Valendo R$ 5,34 no primeiro pregão do ano, em 2 de janeiro, o dólar chegou ao quarto dia de 2023 equivalendo a R$ 5,44, maior pico registrado, até o momento, sob o governo Lula (PT). Surpreendendo economistas, a alta não se estendeu por muito tempo, e o real valorizou 12,5% frente à moeda americana, atingindo R$ 4,76 em 26 de junho, quando faltavam quatro dias para o encerramento do primeiro semestre da administração petista.

Os números divulgados pelo Banco Central mostram que, durante todo o período, o real demonstrou reação à imponência da moeda que é usada no comércio internacional. No entanto, o dólar voltou a ganhar força no segundo semestre, chegando a R$ 5,19 em 6 de outubro. Apesar do salto, a moeda brasileira voltou a anotar R$ 5,03 nesta terça-feira (17), uma valorização de 7,5% em relação a janeiro. Para entender tal amplitude, a FOLHA buscou a opinião de especialistas para analisar o fenômeno.

Oscilações são normais

De acordo com o economista e professor da UEL (Universidade Estadual de Londrina) Sinival Pitaguari, as variações na taxa de câmbio para a moeda americana são normais, porém costumam oscilar para cima e não para baixo, como ocorreu no primeiro semestre.

“No Brasil, que é uma pequena economia e já sofreu muito com o problema da dívida externa, o mais comum são as oscilações bruscas para cima e oscilações mais suaves para baixo”, diz.

Incertezas políticas

Pitaguari analisa que a alta do dólar entre 2022 e o início de 2023 se deu no país devido às incertezas trazidas pelas eleições presidenciais do ano passado, quando o mercado especulava qual seria o rumo político que o Brasil seguiria.

O risco de um novo golpe militar, por conta dos atos antidemocráticos de 8 de janeiro, também foi uma das causas. No exterior, as sequelas deixadas pela covid-19 e a guerra entre Rússia e Ucrânia também pesaram sobre a moeda brasileira.

O economista e professor da UTFPR (Universidade Tecnológica Federal do Paraná) Marcos Rambalducci concorda com Pitaguari. Para ele, uma simples fala de um presidente da República é suficiente para deixar investidores em estado de alerta.

“Se o presidente insinua muito levemente que deixará a inflação subir mais do que a meta estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional, é mais que suficiente para fazer a taxa de câmbio explodir”, exemplifica.

Medidas econômicas

Sinival Pitaguari pondera que, antes mesmo de Lula tomar posse, a nova equipe ministerial surpreendeu o mercado positivamente ao aprovar a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) da Transição, permitindo que o governo cumprisse promessas de campanha benéficas à economia, como a reimplantação do Bolsa Família. Os projetos ligados ao Ministério da Fazenda (Fernando Haddad - PT) aprovados no Congresso também refletiram na valorização do real.

“O governo Lula tem conseguido vitórias no Congresso Nacional com duas medidas importantes: o Novo Arcabouço Fiscal e a primeira parte da Reforma Tributária. Essas conquistas foram bem-vistas pelo mercado, favorecendo a valorização do real”, afirma.

Real valorizado ou desvalorizado?

Para Rambalducci, a solução não está na supervalorização ou maxidesvalorização do real, mas sim na “arte” de mantê-lo estável. O professor da UTFPR ainda elenca alguns fatores positivos e negativos que a moeda nacional desvalorizada pode acarretar.

“Um real desvalorizado nos ajuda enormemente a vender nossa produção no mercado externo, pois fica mais barato para quem compra de nós, e isso traz dólares para o mercado interno, o que é bom”, inicia.

“[Com o real desvalorizado], se o produtor precisar comprar insumos importados, ele terá que pagar muito mais. Então, uma moeda desvalorizada tem potencial para aumentar a inflação internamente”, conclui.

Pitaguari concorda com Rambalducci, mas ressalta que a valorização do real pode ser ainda pior que a alta do dólar, pois prejudica as exportações de produtos nacionais e influi na balança comercial.

“Quando aumentamos as importações e diminuímos as exportações, estamos transferindo empregos e renda dos brasileiros para os cidadãos estrangeiros”, reflete.

Na visão do economista, “é melhor o brasileiro pagar mais caro por produtos importados do que ficar desempregado e não ter dinheiro para comprar nada”.

Desvalorização em dez anos

Um levantamento realizado pelas plataformas Bloomberg e FinDocs, divulgado pelo Economia Descomplicada, revelou as dez moedas que mais se desvalorizaram de 2013 a 2023. O real apareceu na quarta posição, atrás somente do peso argentino, da lira turca e do rublo russo. Vale ressaltar que países como a Venezuela, que fizeram alterações de moedas e cortes de zeros, não entraram na lista.

As maiores perdas foram da Argentina - Peso argentino: -99,1%; Turquia - Lira turca: -90,1%; Rússia - Rublo: -64,9%; Brasil - Real: -53,3%; África do Sul - Rand: -48,1%; Indonésia - Rupia indonésia: -34,2%; Austrália - Dólar australiano: -29,6%; Índia - Rupia indiana: -28,1%; e México - Peso mexicano: -25,1%.

Líderes no levantamento, Argentina e Turquia entraram no ranking após emitirem moedas desenfreadamente, gerando inflação e a desvalorização do peso e da lira. Já a Rússia passou por conflitos significativos nos últimos anos, como a anexação da Criméia e a guerra contra a Ucrânia, que geraram sanções econômicas.

Pitaguari explica que o principal motivo que gerou a desvalorização do real foi justamente a grande valorização que ocorreu na década anterior, entre os anos 2003 e 2012.

Já Rambalducci explica que, durante o período citado, o que fez a moeda brasileira entrar na lista dos desvalorizados foi a baixa produtividade. “Outros países avançaram mais na implementação de sua produção que nós, e isso fez com que nossa moeda perdesse valor frente às demais”, diz.

O professor da UTFPR também culpa a administração pública pelos resultados, por investir pouco em educação básica, educação profissionalizante e estrutura logística, além de apostar em políticas que não favoreceram o investimento em tecnologia e inovação.