O Brasil tem hoje uma massa de quase 15 milhões de pessoas fora do mercado formal de trabalho. A taxa de desemprego medida pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) no segundo trimestre de 2021 ficou em 14,6%, a mais alta da série histórica, iniciada em 2012. Os dados estatísticos explicam uma realidade cada vez mais presente nas ruas. A falta de trabalho fez explodir o número de vendedores ambulantes, especialmente a partir do ano passado, em razão da crise econômica gerada pela pandemia.

Imagem ilustrativa da imagem Crise faz disparar número de informais no Centro de Londrina
| Foto: Isaac Fontana/FramePhoto/Folhapress

Em Londrina, é possível observar esse movimento. Barracas com todos os tipos de produtos proliferaram rapidamente pelo quadrilátero central, com uma maior concentração no Calçadão, no trecho entre as ruas Professor João Cândido e Minas Gerais. O aumento começou a ser percebido em abril do ano passado, quando surgiram os vendedores de máscaras, e desde então, o comércio ambulante se expande no mesmo ritmo em que estabelecimentos encerram suas atividades. Enquanto há um número crescente de pontos comerciais disponíveis para aluguel, nas calçadas pipocam as barraquinhas dos camelôs.

E como todo problema social esbarra na questão econômica, a situação dos ambulantes mobilizou empresários e comerciantes que, por meio das entidades de classe, uniram-se aos trabalhadores informais para estudar formas de organizar a atividade em Londrina. Segundo a CMTU (Companhia Municipal de Trânsito e Urbanização), órgão municipal responsável pela regularização e fiscalização dos ambulantes, atualmente há cerca de 300 profissionais com autorização para atuar nas ruas e há espaço para novas regulamentações. Eles pagam uma taxa anual cujo valor varia de R$ 158,76 a R$ 396,89, dependendo do modelo de comercialização.

A companhia não possui uma estimativa do número de ambulantes irregulares. A formalização não acontece porque, muitas vezes, os pontos disponíveis não são de interesse desses trabalhadores, que querem exercer a atividade nos locais com maior fluxo de potenciais consumidores.

Representante dos ambulantes em Londrina, Fabiana Conceição Alves calcula em aproximadamente 145 o número de trabalhadores atuantes sem autorização. É ela que juntamente com o Sincoval (Sindicato do Comércio Varejista de Londrina), a Acil (Associação Comercial e Industrial de Londrina) e o poder Legislativo municipal e estadual trabalha para encontrar um meio de regularizar a atividade. Uma reunião realizada no último dia 4, na sede do Sincoval, reuniu comerciantes, vereadores, representantes do governo do Estado e os ambulantes para discutir a questão.

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| Foto: Isaac Fontana/FramePhoto/Folhapress

REGULARIZAÇÃO

Os ambulantes manifestam o desejo de trabalharem regularmente e investem em um projeto que seria o primeiro passo para organizar a atividade. “Temos um projeto que está sendo feito por uma arquiteta que também já foi camelô. Queremos uma parceria com a Codel (Instituto de Desenvolvimento de Londrina) e com a Acil, se for possível. Que a gente fique em um lugar tranquilo e possa trabalhar cumprindo nossos deveres como cidadão, pagando os impostos municipais. Ninguém se recusa a isso, mas também quer ter a tranquilidade de trabalhar. Nosso projeto é muito bom, é viável. Tenho certeza de que todo mundo vai ganhar, inclusive Londrina”, afirmou Alves.

Uma das propostas das entidades de classe, apontou o presidente do Sincoval, Ovhanes Gava, é oferecer capacitação aos ambulantes para que se tornem empreendedores e dar o suporte necessário para a formalização da atividade. “Vamos dar todo o suporte gratuito para eles para que abram as MEIs e ingressem no mercado de trabalho como empresários e possam pleitear os espaços públicos ainda disponíveis.”

Gava tocou em um ponto delicado. As denúncias de que entre os ambulantes haveria atacadistas terceirizando as vendas nas ruas. “A ideia é mapear o atacadista e levar aos órgãos competentes para que se apure quem é atacadista e quem realmente precisa.”

Em uma volta pelo Calçadão, é possível perceber que há vários vendedores comercializando as mesmas mercadorias, inclusive utilizando o mesmo meio de exposição dos produtos. No dia em que a FOLHA esteve no local conversando com os ambulantes, uma mulher disse que não poderia dar entrevista porque não era a responsável pela barraca. Ela contou que trabalhava para o dono da mercadoria.

NOVO CAMELÓDROMO

Recentemente, circularam rumores sobre a abertura de um novo camelódromo, mas o vereador Eduardo Tominaga (DEM) disse não haver nenhuma proposta em tramitação na Casa nesse sentido. Tominaga é um dos representantes do legislativo municipal envolvidos nas discussões a respeito dos ambulantes e defende que as alternativas devem ser lançadas não apenas pela prefeitura, mas também pelo governo do Estado. "É um problema que se agravou por conta da quantidade bem grande de desempregados, provocada pela pandemia e pela crise econômica e a solução não é simplesmente retirar ambulantes e colocá-los em outros lugares. A gente tem um desafio interdisciplinar, tanto dentro das secretarias da prefeitura quanto um trabalho da própria sociedade civil organizada e da Câmara ", salientou o vereador.

Das reuniões que têm acontecido para discutir o tema, disse Tominaga, devem ser apresentadas políticas públicas que podem ser aplicadas para que haja uma "solução bastante saudável e inteligente, que contemple tanto os comerciantes quanto os ambulantes e toda a população de Londrina", inclusive com possíveis alterações na legislação.

Comerciantes reclamam de concorrência desleal

Lojistas da região central de Londrina reclamam da concorrência desleal. Enquanto arcam com todos os custos de manutenção de um comércio, com o pagamento de aluguel, água, luz, telefone, impostos e encargos trabalhistas, eles veem surgir nas calçadas, em frente às suas lojas, vendedores que comercializam artigos semelhantes, a preços mais baixos, e sem as despesas decorrentes da formalização de um CNPJ. “Eu entendo que todas as pessoas precisam e têm o direito de trabalhar, mas olha como está isso daqui. Não tem condições. O camarada instalou cabides na porta da minha loja e está vendendo roupas sem recolher nenhum imposto, sem arcar com nenhuma despesa. Eu, que pago todos os meus impostos e tenho funcionários, como vou concorrer com ele? Não acho justo”, queixou-se o proprietário de uma loja de confecções no Calçadão que pediu para não ser identificado.

Os ambulantes, por sua vez, reconhecem a necessidade de organizar a atividade, mas reivindicam o direito de permanecerem no Calçadão e nas ruas do entorno. Muitos deles relatam ter perdido o emprego em razão da pandemia e alijados de todos os benefícios garantidos a quem tem carteira assinada, afirmam que o comércio ambulante foi a única alternativa de sobrevivência. Longe do movimento do Calçadão e adjacências, dizem, a renda obtida com a atividade seria insuficiente para arcar com as despesas básicas.

Uma vendedora ambulante que preferiu manter seu nome em sigilo contou que trabalhava no comércio até o início do ano passado, mas quando as lojas tiveram de fechar as portas por força dos decretos municipal e estadual contra a Covid-19, ela foi desligada do trabalho. Sem opção, montou uma barraca de máscaras no Calçadão e foi com a venda do produto que conseguiu continuar pagando as contas de casa. Hoje, as máscaras já não são tão procuradas quanto nos primeiros meses da pandemia e ela ampliou a variedade de produtos, que busca em São Paulo para revender aqui.

“Depois que eu vim para cá, muitas outras barracas apareceram. Toda barraca que tem guarda-sol é nova, começou a trabalhar aqui do ano passado para cá. Eu tinha medo da fiscalização, de os fiscais levarem meus produtos porque não tenho alvará para ficar aqui. Mas na pandemia a CMTU relaxou a fiscalização.”, disse a ambulante. “Eu sempre digo que trabalhar na rua não é uma escolha. É, basicamente, a última alternativa a que a gente recorre porque não é fácil. É frio, é sol, é chuva, é vento, é tanta coisa que nós enfrentamos, mas não tem outra saída. A situação financeira está precária para todos nós. Emprego, mais difícil ainda”, comentou a representante dos ambulantes, Fabiana Conceição Alves.

A CMTU contestou a informação de que houve um relaxamento na fiscalização. O órgão diz que os fiscais continuam atuando, assim como se mantém o trabalho de orientação dos agentes, feito diariamente. “Mas a pandemia trouxe um caráter mais social e educativo”, informou a assessoria de imprensa da companhia.

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