SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Dois dias antes de anunciar ter reavaliado a decisão de não pagar as verbas rescisórias dos funcionários que demitiu, a rede de churrascarias Fogo de Chão havia sido processada pelo Ministério Público do Trabalho em uma ação civil pública de R$ 70 milhões por dano moral coletivo.

As demissões foram feitas em meio à crise econômica da pandemia de Covid-19.

A Fogo de Chão ainda tentou tornar a ação sigilosa. Na sexta-feira (29), a juíza do trabalho substituta Ana Larissa Lopes Caraciki negou o pedido e considerou que o tipo de atividade da rede de churrascarias não envolve dados sensíveis. "A atribuição de segredo de justiça apenas atenderia a interesses predominantemente patrimoniais", diz, na decisão.

Os pedidos feitos pelo MPT na ação, como o dano moral coletivo, a reintegração dos funcionários demitidos, a manutenção do plano de saúde e a indenização de quatro vezes o salário para cada empregado, ainda não foram analisados pela Justiça do Trabalho.

O pedido de segredo de justiça foi apresentado durante audiência de conciliação realizada na quinta (28). Os representantes da empresa disseram que a medida evitaria "interpretações equivocadas por parte da mídia", além da exposição de dados financeiros.

Na quarta (27), a empresa anunciou que "dadas as questões jurídicas levantadas", havia reconsiderado a decisão e, com isso, pagaria integralmente as verbas rescisórias de 436 funcionários que receberam apenas 20% da multa do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço). O aviso prévio indenizado não foi pago.

O MPT afirma, na ação, que são 690 os funcionários que não receberam todos os valores a que teria direito com a demissão.

Quando fez as demissões, a Fogo de Chão utilizou o artigo 486 da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), chamado no meio jurídico de teoria do fato do príncipe. Empresas têm utilizado uma interpretação desse dispositivo para evitar o pagamento das verbas rescisórias.

Segundo esse entendimento, como o fechamento dos negócios ocorreu como consequência dos decretos de quarentena impostos por prefeitos e governadores, caberia aos entes públicos a responsabilidade pelo pagamento dos valores.

Em março, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), em guerra com as medidas de restrição, disse que comerciantes poderiam cobrar de autoridades os pagamentos de encargos trabalhistas.

A rede de churrascarias defendeu a utilização do artigo em inquérito iniciado pelos procuradores do trabalho para apurar irregularidades nas demissões.

A procuradora Viviann Brito Mattos diz na ação civil pública contra a Fogo de Chão que há pelo menos seis situações que impedem a aplicação do artigo 486, que são: fato previsível ou evitável, paralisação por conduta do empregador, atividade baseada em ato precário (caso dos decretos estaduais e municipais), empresa não ter usado alternativas oferecidas pela administração pública, falta de correlação entre as ações do poder público e a paralisação do trabalho e quando houver alguma chance de o negócio continuar.

Para ela, a Fogo de Chão tinha como prever os efeitos das medidas de contenção da pandemia sobre o negócio.

Afirma também que a rede deu férias para os funcionários por alguns dias, mas não adotou "meios alternativos compensatórios" previstos nas medidas provisória 927 e 936 publicadas pelo governo Bolsonaro em março e abril.

A primeira flexibiliza concessão de férias e compensação de bancos de horas e feriados, e a segunda permite acordos individuais para corte de salário e jornada e suspensão de contratos de trabalho.

O MPT afirma na ação também considerar grave o fato de a empresa ter recorrido a uma demissão em massa sem prévia negociação.

Segundo a procuradora, a rede de churrascarias chegou a afirmar que precisou encerrar as atividades e manteve apenas "10% de seus empregados, apenas que estes pudessem auxiliar no encerramento das atividades". Em seguida, porém, a defesa se contradiz ao afirmar que as vendas por meio do delivery eram tímidas e correspondiam a 5% do faturamento normal da empresa.

Em 2018, o grupo de investimentos norte-americano Rhône Capital comprou a rede de churrascarias em um negócio de US$ 560 milhões.

Para o Ministério Público do Trabalho, "a grandiosidade, o tamanho, a extensão e o desenvolvimento empresarial espantam da mesma forma e na mesma intensidade em que a empresa dispensa 690 empregados no Brasil."