Com os hospitais lotados nos picos da pandemia do novo coronavírus, pacientes acometidos pela Covid-19 não tiveram outra escolha, a não ser procurar o sistema de saúde privado. Ao final do tratamento, além de enfrentar sequelas, muitos se viram atolados em dívidas. Campanhas para pacientes infectados pelo vírus começaram a se espalhar pelas redes sociais e aplicativos de mensagens, com o objetivo de arrecadar recursos para pagamento de tratamento e medicamentos, em paralelo a um cenário de crise econômica.

Imagem ilustrativa da imagem Custos do tratamento da Covid-19 endividam famílias
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No final de abril, após alguns dias com sintomas leves de Covid-19, o corretor de imóveis Rodrigo Rizzi, 42, foi internado em uma Unidade de Pronto-Atendimento (UPA) de Ponta Grossa, a 120 km de Curitiba. Ele foi intubado no dia 4 de maio, quando a família foi comunicada de que o ideal seria transferí-lo para uma UTI.

"Aí começou a luta para procurar vaga. A situação dele se agravou muito rápido, estava com todo o pulmão comprometido", contou a secretária Claudiane Nascimento dos Santos, 30, com quem Rizzi tem três filhos pequenos.

Segundo ela, o hospital da cidade tinha 12 pacientes na fila por leitos naquele dia, o que fez a família recorrer à rede particular. Ele só deixou o hospital no dia 29 de junho, levando consigo uma dívida de R$ 350 mil.

Além de pedir empréstimos, parentes e amigos fizeram uma vaquinha, que soma R$ 60 mil. A banda de rock da qual Rizzi faz parte também promoveu uma live e uma rifa em prol do amigo.

A estudante de fisioterapia Eduarda Almeida, 22, falou com a reportagem no aniversário de 50 anos do pai, o vereador Paulo Cesar Almeida, em 16 de junho. Mas a família não teve oportunidade de comemorar: Paulinho, como era conhecido, morreu no dia seguinte.

Com Covid-19, ele havia sido internado no dia 1º de junho em uma UPA de Rio Negro (a 110 km de Curitiba), onde vivia. Como seu quadro se agravou, depois de uma semana foi transferido para um hospital particular de Porto União (SC), na divisa com o Paraná.

"Foi uma corrida contra o tempo. No dia em que ele foi intubado, já estava faltando medicamentos para sedação, então ficamos desesperados atrás de vaga", contou a filha. A família ainda tem que lidar com a conta do hospital, que soma mais de R$ 50 mil. Até o início do mês, havia arrecadado cerca de R$ 15 mil.

"Principalmente na bandeira laranja e vermelha, no estado de superlotação, quem se interna pelo SUS tem todo tratamento de maneira gratuita. Se tiver cobertura do plano de saúde, não sofre coparticipação. Agora, se interna no particular, acaba tendo que arcar com todos os custos. Por mais que tenha plano de saúde, ele acaba sendo onerado, porque isso acaba revertendo em aumento no plano de saúde e de mensalidade depois", afirma Juliano Gasparetto, médico infectologista e professor da PUCPR. "Principalmente naquele pico (de casos) que teve, soube de casos que tiveram que acabar internando no particular."

ALTOS CUSTOS

Segundo Gasparetto, os maiores custos do tratamento da Covid estão relacionados ao tempo de permanência dos pacientes em UTI, que pode chegar a 30, 60 e até 90 dias. O uso de antibióticos também onera o tratamento. "Os pacientes acabam tendo a imunidade muito deprimida e ficando suscetíveis a infecções." O custo dos antibióticos utilizados na UTI chegam a ser sete a dez vezes maior que o comum, administrado em casa.

Pacientes de Covid também estão sujeitos a tratamentos de hemodiálise devido a complicações renais. "O custo por pessoa, dependendo do tipo de terapia, pode chegar a R$ 1.000 por dia." Também podem ser necessários medicamentos de profilaxia de prevenção à trombose, pelo fato de os pacientes ficarem muito tempo acamados, e prevenção de sangramento digestivo, por exemplo.

Além disso, o paciente também precisa contar, muitas vezes, com uma equipe multidisciplinar, como fisioterapeuta, fonoaudiólogo, nutricionista, psicólogo, devido à perda de massa muscular, fraqueza, dificuldade de falar, de engolir, se alimentar, ao stress pós-traumático, e outras complicações da doença. A reabilitação pode durar meses.

Pacientes com sequelas de Covid, na opinião de Walter Cintra, médico e especialista em gestão de Saúde da FGV (Fundação Getúlio Vargas), são os que mais sentiram os impactos financeiros do tratamento. "Bem ou mal, tanto o sistema público quanto privado atenderam as internações, exceto em situações quando houve o colapso do sistema. O grande problema que tem são pessoas que estão com sequelas de Covid. Nem o SUS, nem a saúde suplementar estavam preparados para enfrentar uma doença com essas características. Isso já é um tipo de serviço que tem uma grande demanda reprimida de modo geral. Acredito que muita gente está tendo que fazer a reabilitação com seus próprios recursos."

Governo do Estado estuda atender sequelados da Covid

Em nota, a assessoria de imprensa da Sesa (Secretaria de Estado da Saúde) afirmou que, mesmo em picos de lotação máxima das UTIs (Unidades de Terapia Intensiva), os pacientes continuaram sendo assistidos em leitos intermediários ou de enfermaria ou ainda nos serviços municipais, com suporte ventilatório e outros equipamentos disponibilizados para o atendimento. "Os pacientes que buscaram o Sistema Único de Saúde no Paraná não ficaram desassistidos."

No período da pandemia, o governo do Estado abriu 4.935 leitos exclusivos para a Covid-19, 2022 de UTI e 2.913 de enfermaria, diz a Sesa. Também realizou investimentos em equipamentos de suporte à estrutura hospitalar e em recursos humanos.

A reabilitação dos sequelados da Covid está no radar da secretaria, diz a nota. "Neste momento, em que existe um cenário mais favorável de controle da pandemia e que pela primeira vez desde 15 de novembro de 2020 a taxa de ocupação de leitos de UTI do SUS fica abaixo de 70%, a Sesa começa a planejar a organização de atendimentos específicos para a reabilitação dos sequelados pela Covid-19. O tema está entre os prioritários para o Governo do Estado e deve acontecer concomitantemente com a reorganização das cirurgias eletivas e da saúde mental."

A Prefeitura de Londrina afirmou, via assessoria de imprensa, que não registrou casos de pacientes que ficaram desassistidos nos serviços municipais e que, no pico da pandemia, aumentou de cinco para nove as unidades que atendem síndromes respiratórias.(com Folhapress)

Pandemia trouxe 'duras lições' sobre gestão do sistema de saúde

Para Juliano Gasparetto, médico infectologista e professor da PUCPR, a pandemia ensinou "duras lições", e uma delas é a necessidade de investimento na gestão dos recursos do sistema público de saúde. "Tem que ter uma gestão não só na crise, mas no dia a dia dos serviços de saúde. Essa crise não será a última, haverá outras."

"A grande lição é que o SUS é valiosíssimo", também disse Walter Cintra, médico e especialista em gestão de Saúde da FGV. "Infelizmente, estamos entre os os piores países no enfrentamento da pandemia, mas se não tivesse o SUS, seria mil vezes pior. Precisamos de um sistema forte, bem estruturado, financiado, com as pessoas e com a rede primária chegando a todos os lugares do Brasil. Porque tenha você convênio ou não, um dia você vai precisar do SUS."

A pandemia também mostrou que é necessário haver uma vigilância epidemiológica forte para impedir que as pessoas se contaminem. "Uma das grandes falhas foi a vigilância epidemiológica para identificação dos casos, testando, e dando positivo, indo atrás dos contatos no sentido de evitar ao máximo que o vírus circule isolando a pessoa. Em uma pandemia dessa, o importante é impedir que as pessoas se contaminem. Depois que elas se contaminam, o estrago já está feito. Construir hospitais de campanha, ampliar leitos de UTI é difícil."

A pandemia mostrou ainda que a saúde privada também é essencial, afirma Gasparetto. "Se não fosse o sistema privado, o público entraria em colapso. Para isso, tem que ampliar o acesso ao sistema de saúde privado."

E ao se perceber doenças pré-existentes, como obesidade e diabetes, impactam nos prognósticos, a importância da prevenção ficou mais evidente. "A terceira grande dura lição é que as pessoas têm que aprender a se cuidar mais. Não fumar, controlar o peso, a diabetes. Mais que nunca, ficou claro que o autocuidado é importante", ele finaliza.