SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Em um ano marcado por manifestações antirracistas, os negócios de consultorias e pequenas empresas que vendem estratégias para diversidade corporativa deslancharam no Brasil.

Uma sequência de episódios nacionais e internacionais fizeram gestores de companhias correr para criar ou intensificar uma posição institucional afirmativa contra o racismo.

Além de levantes sociais após os assassinatos de George Floyd, nos Estados Unidos, e de João Alberto Silveira, morto em loja do Carrefour no Brasil, a pandemia de coronavírus escancarou, desde o início do ano, o fosso da desigualdade.

Outros fatores pontuais movimentaram companhias nacionais à procura de ajuda para lidar com o tema.

O trainee exclusivo para negros do Magazine Luiza logo foi copiado no mercado, apesar de 2020 ter sido um ano atípico para a expansão do quadro de funcionários, segundo empresas que têm no portfólio companhias de peso como farmacêuticas globais, bancos e varejistas.

Margareth Goldenberg, sócia-diretora de consultoria que leva seu sobrenome, trabalha com a intercessão de direitos humanos e o mundo corporativo há mais de 20 anos, vendendo de censos e workshops à estruturação de políticas a companhias como Suzano, Vivo e Roché.

Responsável por implementar o trainee da Magazine Luiza, a empresária afirma que 2020 representou um marco na demanda por seus serviços, que cresceu 30% na comparação anual.

"As empresas que agiam de modo superficial ficaram receosas. Colaboradores, acionistas e a sociedade pressionam pela verdade. Basta uma publicação no LinkedIn que questione uma verdade que a empresa comunica e não cumpre e sua reputação desmorona", diz.

Foi o caso da repercussão negativa da fala de Cristina Junqueira, cofundadora da Nubank, que afirmou haver dificuldade para contratar negros e que não dava para "nivelar por baixo". A executiva se desculpou pela fala posteriormente, e a fintech anunciou um investimento de R$ 20 milhões em medidas para inclusão racial.

O caso acendeu um alerta entre outros executivos, temerosos de desgaste reputacional. Para especialistas do setor, este ano representou um ponto de inflexão na percepção social sobre empresas sem ação efetiva contra a desigualdade.

No início de dezembro, a Nasdaq, Bolsa de valores das empresas de tecnologia nos EUA, propôs a regra de que os conselhos das listadas tenham ao menos uma mulher e um membro de grupo subrepresentados --negros, latinos ou LGBTQ+.

"Comecei a trabalhar com essa agenda em 2005. Nunca houve ano como esse. A causa ascendeu em termos de hierarquia. Se até o ano passado o assunto ficava na diretoria, em 2020 foi para os conselhos de administração, para os presidentes", diz Ricardo Sales, sócio-fundador da Mais Diversidade, criada em 2016.

A empresa ampliou seu número de funcionários em um processo de expansão nacional nos últimos meses. Além dos 12 profissionais sediados em São Paulo, outros 26 entraram para a rede em outras regiões do país.

O trabalho reúne consultoria estratégica (com metas e indicadores de desempenho para inclusão e diversidade), treinamento, pesquisa (criação de censos e estudos de mercado), comunicação empresarial e curadoria de talentos.

A empresa fez programas de estágio pautados na diversidade para empresas como Braskem, Ford, Heineken e BTG Pactual.

"Sempre ouvia frases do tipo 'até queria tal profissional, com tal perfil, queria deficiente que falasse inglês, negro em cargo liderança, mas não existe'. Sabia que não era verdade, essas pessoas existem, mas em proporção menor", afirma.

A curadoria de talentos foi um dos segmentos que mais avançou, ganhando espaço equiparado ao da prestação de consultoria e de treinamentos. Segundo Sales, é um termômetro que mostra como empresas procuram preencher o déficit de negros em suas organizações.

Apesar de avanços, estudo recente da startup Blend Edu, que promove inclusão e diversidade em organizações, mostra que 71% das empresas têm metas específicas para diversidade, mas só 4% atrelam os resultados à avaliação de performance e remuneração dos empregados. Isso significa que, muitas vezes, os programas de diversidade são vistos como desejáveis, não imperativos.

Apenas 75% possuem ações de treinamento e desenvolvimento estruturada a seus profissionais e só 31% consideram seu programa com um grau de inovação alto ou muito alto.

A startup Diaspora.Black há quatro anos vende experiências culturais e cursos relacionados à cultura negra a clientes individuais. Na pandemia, aumentou sua operação B2B (business to business) - a venda a outras empresas - e diz ter mais que triplicado o faturamento.

Os serviços vão de palestras, que podem custar R$ 5.000, ao pacote completo de reestruturação empresarial, que pode durar três meses, envolver todos os setores de uma companhia e ultrapassar R$ 35 mil.

Parte considerável do lucro da Diaspora Black neste ano veio de eventos lúdicos comprados por empresas a funcionários, como roteiros virtuais sobre cultura negra em São Paulo e oficina de cachaça e gastrononomia.

"Atendemos casos reparatórios, que viralizam nas redes sociais, e casos preparatórios, com toda a jornada antirracista", afirma Cintia Ramos, uma das sócias.

Entre os casos reparatórios recentes, Cintia cita um episódio com a WeWork, empresa americana de compartilhamento de escritórios que ampliou sua presença no Brasil.

"Um rapaz negro foi barrado ao entrar no prédio mesmo apresentando convite. A alegação foi que estava de bermuda, o que é trágico, porque as pessoas trabalham de pantufa na WeWork. A questão não era a bermuda, era um negro depois das 18h30", diz.

A resposta da empresa foi rápida por entender que o caso não deveria ser tratado como pontual, conta a empresária, que ajudou a realizar um treinamento de dois meses, envolvendo cargos gerenciais e diretores, que incluiu não apenas São Paulo, onde ocorreu o episódio, mas filiais de Argentina e Colômbia.

"Se a diversidade não for colocada em pauta, as empresas não conseguem mais passar. Os casos deste ano acordaram organizações que estão em cima do muro. Temos uma forte evolução pressionada pela população preta", diz Cintia, cuja empresa é formada quase totalmente por profissionais negros.