Com a paralisação de setores econômicos e a redução da renda familiar dos brasileiros causada pelo novo coronavírus, muitas indústrias passaram a enfrentar o problema da falta de demanda de seus produtos. Para não ficarem “paradas”, elas começaram a fabricar tipos de produtos mais demandados nesse período de crise. Exemplos comuns são indústrias de confecções que começaram a produzir máscaras, jalecos e toucas, ou empresas de cosméticos fabricando álcool 70%.

Para não ficarem 'paradas', indústrias começaram a fabricar tipos de produtos mais demandados nesse período, como máscaras, jalecos, toucas ou álcool 70%
Para não ficarem 'paradas', indústrias começaram a fabricar tipos de produtos mais demandados nesse período, como máscaras, jalecos, toucas ou álcool 70% | Foto: Isaac Fontana/Framephoto/Folhapress

Em alguns setores específicos da indústria, como o de vestuário, o impacto da crise do coronavírus foi “gigantesco”, afirma o gerente de Assuntos Estratégicos do Sistema Fiep, João Arthur Mohr. “Com o comércio fechado, caiu mais de 80% a venda de roupas no Brasil. Tentamos fazer a transformação da indústria para produzir produtos ligados a vestuário que são necessidades emergenciais.”

A “transformação” é uma maneira de amenizar o impacto da crise ocasionada pelo coronavírus, uma forma de gerar faturamento para pagar custos fixos da indústria, que continuam sendo cobrados mesmo que a planta esteja inativa, explica Guilherme Hakme, presidente do Sivepar (Sindicato Intermunicipal das Indústrias do Vestuário do Paraná).

Conforme ele, quase a totalidade das indústrias de confecções de Londrina e região começou a produzir máscaras, toucas ou aventais. “Algumas não necessariamente pararam de fazer seus produtos, mas alocou uma parte da produção para fazer isso. É o que se pode fazer para sobreviver a essa crise. Vai dar uma força para as indústrias pagarem custos fixos, como funcionários, fornecedores, aluguel, mas nem perto de gerar algum lucro como se estivesse tudo normal.”

A indústria de jeans de Alexandre Graciano já fabricou 5 mil máscaras de tecido, que estão sendo comercializadas pela internet para oficinas, mecânicas, padarias, mercados. “Está tudo parado, com as lojas fechadas a gente não comercializa nada. O único produto que está vendendo e que as pessoas querem é a máscara”, diz Graciano, que já teve que demitir 12 funcionários de um total de 180.

A produção de máscaras, por enquanto, tem só o objetivo de manter a fábrica em funcionamento e os funcionários em atividade. “Máscara é um produto muito barato. Tem que vender um volume muito grande para dar alguma coisa. Estamos fazendo para sentir como vai ser, se vamos aumentar o volume.” A indústria também está confeccionando uniformes para os profissionais da saúde de hospitais de Londrina e Ibiporã.

No lugar do jeans, indústria de Ibiporã fabrica uniformes hospitalares e máscaras de tecido para manter estrutura em funcionamento
No lugar do jeans, indústria de Ibiporã fabrica uniformes hospitalares e máscaras de tecido para manter estrutura em funcionamento | Foto: Divulgação

Com o fechamento do comércio, a indústria de jeans praticamente parou. Os clientes que não cancelaram seus pedidos pediram para adiar a entrega dos produtos - alguns até para o ano que vem. Mesmo com a abertura do comércio em Londrina na última segunda-feira (20), os lojistas estão aguardando para “sentir” o movimento para só então retomar os pedidos.

A demanda no setor de confecções estava indo bem antes da pandemia. “O mercado estava aquecendo, principalmente para quem trabalha com magazines. Eram muitos pedidos para grandes redes de lojas, bolsas, bonés, camisetas”, conta Elizabete Ardigo, presidente do Sivale (Sindicato das Indústrias do Vestuário de Apucarana e Vale do Ivaí). “Porém, logo que começou a questão da pandemia, as empresas cancelaram pedidos. Tinha pedidos até o final do ano que foram cancelados.” Apucarana, que é um polo produtivo na área de vestuário, hoje se dedica quase integralmente à produção de máscaras e aventais.

O Sivale fechou recentemente um pedido de 5 milhões de máscaras e de 750 mil jalecos com o Depen (Departamento Penitenciário). No entanto, o trabalho vale mais para aliviar os efeitos da crise no setor do que gerar lucro, pondera Ardigo. “Muitas empresas que estavam querendo mandar funcionários embora pararam um prazo de 15 dias e depois já chamaram as pessoas para produzir máscaras e jalecos. Mas elas estão fazendo isso mais para tampar buraco e manter funcionários.” A dificuldade agora está na escassez e nos preços elevados de matéria prima. “Os preços têm subido todos os dias. Isso quando você acha a matéria prima, porque está bem escassa.”

Leite em pó para evitar perdas

Para evitar as perdas resultantes da queda das vendas de laticínios, a Cativa (Cooperativa Agroindustrial de Londrina) intensificou a produção de leite em pó. “O que não estamos conseguindo vender, estamos transformando tudo em leite em pó, porque tem um tempo de um a dois anos que pode ficar estocado”, diz Paulo Cesar Maciel, presidente da Cativa. De acordo com ele, 30% a 35% do leite está indo para a estocagem. A cooperativa também está “acudindo” outros laticínios que estão com acúmulo de estoque. “Temos espaço de 500 mil litros diários de leite que poderíamos prestar serviço.” A Cativa é um dos únicos laticínios que produz leite em pó no Paraná.

Paulo Maciel, da Cativa: leite transformado em leite em pó para evitar perdas do produto
Paulo Maciel, da Cativa: leite transformado em leite em pó para evitar perdas do produto | Foto: Divulgação

“Não temos contratos no futuro e fechamos contratos para poder manter o nosso produtor estabilizado. A nossa preocupação é com o cooperado. Não podemos desmotivar ele”, explica Maciel. Se a crise se prolongar, os cooperados terão sérios problemas financeiros, prevê o presidente da Cativa. “A cadeia de leite, se continuar 30, 60 dias assim vai ficar complicado, porque tem muitas empresas que não vão conseguir honrar com os seus credores.”

Crise testa capacidade de se adaptar às mudanças

A indústria de cosméticos Vitturia só fabricou álcool em gel nos últimos 40 dias. Em Cambé, onde está situada, não foi decretado o fechamento de indústrias e do comércio. Mas como a indústria atende cidades que fecharam as lojas, a demanda por produtos cosméticos congelou. Em compensação, a demanda por álcool em gel, principalmente nos primeiros dias da pandemia, aumentou tanto que foi preciso estender o período de produção e contratar mais funcionários, conta Daniela Barion, diretora financeira. “(A receita da empresa) Foi maior, mas se não fosse o álcool gel teríamos demitido”, ela enfatiza.

Com a demanda de cosméticos congelada, a fábrica de Daniela Barion se dedicou à fabricação de álcool em gel
Com a demanda de cosméticos congelada, a fábrica de Daniela Barion se dedicou à fabricação de álcool em gel | Foto: Divulgação

“É um dia após o outro”, diz Silvia Dorè, dona da empresa de moda corporativa de mesmo nome. A pandemia causou uma “reviravolta” no negócio, que da confecção de roupas partiu para a produção de máscaras, primeiro para doação, e depois para vendas corporativas também.

No decorrer dos dias, Dorè conta que começou a ser procurada por empresários para fazer uniformes para outros setores como de gastronomia, hotelaria e trabalho doméstico. Isso levou a empresária a expandir o seu portfólio e a repensar o negócio, que vai passar a trabalhar não só com vendas diretas, mas também com distribuidoras para colocar os produtos em diferentes pontos de venda. “Realmente foi uma reinvenção, ressignificação (do negócio)”, pontua.

Para Silvia Dorè, pandemia causou 'reviravolta' no negócio, que precisou se reinventar e ressignificar
Para Silvia Dorè, pandemia causou 'reviravolta' no negócio, que precisou se reinventar e ressignificar | Foto: Divulgação

As empresas precisam deixar de focar apenas no problema e abrir a mente para novas ideias, opina Dorè. “Ninguém pode ficar fechado. Precisa liberar a mente e desfocar do problema.”

Para o consultor do Sebrae Apucarana, Tiago Correia da Cunha, a crise pode ser uma oportunidade de as empresas desenvolverem sua capacidade de adaptação às mudanças, encontrarem novos canais de venda e atenderem novos segmentos de mercado. “São esses momentos que testam a capacidade de inovação das empresas, de se adaptar às mudanças e de proporcionar novas oportunidades de negócios. Ao mesmo tempo que é um momento difícil, as empresas têm a oportunidade de rever os negócios, criar oportunidades, novos canais de vendas e de atender outros grupos de clientes.”