A trégua no mercado de câmbio na terça-feira durou pouco. Após cair a R$ 3,94 na mínima da terça-feira, o dólar subiu 1,79% nesta quarta - maior alta porcentual desde 27 de março - e fechou em R$ 4,0388 - valor mais alto desde 23 de maio. Indicadores fracos da atividade econômica na China e na Alemanha renovaram preocupações com a perda de fôlego da economia mundial e provocaram forte fuga de ativos de risco no mercado financeiro mundial. Nos Estados Unidos, a inversão da curva dos rendimentos do títulos de 2 e 10 anos do Tesouro, mecanismo que historicamente não costuma falhar em prever recessões na maior economia do mundo, adicionou ainda mais preocupação nas mesas de operação em Wall Street. No mês, o dólar já acumula alta de 5,7%.

No mercado local, as mesas de câmbio monitoraram ainda a situação da Argentina, que teve novo dia de intervenções do Banco Central no câmbio, que não evitaram nova disparada de 8% da moeda americana no país vizinho. Os estrategistas do banco dinamarquês Danske Bank Jakob Ekholdt Christensen e Vladimir Miklashevsky avaliam que a Argentina pode seguir tendo algum contágio no Brasil, pela proximidade, mas o que vai pesar mesmo no apetite ao risco dos investidores e nos mercados de moedas emergentes, incluindo o real, é o desenrolar da relação comercial China/Estados Unidos, a situação da economia mundial e os rumos da política monetária do Federal Reserve (Fed, o banco central americano).

Nesta quarta o que pesou mais foi o segundo destes fatores, o estado da economia mundial. O dólar abriu em alta aqui e seguiu assim o dia todo, com investidores aumentando posições defensivas no mercado futuro. Só nos últimos cinco dias, os estrangeiros aumentaram apostas contra o real, em posições compradas na B3, em US$ 1,7 bilhão. Na mesma estratégia, os fundos de investimento reduziram posições vendidas (que apostam na queda do dólar) em US$ 1,6 bilhão.

"Os números econômicos chineses vieram muito ruins e provocaram forte reação negativa e os investidores compraram dólar", ressalta o responsável pela área de câmbio da Terra Investimentos, Vanei Nagem. Por isso, enquanto esse impasse comercial não for resolvido, o dólar pode testar níveis ainda mais altos. Apesar do nervosismo, ele observa que não houve problema de liquidez no mercado. A taxa do dólar casado (a diferença entre o dólar à vista e o futuro) caiu a 5,70 pontos, mas seguindo dentro do padrão de normalidade do mercado.

Com o "tsunami de números negativos" vindos do exterior, o chefe da mesa de câmbio da Frente Corretora, Fabrizio Velloni, observa que o noticiário local positivo, como a aprovação da MP Liberdade Econômica, não conseguiu reverter o movimento de compra de dólares. O Ibovespa caiu quase 3%, com as vendas de ações por investidores estrangeiros pressionando ainda mais o câmbio.

Bovespa - O Índice Bovespa foi fortemente contaminado pela aversão ao risco no mercado internacional e fechou em queda de 2,94% nesta quarta-feira, aos 100.258,01 pontos, depois de ter registrado mínima em 99.954,75 (-3,24%). No radar do investidor estiveram os dados fracos da economia chinesa e de países da Europa, além da inversão da curva de juros nos Estados Unidos, um indicador de risco de recessão. A crise na Argentina também compôs o cenário de preocupações, uma vez que o banco central local continua a ter de promover leilões de títulos e de dólares, na tentativa de conter a volatilidade dos seus ativos.

Das 66 ações que compõem a carteira teórica do índice, nenhuma fechou em alta, nem mesmo as exportadoras, que em tese são beneficiadas pela alta do dólar. As bolsas de Nova York tiveram perdas da ordem de 3% e foram importante referência para os negócios no Brasil, assim como os preços do petróleo, que chegaram a registrar queda de até 5%. Nesse ambiente de temor de desaceleração global, as ações da Petrobras, Vale e siderúrgicas registraram as maiores baixas entre as blue chips. Petrobras ON e PN perderam 3,08% e 3,37%, enquanto Vale ON caiu 3,48%.

Enquanto perdurar as incertezas em relação à guerra comercial entre Estados Unidos e China, não há esperança de redução significativa da volatilidade nos mercados de ações. Segundo Shin Lai, estrategista e analista da Upside Investor, esse ambiente tende a manter a sensibilidade das ações de empresas com atividade internacional, como as de materiais básicos, já bastante castigadas neste ano. Em contrapartida, diz, a expectativa de que o governo conseguirá promover uma recuperação econômica mantém a perspectiva mais positiva para papéis ligados a consumo. Apesar do contágio da crise da Argentina nesta semana, o analista descarta um efeito maior.

"O investidor mostra alguma ansiedade ao se perguntar se a gestão liberal que não deu certo na Argentina também será mal sucedida no Brasil, mas a verdade é que estruturalmente os dois países são diametralmente opostos. Além disso, enquanto o presidente argentino não conseguiu aprovar nenhuma reforma, as coisas estão caminhando no Brasil", afirma.

Na opinião dele, são justamente esses avanços que podem minimizar efeitos de uma crise global no Brasil. "Olhando a perspectiva do Brasil, há no pipeline questões muito positivas, como a reforma da Previdência e as discussões para a reforma tributária. Do lado macroeconômico, há respostas que fazem com que o Brasil possa andar com as próprias pernas.

Na análise por índices setoriais da B3, a maior queda do dia foi do indicador de materiais básicos (IMAT), com -3,38%. Já o índice de energia elétrica (IEEX) teve a menor variação negativa, com -2,27%.

Taxas de juros - A aversão ao risco voltou com tudo sobre os mercados nesta quarta-feira e o segmento de juros, mesmo diante do reforço do viés desinflacionário global, não escapou e fechou com taxas em alta, mais pronunciada nos vencimentos intermediários e longos. Porém, o avanço, na média em torno de 10 pontos-base, das principais taxas mostra que os ativos de renda fixa doméstica foram menos penalizados pela tormenta externa, comparativamente ao câmbio e às ações. Mesmo com o dólar acima de R$ 4, a inclinação da curva foi limitada pela percepção de que o contexto externo pode reforçar o ciclo de afrouxamento monetário no Brasil, enquanto o noticiário positivo em torno das reformas vindo de Brasília também tem funcionado com um filtro.

A taxa do contrato de Depósito Interfinanceiro (DI) para janeiro de 2021 subiu de 5,389% ontem no ajuste para 5,46%. A do DI para janeiro de 2023 fechou em 6,47%, de 6,361% no ajuste anterior. E a do janeiro de 2025 encerrou em 6,95%, de 6,871%.

A inversão da curva da T-Note de 2 e 10 anos nos Estados Unidos pela manhã, vista como forte prenúncio de recessão, e dados ruins nas economias da Europa e da China formaram o cenário que castigou ativos de economias emergentes. Ao mesmo tempo, na Argentina, o mercado vai digerindo mal a hipótese, considerada muito provável, da oposição kirchnerista assumir o poder na eleição de outubro, o que afunda o peso argentino e traz alguma contaminação a seus pares, como o real.

Para a curva local, contudo, o movimento ascendente das taxas é considerado como uma consequência da recomposição de carteiras que normalmente acontece em dias como esta quarta. "É cada vez mais claro que o ambiente é recessivo lá fora e isso não altera a percepção dos fundamentos aqui. Podemos ter essas variações na curva por ajustes técnicos", disse o economista-chefe da Guide Investimentos, João Mauricio Rosal. Mesmo a pressão no câmbio, por ora, não compromete as apostas de queda da Selic porque o hiato do produto está num nível de abertura tão grande que é difícil haver espaço para repasse da alta do dólar aos preços.

A percepção de avanço das pautas econômicas do Congresso também ajuda a conter a inclinação da curva, na medida em que traz melhora na perspectiva para a área fiscal. O presidente do Senado, Davi Alcolumbre, reiterou que "o cronograma da reforma da Previdência está bem encaminhado" para aprovação da proposta no começo de outubro, enquanto a Câmara na terça aprovou o texto-base da MP da Liberdade Econômica e nesta quarta deve votar os destaques.