É POSSÍVEL RECLAMAR POR PROBLEMAS NOS PRODUTOS MESMO APÓS O FIM DA GARANTIA CONTRATUAL?
PUBLICAÇÃO
quarta-feira, 29 de junho de 2022
Felipe Assad Abujamra

Muitas vezes nos deparamos com situações inusitadas no que diz respeito aos bens de consumo de longa duração adquiridos no cotidiano. Ao comprarmos, por exemplo, uma geladeira, computadores ou celulares, a expectativa é que eles funcionem por um período razoável.
Infelizmente, tem sido comum que produtos, em tempo muito inferior ao ordinariamente esperado, apresentem vícios que impeçam o seu regular uso.
Nesse contexto, o que fazer quando os problemas já não se encontrarem albergados pela garantia contratual?
Em situações como as aqui narradas, nas quais se constata a existência de um problema não perceptível de pronto pelo consumidor, muitos acreditam não mais subsistir o direito de pleitear o reparo ou a troca do bem, se ultrapassado o prazo da garantia contratual.
Ocorre que o Código de Defesa do Consumidor trata esse fato como “vício oculto”. O chamado vício oculto, nos dizeres da doutrina, se caracteriza quando o problema na coisa não for de fácil constatação, porque o defeito se revela apenas com o seu uso.
Segundo o referido Código, no caso de vício oculto, o prazo de garantia inicia-se no momento em que ficar evidenciado o defeito.
Logo, mesmo que decorrido um prazo muito superior ao da garantia contratual, ainda assim seria possível pleitear a troca ou o reparo.
E para evitar que a responsabilidade em proveito do consumidor seja eterna (já que, como visto, o vício oculto deve ser indenizado a partir de quando ficar aparente), é preciso delimitar a linha tênue entre vício e desgaste natural da coisa.
Nesta análise entra a atuação do Superior Tribunal de Justiça. O seu posicionamento tem caminhado no sentido de que, embora exista a ideia de que o fornecedor não é eternamente responsável pelos vícios, sua responsabilidade deve ser ponderada, caso a caso, não pelo critério da garantia contratual, mas sim por aquilo que se convencionou chamar de “vida útil do produto”.
O conceito de vida útil do produto foi desenvolvido pela doutrina consumerista e adotada pelo Superior Tribunal de Justiça, ao tratar dessa mudança de “qualidade no tempo” dos bens duráveis postos no mercado.
Dessa forma, tratando-se de problema não decorrente do desgaste natural da coisa (critério da vida útil), mas sim que é fruto de um erro na fabricação, no projeto, no cálculo estrutural, na resistência de materiais, na qualidade dos materiais etc., e que se revele apenas com o uso, o prazo de reclamação se inicia só no momento em que ficar evidenciado o defeito, mesmo finda a garantia contratual (Resp. 1.787.287-SP)
Logo, se o vício é aparente, visível, perceptível aos olhos do consumidor, certamente lhe cabe exigir a sua reparação dentro do prazo contratual e/ou legal de garantia.
Contudo, nos casos enquadrados nas situações aqui descritas, deve-se aferir a vida útil do produto e, em se verificando que não se trata de desgaste natural, reclamar pelos direitos do consumidor inclusive depois de expirada a garantia contratual.
Como já ressaltado, tal análise não pode ser feita de maneira genérica, mas sim em cada situação específica, razão pela qual o auxílio de um advogado da área consumerista é sempre o melhor caminho para ver solucionada a questão.
Felipe Assad Abujamra é advogado em Londrina
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