Para transferir controle acionário da Sercomtel, Município precisa de autorização direta do povo e também da Câmara
Para transferir controle acionário da Sercomtel, Município precisa de autorização direta do povo e também da Câmara | Foto: Gustavo Carneiro



A solução para a crise financeira da Sercomtel não depende apenas de investimentos, mas também da modificação ou mesmo revogação de leis municipais que dificultam a tomada de decisões estratégicas sobre a companhia. De acordo com as duas principais leis vigentes, 7.347/1998 e 10.709/2009, qualquer transação que envolva venda de ações da telefônica precisa ser aprovada por consulta popular mediante realização de plebiscito e depende de aprovação prévia da Câmara Municipal.
Tais exigências, na visão de representantes da sociedade civil organizada de Londrina, são incompatíveis com a agilidade necessária a negociações em livre mercado. Por isso, lideranças da Acil (Associação Comercial e Industrial de Londrina), Sinduscon (Sindicato da Construção Civil), Sindimetal (Sindicato das Indústrias Metalúrgicas Mecânicas e de Materiais Elétricos) e SRP (Sociedade Rural do Paraná) encaminharam ofício ao prefeito Marcelo Belinati (PP) e à presidência da Câmara pedindo empenho na revogação da lei que trata do plebiscito.
"Menina dos olhos" de Londrina, a Sercomtel tem dois sócios: a Prefeitura (55% das ações) e a Copel (45%). A operadora fechou o ano de 2016 – último balanço divulgado – com dívida consolidada de R$ 238,9 milhões, valor muito próximo à receita anual bruta daquele ano, de R$ 251,3 milhões. O prejuízo consolidado do grupo foi de R$ 17,1 milhões.
Devido à crise financeira, a Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) ameaça cassar a concessão dada à empresa para explorar telefonia fixa.
Conforme informações da assessoria técnica da Sercomtel, a legislação atual dificulta qualquer tipo de alienação, transferência de ações ou operações societárias de aporte de recursos ao exigir consulta pública e aprovação pela Câmara. Essas exigências seriam inadequadas em um mercado de grande concorrência como o de telecomunicações.
Por isso, a assessoria técnica defende a modificação ou revogação das leis, o que garantiria mais liberdade para decidir sobre o futuro da empresa. O órgão acredita que, se houver alteração legislativa, o plebiscito realizado em 2001, que decidiu pela não privatização da Sercomtel Celular, perderá a validade.

DECISÃO TÉCNICA
"Não dá para jogar uma decisão que é técnica nas mãos do povo. É temeroso deixar essa responsabilidade para a população, por isso encaminhamos o ofício. O objetivo é cobrar decisões de quem tem capacidade para tomá-las", afirmou Afrânio Brandão, presidente da SRP.
Valter Orsi, presidente do Sindimetal, concorda com a afirmação e avalia que o momento dinâmico do mercado de telecomunicações é incompatível com leis que dificultem a tomada de decisões técnicas. "Defendemos que haja autonomia para que representantes eleitos pela população tomem as decisões", afirma, destacando que a exigência de plebiscito acaba envolvendo emoção em decisões que pedem razão. "A revogação da lei dará agilidade para que o Poder Executivo – com apoio do Legislativo – tenha oportunidades de negociação", defende.
Ele afirmou também que as entidades se anteciparam na cobrança pela revogação da lei por sentirem-se confortáveis para iniciar o debate.
Já o presidente da Acil, Cláudio Tedeschi, manifestou preocupação sobre a viabilidade econômica da empresa em um cenário de decisões lentas. "Uma empresa de tecnologia com formato público tem dificuldades de concorrer em um mercado dinâmico, não achamos viável consultar a população sobre tudo. É preciso haver estudos sobre as possíveis soluções para a crise, o que pode envolver venda de ações ou parcerias com a iniciativa privada. Diante da morosidade, corremos o risco de perder um patrimônio do município", afirma, lembrando que a decisão de não vender a Sercomtel Celular em 2001 gerou grande prejuízo. "Na época a empresa valia R$ 70 milhões e hoje não vale nada", lamenta.
Presidente do Conselho de Administração da Sercomtel,Junker Grassiotto também é favorável à revogação das leis. "O prefeito tem a representatividade e a autoridade necessárias para decidir sobre o futuro da empresa. O plebiscito é um exagero que cria uma dificuldade quase intransponível", opina, destacando que a realização de consulta sobre uma questão técnica demandaria investimentos em campanha de conscientização para permitir à sociedade tomar conhecimento sobre um assunto que não faz parte da rotina da maioria das pessoas. "Quanto custaria fazer tudo isso?", questiona.

Caso AMA/Comurb levou à exigência de plebiscito

O escândalo conhecido como AMA/Comurb, que culminou na cassação do prefeito Antônio Belinati, em 2000, faz parte do cenário que motivou a aprovação da lei 7.347/1998, que vincula a privatização da Sercomtel à realização de plebiscito. Na época, diante de indícios de financiamento da corrupção a partir do desvio de recursos obtidos pela Prefeitura de Londrina com a venda de ações da Sercomtel para a Copel, o então vereador Tercílio Turini – atualmente deputado estadual pelo PPS - apresentou o projeto de lei que acabou aprovado.
Logo depois, em agosto de 2001, foi realizado plebiscito sobre venda da Sercomtel Celular. Na ocasião, participaram da consulta popular 31,2 mil londrinenses e 16,5 mil optaram pela proibição da transação. Em 2006, o então prefeito Nedson Micheletti apresentou novo projeto de lei pedindo a revogação da lei 7.347/1998, que foi arquivado.
"Há 20 anos, quando apresentei o projeto de lei, as ações da Sercomtel foram vendidas à Copel e os recursos foram usados de forma questionável, sem apresentação de um plano de investimentos", esclareceu Turini.
Diante de discussões sobre a venda do restante das ações sem planejamento para uso dos recursos, o projeto de lei foi aprovado. "O Executivo vetou, mas a Câmara derrubou o veto e virou lei", recorda.
Ele reconhece que, atualmente, é necessário um debate com a sociedade. "A Sercomtel é uma empresa fundamental para Londrina, que gera mais de mil empregos, investe na área social e arrecada boa parte do ICMS na cidade. Se tivesse sido vendida, pode ser que a sede nem fosse mais no município. Não dá para simplesmente vender a empresa sem debate, é preciso abrir os olhos", pontua.
Turini acredita que a crise enfrentada atualmente pela Sercomtel decorre também do uso político da companhia. "A empresa deu muito lucro, mas não recebeu os investimentos necessários", analisa, lembrando que em 2001 a população disse "não" à venda da empresa e essa decisão não pode ser ignorada. "Os tempos mudaram, mas a simples revogação da lei não vai resolver o problema. É preciso debater o assunto com a sociedade", insiste. (C.A.)

Prefeito defende aporte da Copel

O prefeito Marcelo Belinati também defende o fim da exigência de plebiscito para alterar o quadro societário da Sercomtel. Ele confirmou o recebimento do ofício assinado pelas entidades. "Estamos analisando com uma equipe técnica até para saber se a revogação da lei terá uma repercussão positiva junto à Anatel. Teremos uma posição mais definida em alguns dias", disse.
Pessoalmente, porém, ele defende que uma das soluções possíveis para a crise seria o aporte de recursos por parte da Copel. "O problema da Sercomtel são as dívidas e a falta de capacidade de investimentos em tecnologia. A Copel tem condições para fazer isso: aumentar a receita e tornar a empresa viável. Por isso, defendo que a Copel amplie sua participação societária, caso haja interesse. Mas, para isso, é preciso haver revogação da lei", observou.
A iniciativa das entidades foi recebida com bons olhos por Belinati. "A participação das entidades é importante nesta discussão", disse.
Presidente interino da Câmara, o vereador Ailton Nantes (PP) disse que irá discutir o ofício primeiramente com a Mesa Diretora. Posteriormente, ele deverá se reunir com os representantes das entidades. "Estou também analisando as leis e já convoquei uma reunião para deliberar sobre os procedimentos que vamos adotar", afirmou.
Segundo Nantes, é preciso esclarecer com as entidades se elas estão reivindicando a revogação das leis que tratam do controle acionário da Sercomtel ou apenas da exigência de plebiscito. O vereador disse não ter opinião pessoal sobre eventual venda da operadora.
Ainda que de forma comedida, a atual diretoria da Sercomtel defende a revogação das leis. "Para nós não é surpresa (o ofício das entidades) porque é uma necessidade que está aí. A empresa precisa de mais recursos, de ter um sócio forte para investir", afirmou o diretor presidente e de Relações com Investidores, Hans Jürgen Müller. Na opinião dele, a própria Copel poderia ser esse "sócio forte". Mas não descarta um terceiro sócio da iniciativa privada.
Sem os investimentos necessários, estimados entre R$ 100 milhões e R$ 120 milhões, segundo ele, não há solução para a empresa. "Não sobreviveremos sem o aporte", sentenciou.
Apesar de alegar que não pode expressar sua opinião, a diretora Administrativa, Eloiza Fernandes Pinheiro Abi Antoun declarou à reportagem: "Os empresários que escreveram a carta devem enxergar algo que a sociedade talvez tenha que enxergar também."
Questionado se há interesse da Copel em fazer investimento na Sercomtel, o presidente respondeu: "Não posso falar pela Copel." Mas, disse acreditar que a companhia irá tomar sua decisão baseada no relatório da consultoria que encomendou à Ernest Young. Ele acredita que esse relatório estará pronto nos próximos dias.
Sobre os argumentos que utilizaria para convencer a Copel a investir na telefônica, Muller apontou a complementariedade dos negócios das duas empresas. "A Copel Telecom presta serviços de banda larga. Nós oferecemos voz, telefone fixo e móvel, residencial e empresarial, além de banda larga", declarou, ressaltando que as companhias já atuam juntas em 64 municípios.
Segundo o presidente, os recursos seriam investidos em fibra ótica e telefonia celular, permitindo que a Sercomtel ofereça o serviço 4G, ainda indisponível. (Nelson Bortolin e Carol Avansin/Reportagem local)

CONTAS
Sobre as contas da empresa em 2017 – o balanço ainda não foi divulgado – o presidente afirmou que elas estão "menos piores". "Conseguimos aumentar a receita e diminuir alguns custos." Mas adiantou que, mesmo assim, o ano terminou "no vermelho".
De acordo com Muller, o processo aberto pela Anatel - que pode cassar a concessão da Sercomtel para atuar em telefonia fixa - está sob análise da Procuradoria da agência. "Depois da avaliação da Procuradoria, deve ir para a área técnica e então voltar ao Conselho para uma definição. O presidente da Anatel me disse que é uma questão de meses".
Através da assessoria de imprensa, a Copel informou que não vai se manifestar sobre o assunto.

HISTÓRICO

1964 - Prefeitura cria o Departamento de Serviços Telefônicos, que no ano seguinte é transformado na autarquia Sercomtel (Serviço de Comunicações Telefônicas de Londrina);
1968 – Ativada a primeira central analógica, com 7.280 linhas.
1992 – Sercomtel inaugura o serviço móvel celular e Londrina torna-se a 4ª cidade do Brasil e 1ª do interior a contar com a tecnologia;
1996 – Sercomtel deixa de ser autarquia e torna-se empresa;
1998 - Por força de lei municipal, a operadora sofre uma cisão: foi criada a Sercomtel Celular. No mesmo ano, a Copel (Companhia Paranaense de Energia Elétrica) comprou 45% das ações da Sercomtel por R$ 186 milhões;
2000 – Após desvio de parte dos recursos no escândalo AMA/Comurb, vereadores aprovam lei, em vigor até hoje, que condiciona a venda da operadora a consulta popular.
2001 - Prefeitura convoca a população para dizer "sim" ou "não" à privatização apenas da Sercomtel Celular. O resultado do plebiscito foi 52,7% de "não" e 47,2% de "sim";
2002 - Empresa recebe autorização para explorar telefonia em outros municípios. Até então, seus serviços eram vendidos somente em Londrina e Tamarana;
2006 - O então prefeito Nedson Micheletti apresenta projeto de lei pedindo a revogação da lei 7.347/1998 que vincula a venda da Sercomtel à realização de plebiscito, mas o projeto é arquivado.

Fonte: Sercomtel, Câmara Municipal de Londrina e Arquivo Folha