mercados interno e externo | Foto: iStock

Nele, os americanos solicitaram informações adicionais ao governo Bolsonaro e estabeleceram que uma nova inspeção sobre a qualidade da carne deverá ser realizada no Brasil. Só depois — dizem os americanos — haverá a possibilidade de as barreiras contra a carne brasileira naquele país serem levantadas. De acordo com interlocutores no governo, isso pode atrasar a abertura do mercado norte-americano em cerca de um ano.

A ministra da Agricultura, Tereza Cristina, ficou decepcionada com o teor do relatório por considerar que todas as informações solicitadas pelos EUA tinham sido esclarecidas. Não haveria, portanto, necessidade de agendamento de uma nova missão ao país. Tereza Cristina deve embarcar com uma comitiva para os EUA no dia 17.

A notícia foi recebida com cautela pelos produtores. “É uma briga comercial. Temos de ter cuidado. A ministra estará na terça-feira (12) em Londrina para o AgroBit. Vamos conversar com ela para entender melhor essa situação”, disse o diretor de Pecuária da SRP (Sociedade Rural do Paraná), Gabriel Garcia Cid. Ele afirma que a notícia “não é boa”, “pegou de surpresa”, mas está confiante que haverá uma boa solução. “Por isso é importante termos uma ministra boa como a gente tem hoje”, elogia.

Professor de economia da UFPR (Universidade Federal do Paraná), Eugenio Stefanelo, tem opinião diferente. Para ele, o governo dos EUA vai protelar e manter o veto à carne brasileira ao menos até as eleições de outubro do ano que vem, quando Donad Trump disputa novo mandato. “O objetivo do governo americano é proteger seus produtores, evitando qualquer concorrência. Uma atitude meramente protelatória. Boa parte dos eleitores de Trump são produtores rurais”, alega.

Enquanto os EUA protegem seus produtores, ele lembra que o Brasil já liberou a importação de trigo americano com tarifa zero e ainda aumentou a compra de etanol norte-americano. “O Brasil deveria ter mais cuidado na hora de fazer promessas de aberturas. Não deveria ter aberto sem a contrapartida no mesmo tempo.”

De acordo dom Stefanelo, 40% da renda atual dos produtores dos EUA estão ligados a subsídios. “No Brasil são apenas 3%”, compara. Para ele, o governo brasileiro deve exigir reciprocidade. “Ou então devemos voltar atrás (na decisão de liberar a importação do trigo e o aumento da cota de etanol).”

VIAGEM

A viagem da ministra da Agricultura aos EUA já estava agendada, mas ela deve aproveitar a programação naquele país para expressar seu incômodo ao secretário de Agricultura, Sonny Perdue. "Vamos tratar disso pessoalmente nos EUA, com quem temos um bom relacionamento", disse a ministra à Folhapress.

Os EUA suspenderam a compra de carne bovina in natura do Brasil em meados de 2017, na esteira da operação Carne Fraca, que revelou um esquema de adulteração da carne vendida nos mercados interno e externo envolvendo um esquema de obtenção de atestados fitossanitários.

Desde então, o governo brasileiro vem tentando a reabertura desse mercado —um esforço que sempre encontrou resistência dos produtores americanos de proteína animal.

A expectativa do governo Bolsonaro era que a proximidade com Trump e concessões feitas a Washington ajudassem na liberação das exportações de carne bovina. Em março, em visita à Casa Branca, Bolsonaro acertou com Trump que o Brasil permitiria a importação de até 750 mil toneladas de trigo dos EUA com tarifa zero.

Na declaração conjunta, em razão da visita oficial de Bolsonaro a Washington, os dois presidentes afirmam que os EUA concordaram “em agendar uma visita técnica do Serviço de Inspeção e Segurança Alimentar do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos para auditar o sistema de inspeção de carne bovina do País”.

A visita do Serviço de Inspeção e Segurança Alimentar ocorreu em meados deste ano. Antes da conclusão do relatório, os norte-americanos solicitaram ainda informações adicionais ao Brasil, que foram enviadas.

Em setembro, o Brasil decidiu também aumentar em 150 milhões de litros o limite para importação de etanol dos EUA com isenção de tarifa.

Também entrou nas negociações com Trump, a mudança na lei da TV paga para permitir que a compra da WarnerMedia pela gigante AT&T se concretizasse. O negócio de US$ 85 bilhões envolveu 17 países e a União Europeia e só aguarda a aprovação das autoridades brasileiras para ser finalizado.

O pedido foi encampado pelo deputado Eduardo Bolsonaro, que contava com isso para reforçar sua indicação à Embaixada do Brasil nos EUA. Eduardo visitou até os conselheiros e o presidente da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) pressionando pelo negócio. A lei vigente veta que uma operadora de telecomunicações detenha o controle de uma empresa de mídia.

O assunto está no Congresso aguardando um acordo entre o governo, empresas e os parlamentares. (Com informações de Julio Wiziack e Ricardo Della Colleta/Folhapress)