De acordo com analistas, o empresário que manteve a cultura exportadora mesmo com um dólar baixo, vai passar por um momento bom agora: ganho de mercado e competitividade
De acordo com analistas, o empresário que manteve a cultura exportadora mesmo com um dólar baixo, vai passar por um momento bom agora: ganho de mercado e competitividade | Foto: Sérgio Ranalli/02-08-2017



A cotação do dólar aumentou fortemente desde o início de abril e chegou aos R$ 3,54 na última quarta-feira (2), pico em quase dois anos, em um movimento puxado pela expectativa de alta nas taxas básicas de juros dos Estados Unidos, o início da guerra comercial internacional promovida pelo governo Trump e, internamente, a recuperação econômica mais lenta. O salto de R$ 0,24 desde o fechamento de março, ou de 7,2%, fez com que o BC (Banco Central) promovesse leilões de contratos na moeda, para tentar segurar a forte flutuação que mexe com o comércio exterior e com o bolso do brasileiro.

Os combustíveis, o trigo do pão francês e o papel das embalagens são alguns dos produtos que estão no dia a dia do brasileiro e que são precificados em dólar. Com a valorização cambial, existe uma pressão inflacionária sobre esses produtos, ainda que analistas digam que, até o momento, o peso seja pequeno.

Por outro lado, indústrias exportadoras e produtores de commodities lucram mais e ganham competitividade dentro do mercado mundial. O mesmo, porém, não se pode dizer de fábricas intensivas em uso de matérias-primas importadas, como as de medicamentos. Ainda assim, dizem analistas, estoques e contratos fechados com antecedência permitem um compasso de espera nas compras.

"A taxa de câmbio é a variável mais difícil de se prever na economia, pelo número de fatores de que sofre interferência. O que podemos dizer é que essas variáveis mudaram nas últimas semanas e levaram a um aumento do patamar do dólar", diz o economista Eugenio Stefanelo, professor da UFPR (Universidade Federal do Paraná) e da FAE.

Ele lembra que os analistas do BC consideravam que o dólar variaria de R$ 3,10 a R$ 3,40, para fechar o ano nos R$ 3,50. Para Stefanelo, o teto anterior pode passar a ser uma média. "Temos uma incerteza interna que deve perdurar até as eleições, o governo atual acabou em termos de ações econômicas e passamos a conviver com a expectativa de alta de juros nos EUA, que tira do Brasil o capital especulativo", diz. "Podemos considerar esse patamar em R$ 3,60", completa.

Para o analista econômico Roberto Zurcher, da Fiep (Federação das Indústrias do Estado do Paraná), o impacto inflacionário poderia aparecer, mas apenas em prazo médio de dois meses. Ele acredita que a cotação deve se estabilizar antes, mas mesmo assim vê benefícios para o setor terciário. "É o momento de se produzir aqui o que é importado, porque existem alguns produtos que não se pode deixar de comprar, como roupas para outono e inverno", diz.

Zurcher reconhece, contudo, que o baque inicial possa assustar. "O maior problema é na importação de bens de consumo que nossa indústria não consegue fornecer, fruto do processo de desindustrialização que sofremos durante muitos anos."

DUAS REALIDADES
Gerente comercial da Paraná Trading em Londrina, João Fernando Zoghbib afirma que a cotação mais alta do dólar permite que os brasileiros ganhem mercado e competitividade. "Em produtos de maior valor agregado, pode-se optar por diminuir o preço em relação a concorrentes ou ter margens maiores de lucro", diz.

A vantagem maior, entretanto, depende de uma cotação menos volátil. Zoghbib diz que, em commodities, é comum fazer uma média de preço pela última semana, mas que industrializados usam um histórico quatro vezes maior. Mesmo assim, exemplifica que, nas rodadas de negócios com compradores internacionais de produtos alimentícios, na Apas (Associação Paulista de Supermercados), o número de interessados passou de 28 em 2017 para mais de 40 neste ano. "Se o empresário manteve a cultura exportadora mesmo com um dólar baixo, vai passar por um momento bom agora."

Nem todos estão nesse mesmo cenário. O presidente do Sivepar (Sindicato Intermunicipal das Indústrias do Vestuário do Paraná), Alexandre Graciano de Oliveira, lembra que o setor que representa tem sofrido e muito com a concorrência chinesa e está longe de se pensar em exportações. "Não me preocupo com o dólar, mas com o consumo interno, que ainda está muito retraído."

Oliveira até acredita que um dólar mais caro poderia diminuir a entrada de roupas chinesas no Brasil, mas enxerga outro problema. "Precisamos de mais empregos e com carteira assinada para as pessoas comprarem mais", diz. Ele cita que o Brasil tem um custo alto pelo crédito para investimentos e de produção, mas que já teve um mercado consumidor mais movimentado. "Tenho dito a empresários que falam em levar a empresa ao Paraguai para não fazerem isso, porque eles podem até gastar menos para produzir, mas vão causar desemprego aqui e continuar sem ter para quem vender. Competir com o produto chinês lá fora é que eles não vão conseguir", completa.

Consumo interno preocupa mais as indústrias do vestuário
Nem todos estão no mesmo cenário favorável dos produtos alimentícios. O presidente do Sivepar (Sindicato Intermunicipal das Indústrias do Vestuário do Paraná), Alexandre Graciano de Oliveira, lembra que o setor que representa tem sofrido e muito com a concorrência chinesa e está longe de se pensar em exportações. "Não me preocupo com o dólar, mas com o consumo interno, que ainda está muito retraído."

Oliveira até acredita que um dólar mais caro poderia diminuir a entrada de roupas chinesas no Brasil, mas enxerga outro problema. "Precisamos de mais empregos e com carteira assinada para as pessoas comprarem mais", diz. Ele cita que o Brasil tem um custo alto pelo crédito para investimentos e de produção, mas que já teve um mercado consumidor mais movimentado. "Tenho dito a empresários que falam em levar a empresa ao Paraguai para não fazerem isso, porque eles podem até gastar menos para produzir, mas vão causar desemprego aqui e continuar sem ter para quem vender. Competir com o produto chinês lá fora é que eles não vão conseguir", completa.

Produtores de commodities comemoram margem maior
Os produtores de produtos básicos têm mais a comemorar. O aumento da cotação do dólar elevou as margens de lucro que já começavam a ficar maiores por motivos como a quebra de safra na Argentina e a maior procura pela soja e pelo milho brasileiros diante da disputa comercial entre Estados Unidos e China.

"A cotação dos produtos já estava aumentando e a paridade medida em reais também ficou maior", simplifica o professor de economia Eugenio Stefanelo. Já suinocultores e avicultores sentem encarecer os custos de produção, pela valorização da ração. Há ainda maiores dificuldades para exportar carne de frango, diante de barreiras sanitárias impostas a frigoríficos brasileiros.

O economista Roberto Zurcher, da Fiep (Federação das Indústrias do Estado do Paraná), lembra que o Paraná, forte no agronegócio, costuma ter mais vantagens. "Temos ainda muita força em papel, madeira e celulose."