Dólar despenca após Haddad prever pacote de cortes de gastos
Mercado ainda segue de olho na eleição presidencial norte-americana, bem como nas decisões de juros dos bancos centrais do Brasil e dos EUA
PUBLICAÇÃO
segunda-feira, 04 de novembro de 2024
Mercado ainda segue de olho na eleição presidencial norte-americana, bem como nas decisões de juros dos bancos centrais do Brasil e dos EUA
Tamara Nassif - Folhapress
São Paulo - O dólar despencou 1,47% nesta segunda-feira (4), cotado a R$ 5,783, com investidores repercutindo a previsão de que o pacote de corte de gastos do Ministério da Fazenda será anunciado ainda nesta semana.
A notícia foi dada pelo chefe da pasta, Fernando Haddad, em entrevista coletiva a jornalistas em Brasília. Segundo ele, as medidas de contenção de gastos públicos a serem anunciadas pelo governo estão "muito avançadas" do ponto de vista técnico, o que pode permitir o detalhamento dos planos nos próximos dias.
O mercado — que também segue de olho na eleição presidencial norte-americana e nas decisões de juros dos bancos centrais do Brasil e dos Estados Unidos — recebeu as falas do ministro como uma sinalização de que a estabilidade das contas públicas se tornou um assunto de primeira ordem dentro do governo.
A Bolsa, na esteira, disparou 1,86%, aos 130.514 pontos, amparada pelo alívio na curva de juros futuros.
Antes das falas de Haddad, o mercado já repercutia a permanência do ministro do Brasil. Ele teve a viagem à Europa cancelada a pedido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva no domingo.
"Minha ida [à Europa] estava dependendo dessa definição, se esta semana ou semana que vem seriam feitos os anúncios. Como o presidente Lula pediu para eu ficar e como as coisas estão muito adiantadas do ponto de vista técnico, acredito que estejamos prontos esta semana para anunciar [o pacote]", afirmou.
O ministro esteve com Lula na manhã desta segunda, em encontro que teve como pauta as reuniões do G20. À tarde, se reuniram novamente para tratar do tema fiscal.
Ele disse que há "várias definições" sobre as medidas de gastos e que o presidente passou o fim de semana trabalhando o assunto em contato com técnicos, mas não apresentou detalhes do pacote.
"Por deferência ao presidente, ele que vai organizar a comunicação, a reunião da tarde tem essa finalidade, vamos aguardar algumas horas, ele que vai definir quem comunica, como comunica. Peço algumas horas para termos um encaminhamento da parte dele", afirmou.
O ministro passaria a semana em eventos em Paris, Londres, Berlim e Bruxelas, e, segundo um interlocutor ouvido pela Folha, a ausência do chefe da ala econômica tornaria "praticamente impossível" que o plano fosse definido nos próximos dias —a contragosto do mercado, que espera celeridade na resolução das incertezas fiscais.
Em reação à viagem e a pressões externas, o dólar disparou 1,52% na sexta-feira (1º), cotado a R$ 5,869, o maior patamar para a moeda norte-americana desde o início da pandemia, quando, em 15 de maio de 2020, esteve cotada a R$ 5,841.
"A permanência de Haddad é uma sinalização muito importante para os investidores. É claro que não soluciona o problema, ainda é preciso ver como o pacote será apresentado ao Congresso e negociado nas alas políticas, mas já é um bom sinal", diz Matheus Spiess, analista da Empiricus Research.
"[O detalhamento] vai ser importante para trabalhar melhor as expectativas da trajetória de endividamento no contexto do arcabouço fiscal, para ele ser executivo."
Para os investidores, o governo precisa ajustar a ponta das despesas, e não só reforçar a arrecadação, para garantir a longevidade do arcabouço fiscal.
A previsão de encaminhar ao Congresso Nacional ainda em 2024 um pacote de revisão de gastos estruturais foi anunciada pela ministra Simone Tebet (Planejamento e Orçamento) em 15 de outubro. Na ocasião, afirmou que as medidas seriam enviadas após as eleições municipais, que terminaram no domingo passado (27).
Mas, para Alex Agostini, economista-chefe da agência classificadora de risco Austin Ratin, só o aceno à responsabilidade fiscal não será o suficiente para garantir uma queda sustentável do dólar ao longo dos próximos dias.
Além de o mercado exigir medidas concretas, a desvalorização do real está atrelada, em grande parte, a incertezas das eleições presidenciais nos Estados Unidos.
Pesquisas de opinião indicam que o candidato republicano Donald Trump e a atual vice-presidente democrata Kamala Harris estão em empate técnico. No mercado de apostas, porém, as chances de um retorno do ex-presidente à Casa Branca são maioria, levando o mercado a precificar o impacto das propostas de Trump na economia.
O republicano promete aumento tarifário sobre as importações, especialmente as chinesas, e um possível corte de impostos — medidas que são vistas como inflacionárias e que podem influenciar o Fed (Federal Reserve, o banco central norte-americano) a manter juros elevados por mais tempo, o que fortalece o dólar.
Na visão do economista-chefe da Genial Investimentos, José Márcio Camargo, o desfecho da eleição será fundamental para definir o cenário da economia mundial nos próximos anos.
O dólar registrou perdas globalmente. No DXY, a desvalorização era de 0,40%.
A semana ainda guarda as decisões de juros do Fed e do Copom (Comitê de Política Monetária) do BC (Banco Central).
Por causa das eleições presidenciais, a reunião da autoridade norte-americana foi adiada em um dia e irá ocorrer entre quarta e quinta-feira, enquanto a decisão do comitê brasileiro será anunciada na quarta-feira, como de praxe.
A expectativa dos agentes financeiros é que o Fed dê continuidade ao ciclo de afrouxamento nos juros. Na reunião de setembro, o colegiado reduziu a taxa em 0,5 ponto percentual, levando-a à banda de 4,75% e 5% — o primeiro corte em quatro anos.
O movimento é o oposto do BC brasileiro. Aqui, o Copom decidiu reiniciar o ciclo de apertos na taxa Selic na reunião passada, quando optou por uma alta de 0,25 ponto percentual e levou os juros a 10,75% ao ano.
Com a piora no cenário econômico nos últimos 45 dias, o mercado espera que o comitê acelere o ritmo de altas para 0,5 ponto percentual.
Economistas ouvidos pela Folha de S.Paulo veem necessidade de um choque maior de juros para levar a inflação para a meta devido a uma série de fatores, sobretudo ao risco fiscal.