Brasília - Substituir o teto de gastos por uma meta de despesas, separando as obrigações correntes de curto prazo (que sustentam o custeio da máquina pública) do gasto com investimentos de longo prazo. Esse é um dos pilares do novo arcabouço fiscal proposto pelo grupo de economistas da transição, que reuniu André Lara Resende, Guilherme Mello, Nelson Barbosa e Persio Arida.

Dos quatro, estão no governo hoje Mello (secretário de política econômica) e Barbosa (diretor do BNDES).

O quarteto entende que o conceito de meta para gastos poderia transportar para a política fiscal princípios que foram bem-sucedidos com o uso do sistema de metas de inflação na política monetária, como previsibilidade e senso de compromisso.

A proposta foi entregue aos integrantes do governo, mas não chegou a ser divulgada. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, já disse que o novo arcabouço vai ser debatido com diferentes interlocutores, inclusive com representantes do mercado financeiro. A sugestão do grupo da transição é uma das que estão na mesa.

Dentro do PT, porém, existe um grupo que prefere a volta ao passado. Essa corrente defende que o terceiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) retome a lógica de se cumprir apenas a meta de resultado primário, retirando da conta investimentos públicos, por exemplo. Se essa ideia prevalecer, todas as sugestões alternativas de novo regime fiscal ficariam na gaveta.

O quarteto de economistas da transição não chegou a definir uma regra formal no relatório final, mas traçou pilares que dão um norte para o arcabouço que consideram mais eficiente.

Segundo relatos ouvidos pela Folha de S.Paulo, em princípios gerais o grupo defendeu que um regime fiscal eficiente deve ser transparente e embasado em planos de longo prazo, com mecanismos para impedir gastos perdulários e demagógicos. Deve haver critérios para que o Estado busque eficiência do custeio e seja efetivo na prestação dos serviços públicos, mas sem a rigidez da regra do teto.

O grupo também afirmou que a aplicação dos recursos precisa ser submetida a análises periódicas para que seja possível monitorar custos, benefícios e retornos da aplicação do dinheiro público pelo Estado.

O ponto de partida para a fixação da meta de gastos até poderia ser uma proporção do PIB (Produto Interno Bruto) -o valor registrado para o Orçamento, no entanto, seria nominal e fixo.

Segundo o grupo, seria possível incorporar à construção da meta de gastos alguns princípios do regramento aplicado à antiga meta de resultado primário. Antes do teto, o governo definia o resultado primário para o ano seguinte e fazia projeções para anos subsequentes, oficializando os valores na LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias).

A meta de gasto para o ano seguinte seguiria esse rito e também seria associada a um conjunto de projeções, o que incluiria estimativas de receita, de resultado primário, do pagamento de juros e da dívida.

Também seriam apresentados cenários de gastos para anos seguintes, sem compromisso de cumprimento, mas que serviriam como nortes, baseados em projeções.

O valor anual do gasto seria um parâmetro fixo. Não seria possível gastar mais que o determinado. Em contrapartida, pela proposta, não haveria contingenciamentos. Cada área teria a sua meta de gasto e se planejaria dentro daquele montante.

Há alguns detalhes importantes.

A meta de gasto dos investimentos, ou gasto de capital, mesmo sendo fixada anualmente dentro da meta global de gasto, com projeções para os anos seguintes, seria definida a partir de um plano de longo prazo.

Não seria permitido migrar os recursos de um tipo de gasto para outro -gastar menos em investimentos, por exemplo, para ampliar gastos correntes, e vice-versa.

Dentro de gastos correntes seria desejável fixar meta de gastos com pessoal, baseada em um plano salarial para os servidores, bem como ter projeções para o efetivo de servidores -uma espécie de planejamento de ações em recursos humanos. Isso evitaria as flutuações de pessoal e os contratempos com demandas por reajustes.

CENÁRIO DE DÍVIDA X GATILHO DA DÍVIDA

O tratamento dado pelo grupo de transição à questão da dívida tem diferenças importantes em comparação a outras propostas de regra fiscal, como as apresentadas pelo Tesouro Nacional, grupo Elas no Orçamento e o economista Felipe Salto.

Elas sugerem que a dívida pode funcionar como gatilho. Ou seja, acima de um determinado patamar de endividamento, o gasto é travado, por exemplo.

O quarteto de economistas não considera o procedimento adequado porque a dívida pública brasileira oscila por razões não fiscais. Pode ser afetada pelo câmbio, por exemplo, que tem oscilado muito.

Entende, na proposta, que a meta de gasto deve considerar uma trajetória de dívida, mas sem usar o valor da dívida como trava.

O novo arcabouço trabalharia com a dívida líquida, como ocorre na maioria dos países. No Brasil, a discussão entre usar dívida líquida ou bruta dentro do regramento fiscal gerou muitos embates, mas a questão já foi pacificada em nível internacional. Recentemente, até a Nova Zelândia, antiga defensora do uso da dívida bruta como parâmetro, adotou a dívida líquida em sua regra fiscal.

Foi considerado importante ter válvula de escape para o caso de a meta de gastos e os cenários serem atropelados por eventos excepcionais, como pandemia, catástrofes climáticas ou crise financeira global. Nesse caso, seria preciso apresentar um plano, prevendo ações e prazos para recuperação da trajetória da meta e dos cenários originais.

Como tratar o resultado primário gerou discussões.

Um dos pontos debatidos foi se seria adequado fixar um intervalo de tolerância para o primário, aplicando condicionantes, a depender do resultado. Se o intervalo fosse rompido, o governo teria de explicar como retomaria a meta, como faz o Banco Central no caso de não cumprimento da meta de inflação.

Também se discutiu qual poderia ser o tratamento em caso de um déficit excessivo. A União Europeia, por exemplo, adota sanções, mas elas foram sendo alteradas ao longo dos anos, à medida que o cenário mudava para os diferentes integrantes do bloco. Seria preciso avaliar as medidas mais adequadas para a realidade brasileira.

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