Entre as idas e vindas da escola dos filhos para a sede da própria empresa ou autônoma, sozinha na varanda, acompanhada pelos pets e pelas plantas em atendimentos e reuniões home-office, as empreendedoras modernas assumem o protagonismo profissional e financeira sejam casadas ou solteiras, em diferentes carreiras, jornadas e histórias diversas. Mas, existem pontos em comum entre as mulheres que entram para o mundo dos negócios: a luta pela independência financeira, a realização de um propósito que move a mulher e a busca pela excelência por um produto ou serviço único no mercado marcam a empresária contemporânea.

Independência dos clichês, dos modelos prontos e dos tabus impostos pela sociedade. Excelência no atendimento, no produto, na busca diária para conquistar espaço no mercado para cobrar com igualdade com os outros homens que oferecem o mesmo serviço e ainda cumprir jornadas duplas ou triplas na manutenção da casa e no cuidado de filhos ou pais idosos.

Ou seja, a realidade da mulher empresária está muito longe do “sonho” de mundo ideal vendido pelos coachs que prometem o primeiro milhão com um toque de mágica e um sucesso instantâneo previsto em uma receita simples de 10 passos. Mas, a vida está longe de ser simplista e a realidade das mulheres pode ser ainda mais complicada.

“Diferente do homem, a mulher é mais ‘pé no chão’ e ponderada e pode ter sucesso no empreendedorismo com acolhimento e uma orientação mais humanizada, não com um discurso pronto do ‘acredite em você’ e vamos faturar R$ 1 milhão”, afirmou o consultor e planejador financeiro, Gabriel Engmann, que participou da primeira roda de conversa sobre empreendedorismo feminino na Casa da Beca, quintal brincante administrado pelas sócias Rebeca Gombi e Talitha Menão, no último Dia do Trabalhador, quando cerca de 40 mulheres participaram do evento em Londrina.

Com 85% de atendimento ao público feminino, ele ressalta que a maioria dos conteúdos disponíveis sobre finanças são pautados na meritocracia e na agressividade do “vale tudo” na concorrência por uma fatia do mercado.

“Todos, independente do espectro político, se é homem ou mulher, CLT (Leis Trabalhistas) ou autônomo, a gente precisa lidar com dinheiro. Dentro da Ciências Comportamentais, existe a psicologia econômica, onde é estudado o comportamento em relação ao dinheiro e como lidar melhor com isso no dia a dia sem a pressão de ficar rico à qualquer custo e ficar preso dentro deste ciclo”, comentou o consultor, que destaca que a as mulheres e os homens que fazem terapia possuem mais facilidade de buscar ajuda para lidar o orçamento pessoal ou com as finanças da própria empresa.

Na roda de conversa, Engmann ouviu o relato das mulheres e ressaltou alguns aspectos importantes como a separação das finanças pessoais e profissionais, mas ponderou que no empreendedorismo comum a vida pessoal e dos negócios estão interligadas. "Alguns profissionais precisam fazer tudo, desde o financeiro, o comercial, além da atividade que desempenha e ainda cuidar do dia a dia da casa. Mas, é importante que a mulher autônoma consiga separar pelo menos os gastos para ter um melhor controle de entrada e saída das contas pessoais e do próprio negócio”, aconselhou.

Ele ainda sugere que a empreendedora faça um planejamento para “trazer a previsibilidade do CLT” para o negócio pessoal, como ter uma reserva para férias, projetar um aumento no próprio salário e fazer um plano para aposentadoria. “O que teria de forma passiva, precisa ter forma ativa”, resume.

DESAFIOS

Engmann explicou que a “economia do cuidado” sempre existiu, é feita pelas mulheres, mas não é remunerado e, em alguns casos, nem reconhecido. “Quando alguém fica doente em casa, quem cuida é a mulher, quando tem um filho, quem cuida é a mulher, todos os trabalhos domésticos são feitos pela mulher. De certa forma, isso foi imposto e quando ela empreende, ela não deixa de ter que fazer isso. Na maioria dos casos, ela precisa assumir uma dupla jornada.”

Com menos tempo para empreender e com desigualdade de gênero em salários e no pagamento de serviços prestados, existe um desequilíbrio no mercado, o que é considerado pelo consultor um “dilema”. “Se tem menos tempo, pensando financeiramente, ela tem que cobrar mais para compensar e na maioria das vezes, as pessoas pagam menos por ela ser mulher. Existe esse dilema, um conflito com necessidade de mudanças urgentes na nossa sociedade”, avalia.

Coletivo quer construir jornada própria da mulher de negócio

Troca de experiências, roda de conversa, momento para yoga, respiração e um conto. O evento promovido pela Casa da Beca, administrado pelas sócias Rebeca Gombi e Talitha Menão, foi o primeiro apenas com mulheres empreendedoras no espaço que atende crianças e mães com atividades infantis no quintal brincante.

O objetivo é reunir mensalmente o coletivo para debater a construção de uma jornada feminina de empreendedorismo, que não seja apenas um apêndice das discussões que envolvem, majoritariamente, os homens de negócios quando o assunto é o mundo corporativo.

A empresária Rebeca Gombi conta que na abertura do negócio não se sentia representada pelo modelo de sucesso imposto pela sociedade machista, baseado nas experiências de homens que disputam a concorrência em diferentes áreas no competitivo mercado.

Ela relata que o primeiro encontro do coletivo foi importante para dar voz às mulheres, que possuem histórias comuns no empreendedorismo, de apostar no próprio negócio em momentos delicados como desemprego ou de iniciar a empresa com a prestação de serviços dentro de casa e só depois enxergar uma chance de expansão.

“É uma caminhada prática, com intuição e medo de falhar ao mesmo. Será que sou empresária ou sou uma professora que está em atendimento particulares? Levei um tempo para assumir o papel de empresária e comecei a visualizar isso apenas quando alugamos um local para o atendimento”, lembra.

Ao procurar uma consultoria neste momento, as sócias viram que muitas mulheres possuem as mesmas dificuldades com temas como fluxo de caixas, precificação, custos, planilhas de entrada e saída, impostos, geração de notas e dúvidas sobre o melhor caminho na abertura do negócios por MEI (Microempreendedor Individual), Simples ou Ltda.

“Quando a chave virou, eu me vi mais empresária do que educadora em uma energia muito masculina, workaholic, esse ideal de uma sociedade de homens de sucesso, mas que tipo de sucesso é esse?”, questiona Gombi ao lembrar o discurso irreal do pro labore alto, casa própria, sem necessidade de estar na empresa 24 horas por dia, com funcionários consolidados em uma empresa que dita as tendências do mercado.

Mas, o acolhimento aconteceu justamente no oposto, na labuta real do dia a dia, onde as sócias encontraram muitas mulheres que passam pelo mesmo desafio. “Eu sou uma mulher, mãe, eu não preciso ser hostil no mercado como um homem é”, declarou Gombi.

Agora, as sócias planejam outras edições do encontro de mulheres empreendedoras para discutir temas como administração, redes sociais, marketing digital e saúde mental.