As mulheres foram as fundadoras de mais da metade dos empreendimentos abertos no país nos últimos dois anos e, segundo dados do Sebrae, o Brasil tem hoje 10,34 milhões de negócios conduzidos por empresárias, o que corresponde a 34,44% do total. Apesar da enorme e crescente representatividade do gênero feminino no empreendedorismo nacional, as mulheres que enveredam por esse caminho ainda encontram inúmeras barreiras que não costumam fazer parte do dia a dia do homem empreendedor, como a necessidade de conciliar a rotina doméstica e trabalho, e a necessidade constante de reafirmar sua capacidade de gestão e liderança, superando preconceitos.

Instituído pela ONU (Organização das Nações Unidas), o Dia Mundial do Empreendedorismo Feminino, comemorado em 19 de novembro, tem o objetivo de evidenciar e valorizar o protagonismo das mulheres no meio empresarial e a data se apresenta como um momento de reflexão e debate sobre a liderança feminina e o papel da mulher empreendedora na sociedade.

Em 2021, o estudo Global Entrepreneurship Monitor colocou o Brasil entre os dez países com o maior número de empreendedoras do mundo. E segundo o Sebrae, o índice de mulheres empresárias consideradas chefes de domicílio chega a 45%, superando o percentual de mulheres que dependem do dinheiro de seus companheiros. “O que a gente precisa reforçar sempre quando se fala em liderança feminina é a mulher no protagonismo de sua própria vida e seu protagonismo social”, destacou a consultora do Sebrae/PR, Liciana Pedroso. “Em relação a essa liderança, na sociedade civil, elas estão engatinhando.”

No Paraná, 560,7 mil negócios são comandados por mulheres, o que corresponde a 33% do total, apontou o Sebrae. É inegável a relação entre o aumento do empreendedorismo feminino e a diminuição da desigualdade de gênero. E quanto mais pessoas estiverem à frente de um negócio próprio, mais a economia avança. Por isso, é fundamental eliminar as barreiras que dificultam a expansão da participação feminina na gestão de empresas.

“O fato de elas terem que assumir outras responsabilidades ainda não compartilhadas no mesmo nível que os homens, como conciliar as tarefas da casa, os cuidados com os idosos e a família, faz sobrar menos tempo para que se dediquem à empresa. Ainda tem um certo preconceito e barreiras a mais para enfrentar. Existem ainda muitas crenças limitantes em relação à mulher que foram sendo implementadas ao longo dos anos e que aos poucos vão sendo quebradas. É uma questão cultural”, destacou Pedroso.

Um dado que exemplifica o preconceito que permeia o empreendedorismo feminino é o tipo de negócio tocado por mulheres. No Paraná, de acordo com levantamento do Sebrae, 49,78% das empresas lideradas por elas atuam no setor de serviços. “Ainda é muito baixo o número de mulheres à frente de negócios de tecnologia”, ressaltou a consultora. “Ter que liderar a empresa e ainda ultrapassar barreiras culturais é mais difícil.”

Lucelia Aparecida da Costa sentiu as dificuldade quando começou a empreender no meio rural, ainda “muito masculinizado”, segundo ela. Durante a pandemia, após o marido, Claudemir Inocêncio da Silva, ser demitido da empresa na qual trabalhava por mais de 25 anos, em Curitiba, o casal decidiu retornar a Jaboti, sua cidade natal, no Norte Pioneiro.

Desde 2010, Costa e o marido eram proprietários de um sítio de cerca de 12 hectares onde cultivavam café. Ao decidir fazer da atividade secundária a sua principal fonte de renda, o casal buscou conhecimento para diversificar a produção e iniciou o plantio de morango.

A iniciativa deu muito certo e a propriedade conquistou o selo de IG (Identificação Geográfica) do Morango. Cultura pela qual Costa venceu a etapa paranaense do Prêmio Sebrae Mulheres de Negócios e garantiu a classificação para disputar a final na etapa nacional da premiação, em Brasília.

“A área rural, que é meu segmento, é muito masculinizada. Principalmente quando comecei, há três anos, foi complicado por eu ser mulher. Na hora das negociações, eu percebia que era tratada de uma outra forma”, contou. Com dedicação, disciplina, muito estudo e uma busca incessante por conhecimento, aos poucos as coisas têm mudado para Costa, que vê na indicação ao prêmio a oportunidade de estar ao lado de outras empreendoras e uma forma de abrir as portas para outras mulheres que queiram abrir o seu próprio negócio. “Não estou na agricultura para concorrer com ninguém. Quando o esposo entende que a esposa pode estar ao lado dele e os dois juntos conseguem fazer as coisas da melhor forma, se torna um ambiente melhor. Ela não precisa tirar o lugar dele e se sente valorizada.”

Além do café e do morango, Costa produz pepino japonês, pimentão colorido e pitaia e, no momento, prepara para um talião para a produção de café e tomate orgânicos. Ela também planeja iniciar o cultivo de vegetais com maior valor agregado, como alcachofra, abóbora ball squash, abóbora Yasmin e berinjela Isabela. “Os meus produtos são vendidos com garantia de rastreabilidade e meus clientes sempre pedem coisas diferenciadas, com preços mais agregados. Vou lançar uma linha de produtos gourmet.”

Foi a partir de uma restrição alimentar do filho que a farmacêutica Ana Elisa Sfefani Vercelheze descobriu um nicho de mercado que se revela promissor. Em 2016, o bebê foi diagnosticado com alergia à proteína do leite de vaca e Vercelheze percebeu uma variedade muito pequena de produtos para atender a essa especificidade. Ela, então, passou a preparar os alimentos de acordo com as necessidades da criança e embora a família não fosse vegana, encontrou nesse público auxílio e acolhimento e a adoção a esse estilo de vida foi questão de tempo.

Durante a pandemia, após ser dispensada do trabalho, Vercelheze decidiu transformar seus hábitos alimentares em um negócio e criou a Ana Vegana, que está prestes a completar três anos. “Comecei com dois produtos, pão sem queijo de batata doce e pão sem queijo de batata inglesa. Hoje, estamos com nove produtos e além dos veganos, atendemos os celíacos, os alérgicos a ovo e à proteína do leite de vaca. Lançamos a linha de sopas desidratadas e vamos lançar mais cinco ou seis produtos nesse mesmo segmento”, comentou. Além do Paraná, a Ana Vegana já chegou em São Paulo, capital e interior, e com o e-commerce recém-lançado, irá atender todo o Brasil.

Não bastasse as dificuldades inerentes ao empreendedorismo industrial, Vercelheze teve de enfrentar também o machismo no universo dos negócios. “As pessoas estão acostumadas com as mulheres que decidem empreender e vão ser boleiras. Mas eu montei uma indústria, ambiente que tem um perfil muito masculino”, disse. “A maior dificuldade era mostrar que uma mulher estava no comando. Cheguei a notar o espanto quando viram que a diretora da empresa era uma mulher. Parecia que eu estava deslocada. Trabalho com meu marido, mas na empresa ele é um funcionário.”

“Estamos começando a ver mais mulheres na ponta de indústrias, mas a proporção de homens ainda é muito maior. É um mundo ainda muito dominado por homens. Também tenho mais dificuldade para vender aos mercados e lojas quando o comprador é homem. Preciso ter outra abordagem. Quando é uma compradora, tenho muito mais facilidade.”

Serviço atende às especificidades do público feminino

Nesta semana, aconteceu em Londrina a 1ª Rodada de Negócios – Mulheres Empreendedoras, promovida pela Sala da Mulher Empreendedora, da Secretaria Municipal de Política para as Mulheres, em parceria com o Sebrae/PR. O evento realizado em comemoração ao Dia Mundial do Empreendedorismo Feminino abriu espaço para 49 mulheres apresentarem seus produtos e serviços, fazer parcerias e impulsionar negócios.

A Sala da Mulher Empreendedora em Londrina é a primeira inaugurada na Região Sul e a terceira no Brasil. Desde agosto, cerca de 200 mulheres já foram atendidas.

A secretária municipal de Política para as Mulheres, Liange Doy Fernandes, contou que o serviço é uma extensão ao COM (Centro de Oficina para as Mulheres), onde são ofertados cursos de capacitação. “Muitas mulheres chegavam em busca de geração de renda e essas mulheres, depois de um tempo, queriam comercializar os produtos e serviços, queriam empreender, abrir um negócio e ter uma atividade profissional.”

No local, é disponibilizado uma série de cursos e orientações gratuitos para capacitar as mulheres para o empreendedorismo. Precificação, marketing digital, consultorias individuais e auxílio na abertura de MEI estão entre os conteúdos ofertados.

“O nosso tratamento, na Sala da Mulher Empreendedora, é totalmente voltado às especificidades da mulher”, destacou a secretária. O atendimento é feito com agendamento e uma estagiária está sendo treinada para fazer o acolhimento das crianças que vão com as mães. “Há três meses, não víamos crianças acompanhando suas mães nos cursos e na sala, mas isso tem mudado. Quando a mãe tem um lugar para deixar os filhos, consegue se concentrar nas atividades. De fato, elas estão entendendo e vendo a secretaria como ponto de apoio”, disse a secretária.

Diretora de Empreendedorismo e Ações Educativas da secretaria, Lisnéia Rampazzo observa três áreas que despertam maior interesse para as mulheres que decidem tocar o seu próprio negócio: gastronomia, estética e beleza e prestação de serviços. Mas com o avanço do empreendedorismo e o empoderamento gerado pela capacitação, muitas mulheres começam a enxergar as potencialidades de outras áreas. “A gente percebeu que muitas não imaginavam atuar em uma determinada atividade, mas começaram um curso e despertaram para o empreendedorismo. Isso é muito importante.”

A Sala da Mulher Empreendedora funciona de segunda a sexta-feira, das 12 às 18 horas, na rua Valparaíso, esquina com avenida Higienópolis, no jardim Guanabara (zona sul). O horário de atendimento pode ser agendado pelo telefone 3378-0002, que também funciona como WhatsApp.(S.S.)