Entenda o que é o ESG e como ele está se tornando um pré-requisito no mercado financeiro
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segunda-feira, 03 de agosto de 2020
ISABELA BOLZANI
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - As melhores práticas ambientais, sociais e de governança (ou ESG, como são conhecidas pelo mercado) já são um assunto antigo das salas de reuniões de gestores e empresários, mas foi só há pouco mais de um ano que o tema virou parte do cotidiano no ambiente corporativo e de investimentos do Brasil.
O assunto é abrangente e se refere à avaliação de como companhias e investimentos impactam o meio ambiente e a sociedade, e sobre como esse impacto pode conduzir a riscos de negócio ou de investimentos.
Segundo o co-fundador e gerente de portfólio da Fama Investimentos, Fabio Alperowitch, parte do atraso das discussões sobre o tema no Brasil está relacionado à polarização das discussões sobre direitos humanos e o meio ambiente.
"Durante muitos anos o mercado financeiro não tratou desses assuntos apropriadamente, muito porque acabaram sendo ideologizadas. Isso nos deixou em um campo razoavelmente virgem de debates aprofundados e com um mercado que acaba adotando práticas apenas superficiais. O ESG é mais complexo do que apenas trazer um produto sustentável, é como a empresa se porta", disse o executivo, que também é conselheiro da WWF Brasil e do GRI.
Na prática, a constatação de que o ESG começa a fazer parte do "novo normal" das companhias ganhou um apelo mais forte somente em janeiro deste ano.
Naquele mês, Larry Fink, presidente da BlackRock -maior gestora de investimentos do mundo, com US$ 7 trilhões em ativos (cerca de R$ 36,5 trilhões)- anunciou em sua carta anual ao mercado que deixaria de investir em setores intensivos em carbono, como a indústria de carvão, realocando esses recursos para segmentos mais sustentáveis.
Segundo Carlos Takahashi, presidente da BlackRock Brasil, a primeira polêmica que o ESG trouxe aos investimentos foi sobre até que ponto as companhias conseguiriam gerar retornos compatíveis às necessidades de seus investidores sem aderir às práticas ambientais, sociais e de governança. Foi só de uns tempos para cá que houve a migração dessa discussão para uma perspectiva de risco.
"Os riscos antecedem os retornos, porque no final das contas são eles que têm o impacto mais direto nos investimentos. Outro ponto que é importante ressaltar é que as vozes voltadas ao assunto deixaram de ser isoladas para criar uma conversa mais conectada entre todos o ecossistema do mundo de investimentos, que abrange o mercado financeiro, o mercado corporativo e a sociedade. Isso também traz relevância ao assunto", disse.
Na prática, isso significa que a demanda dos chamados stakeholders -as partes interessadas de um negócio, que são impactadas pelas ações da companhia, como acionistas, clientes, fornecedores, entre outros - é por posicionamentos mais assertivos do lado das empresas.
A onda de protestos contra o racismo que aconteceu nos EUA no segundo trimestre deste ano, é o exemplo prático de como "escolher um lado da força" pode cativar ou enfurecer os stakeholders: quando redes sociais como Facebook e Twitter demoraram a tomar atitudes para lidar com conteúdo de ódio dentro de suas plataformas, grandes empresas se uniram a uma campanha de boicote à publicidade nessas companhias.
Os primeiros reflexos dessa ação não demoraram a aparecer: as ações do Twitter, por exemplo, chegaram a cair 7,4% em dias de protestos. Na última quinta-feira (23), a companhia também reportou queda de 23% em suas receitas com publicidade no segundo trimestre.
"Estamos passando por uma transição geracional. E o poder que essa nova geração tem como consumidora é muito importante, principalmente quando solicitam ativamente que as empresas sejam transparentes e se posicionem. E é preciso cuidado, porque quando elas não se manifestam, são consideradas coniventes", afirma Alperowitch, da Fama Investimentos.
No ambiente doméstico, o exemplo mais recente foi a carta assinada por 40 empresários enviada ao vice-presidente, Hamilton Mourão, pedindo o combate inflexível e abrangente ao desmatamento ilegal da Amazônia e demais biomas brasileiros.
No documento, as empresas demonstraram preocupação com a atual percepção negativa da imagem do Brasil no exterior, devido às questões socioambientais.
"Essa percepção negativa tem um enorme potencial de prejuízo para o Brasil, não apenas do ponto de vista reputacional, mas de forma efetiva para o desenvolvimento de negócios e projetos fundamentais para o país", escreveram os signatários.
"A política, os governos e a agenda macroeconômica e socioeconômica estão inextricavelmente entrelaçados ao ESG. Muitos governos estão percebendo que seus sistemas e negócios financeiros serão cortados dos fluxos globais de capital se não construírem e investirem em suas economias de maneira mais sustentável", disse a vice-presidente sênior de estratégia de engajamento em ESG da Moody's Corporation, Martina Macpherson.
Segundo a executiva, a crise do coronavírus também acabou ampliando a urgência da necessidade de maiores investimentos globais em desenvolvimento sustentável, principalmente em inovação, tecnologia e infraestrutura de assistência social e de saúde -situação que também acaba destacando o papel que os governo e as parcerias público-privadas podem ter nesse contexto.
Ela afirma que muitos governos já começam a trazer estruturas de regulamentação para os relatórios de ESG e que já existe um maior foco em inteligência artifical e inovações voltadas ao assunto, de maneira a melhor identificar e avaliar os problemas de ESG nas companhias.
"Nos mercados também começamos a ver uma preocupação maior dos investidores sobre os impactos que o ESG traz aos negócios. Essas informações permitem uma melhor avaliação sobre o perfil de risco, de retorno e a resiliência de uma companhia, por exemplo, examinando fatores de valor mais qualitativo e ajudando a identificar empresas bem geridas e promovendo uma mentalidade [de investimentos] de longo prazo", afirmou Macpherson.
Mercado de crédito No sistema financeiro, além da intensificação no discurso voltado à adoção de melhores práticas, o ESG também já começa a fazer parte da análise de risco de créditos entre os bancos.
Segundo o gerente de relações com investidores do Banco do Brasil, Daniel Alvez Maria, cerca de 30% do crédito cedido pelo banco é considerado "verde", ou seja, é voltado para boas práticas ambientais e sociais.
"São créditos para agricultura de baixo carbono, por exemplo, ou operações que destinamos para eficiência energética. E o que temos feito nesse sentido é tentado entender o que cada instituição tem feito para transformar a sociedade", disse.
De acordo com a diretora de sustentabilidade do Santander Brasil, Karine Bueno, a pandemia do coronavírus também intensificou o olhar de responsabilidade e interdependência na resolução de problemas globais e traz novas perspectivas sobre o entendimento de como um produto ou serviço oferecido pode gerar impactos maiores para a sociedade.
"Hoje já existe uma curva que mostra que o desempenho das empresas que têm o ESG no negócio é mais forte. Não é apenas a pressão de investidores, mas é preciso olhar para esse conceito até mesmo como um efeito econômico que vem no médio e longo prazo", disse.
Para a superintendente de relações institucionais, sustentabilidade e negócios inclusivos do Itaú, Luciana Nicola, há uma cobrança crescente no mercado para medidas mais severas de proteção ao meio ambiente e, além de alguns fundos de investimentos, empresas de rating e gestoras avaliam criticamente o Brasil nesse aspecto.
"Uma avaliação negativa sobre o Brasil traz impactos negativos também para as empresas nacionais. O Itaú vem se posicionando em diversas oportunidades sobre a urgência no enfrentamento dessas questões e os bancos, como um todo, também têm atuado de forma cada vez mais intensa e organizada nesse sentido", disse.
A exemplo, os três maiores bancos privados do país (Bradesco, Itaú e Santander) se juntaram a investidores internacionais e grandes empresas brasileiras que têm buscado em Mourão uma interlocução com o governo para tratar das preocupações com o efeito da questão ambiental sobre a economia brasileira.
Executivos das instituições se reuniram na última quarta-feira (22) com o vice-presidente da República e outros representantes do governo para discutir uma agenda conjunta para a Amazônia.
Do encontro, resultou uma carta de intenções, ainda sem muitos detalhes, para que as instituições financeiras apoiem o poder público em iniciativas de estímulo à bioeconomia na região, ao desenvolvimento de infraestrutura básica para a população local e fomentem o mercado de títulos financeiros verdes.
"Esse movimento tem se tornado uma coisa cada vez mais binária. Deixa de ser algo onde a empresa deixa de captar dinheiro apenas se ela não cumprir com essas práticas, mas ela também deixa de captar se não honrar os compromissos assumidos nesse sentido. ESG como campanha de marketing não funciona, é preciso uma atuação firme e verdadeira", afirmou o diretor executivo do Bradesco, Renato Ejsnisman.