O peso da rotina doméstica obrigou muitas mulheres a se afastarem do mercado de trabalho entre 2020 e 2021, em razão da pandemia de Covid-19. Sem o apoio de creches e escolas, que tiveram as atividades suspensas durante a maior parte da crise sanitária, muitas delas foram forçadas a sacrificarem o emprego para cuidar da casa e dos filhos e outras foram dispensadas pelos empregadores. Agora, vencido o período mais crítico da pandemia, as mulheres encontram dificuldades de retomar a vida profissional. Mesmo com os índices de geração de empregos dando sinais de recuperação, mês a mês, é para as trabalhadoras que se impõem os maiores desafios.

O Boletim das Mulheres no Mercado de Trabalho, elaborado pelo NPEGen (Núcleo de Pesquisas de Economia e Gênero) da Facamp (Faculdade de Campinas), apontou aumento da força de trabalho no país no primeiro trimestre de 2022 na comparação com igual período do ano passado. Entre janeiro e março, um total de 4,6 milhões de brasileiros retornaram ao mercado profissional. Desse total, 2,2 milhões eram mulheres e 2,4 milhões eram homens.

Apesar de ter caído o número de pessoas sem uma atividade de 2021 para 2022, o número de desocupados segue alto em relação à série histórica. E entre a população desocupada e a população subocupada, as mulheres representam a maioria, um contingente de 54,4% e 54,8%, respectivamente. Da mesma forma, a subutilização da força de trabalho foi mais elevada para elas (56,6%). O estudo toma como base os microdados da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) Contínua, do IBGE.

Juntamente com a força de trabalho potencial, a subocupação revela a precariedade do mercado de trabalho e a vulnerabilidade das pessoas que se encontram fora dele, afirmam os pesquisadores do NPEGen. Na subocupação, as profissionais têm uma colocação, mas de forma precária. Já na força de trabalho potencial, elas estão fora do mercado contra seu desejo e suas necessidades. Nos dois casos, há a subutilização da força de trabalho.

“Quando a gente fala em mulheres, o que fez volume na pandemia e o que faz volume no retorno, vão ser as mulheres que estavam em trabalhos que exigiam delas pouca qualificação. As pessoas que têm mais dificuldade de voltar ao mercado de trabalho depois de ficar fora são aquelas que procuram trabalho na sua especialidade”, avaliou a professora de Economia da Facamp e pesquisadora do NPEGen, Daniela Gorayeb.

A pesquisadora ressaltou ainda o encolhimento do mercado de trabalho, que reduziu a oferta de vagas para todos os níveis de qualificação. “Os postos de trabalho ainda não retornaram com a mesma ênfase que tinham antes porque o poder de compra geral, os valores monetários que circulam hoje na economia por conta da inflação, caiu”, disse Gorayeb.

O estudo do NPEGen mostra ainda um grande aumento do número de pessoas indisponíveis, ou seja, que gostariam de trabalhar, mas que, por alguma razão, não têm condições de assumir uma vaga. Segundo o boletim, houve uma redução de 1,6 milhão de pessoas na indisponibilidade, mas 3,8 milhões ainda se consideravam indisponíveis para o trabalho. Entre elas, 2,5 milhões eram mulheres e 1,3 milhão, homens.

Para as mulheres, o principal motivo para estar fora do mercado de trabalho foi o cuidado com os afazeres domésticos (27,9%), seguido por ser muito idosa ou muito jovem (26,2%), problemas de saúde e gravidez (14,4%), estudar (11,5%), outro motivo (11,4%) e, finalmente, por não querer trabalhar (8,6%).

No caso dos homens, os cuidados com os afazeres domésticos aparecem em último lugar, citado por apenas 2,9% deles. O principal motivo alegado para não estar no mercado de trabalho foi o de ser considerado muito idoso ou muito jovem para trabalhar (30,5%), seguido por problemas de saúde (20,2%), estudar (18,6%), outro motivo (16,9%) e não querer trabalhar (11,0%).

RENDIMENTO MÉDIO

As diferenças entre homens e mulheres no mundo profissional não se restringem à disponibilidade e reinserção no mercado. Quando se observam os dados do rendimento médio entre os gêneros, as discrepâncias se acentuam e se for feito o recorte por cor ou raça, as desigualdades ficam ainda mais evidentes. O NPEGen apontou que, no geral, o salário médio dos trabalhadores brasileiros no primeiro trimestre do ano foi de R$ 2.548,90.

O maior rendimento médio observado foi para os homens brancos ou amarelos (R$ 3.620,70) e o menor, para as mulheres pretas ou pardas (R$ 1.731,70). Mulheres brancas ou amarelas tiveram um rendimento médio de R$ 2.772,10.

“Uma coisa importante para se mostrar é que as mulheres, especialmente as negras, são as maiores responsáveis pelos domicílios com crianças e sem cônjuges, são responsáveis exclusivas pelos cuidados e manutenção das crianças”, destacou Gorayeb. Considerando os índices elevados de inflação e o alto endividamento das famílias brasileiras, os principais fatores responsáveis pela perda do poder de compra dos brasileiros, a pesquisadora ressaltou a importância de se olhar para “o número imenso” de famílias onde só há uma pessoa com rendimento. “E essas pessoas são mulheres, principalmente negras, e que têm um rendimento muito menor do que as brancas. É uma vulnerabilidade.”

QUESTÃO ESTRUTURAL

Economista e supervisor técnico do Dieese-PR (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos no Paraná), Sandro Silva observa melhora em alguns indicadores do mercado de trabalho, como a taxa de desemprego, mas ressalta que embora haja mais gente ocupada, a qualidade das ocupações geradas diminuiu. Ele também aponta a taxa elevada de desalento. “O aumento da ocupação se deu, principalmente, entre as atividades informais e conta própria. Mas a precarização do mercado de trabalho é uma tendência que já vinha ocorrendo antes da pandemia. E a renda média do trabalhador, hoje, está equivalente ao que era em 2012.”

Quando se observam os índices do mercado de trabalho pelo recorte de gênero, apontou Silva, o que se revela é uma questão histórica e estrutural. A inserção da mulher no meio profissional normalmente se dá em ocupações mais precárias. Entre elas, é maior o grau de informalidade. “No mercado informal, as trabalhadoras domésticas são a maioria. No formal, elas estão nos segmentos com os salários mais baixos, que são o comércio varejista, a indústria do setor têxtil e vestuário, alimentação e o setor de restaurantes e hotéis, que pagam salários mais baixos na comparação com outros setores da indústria.”

O economista chamou a atenção ainda para a diferença salarial entre homens e mulheres, sempre com desvantagem para as trabalhadoras. No Paraná, em 2020, a diferença média nos vencimentos entre os dois gêneros era de 11,3%, mas aumenta quando a comparação é feita por setores. No setor financeiro, a discrepância chegava a quase 35%; no ensino, 34,5%; e na administração pública, 29%. “Quanto maior a escolaridade e os cargos, a diferença tende a aumentar”, disse Silva. “Isso ocorre também em relação aos negros, o que de certa forma, reflete o preconceito.”

Na pandemia, essas diferenças ficaram ainda mais evidentes. O economista avalia que durante a crise sanitária as mulheres foram mais afetadas em razão de ocuparem os postos de trabalho mais precários, nas atividades mais impactadas negativamente pela Covid-19. “O setor informal, o trabalho doméstico, elas perderam a ocupação. Nos restaurantes, as mulheres são maioria e muitos fecharam na época. E mesmo agora, esses setores têm uma realidade diferente.”

Além do preconceito e da discriminação, outro fator que também dificulta o ingresso ou retorno ao mercado profissional é a dupla jornada. “Apesar de a sociedade ter avançado nessa questão, a mulher acaba sendo a pessoa responsável pela grande parte das tarefas domésticas e cuidados com os filhos e, muitas vezes, ela acaba priorizando a vida doméstica em detrimento da carreira profissional. Por isso a importância de ter políticas públicas para ela ter a possibilidade de exercer uma atividade profissional.”

BUSCA POR EMPREGO

Mãe solo de três crianças, Thamires Rodrigues Silvério Carneiro está há cerca de sete meses sem exercer nenhuma atividade remunerada. Até o início de 2020, ela trabalhava no setor de limpeza do Aeroporto Governador José Richa, em Londrina, mas com a pandemia, a suspensão das atividades nas creches e escolas e a dificuldade de encontrar alguém que pudesse ficar com as crianças enquanto ela estivesse no trabalho, Carneiro decidiu deixar o trabalho.

Na época, contou ela, foi uma decisão difícil, e agora que não há mais restrições impostas pela Covid-19, as entrevistas de emprego e a distribuição de currículos nas empresas não têm dado resultado. “Está muito difícil arrumar serviço. Não consigo de jeito nenhum. Quando passo por uma entrevista, eles perguntam se tenho filhos, quantos são, se eles não vão me atrapalhar e mesmo quando eu digo que teria com quem deixá-los, não adianta. Eles nem chamam mais pela idade das crianças.”

Desde que deixou o emprego com carteira assinada no aeroporto, Carneiro passou a viver apenas do auxílio do governo e com o que ganha em trabalhos esporádicos fazendo faxina. “O auxílio não é aquela coisa, mas já ajuda porque as coisas estão muito caras. Eles (os empregadores) deveriam dar uma oportunidade. Não é porque a gente tem filhos que os filhos vão atrapalhar em alguma coisa. A gente quer trabalhar, tem vontade, não quero ficar só recebendo auxílio. Quero um emprego digno, formal, para poder dar algo a mais para os meus filhos.”

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