Somente no ano de 2022, o mercado ilegal resultou em prejuízo de R$ 453,5 bilhões ao Brasil. O valor é maior que o PIB (Produto Interno Bruto) de todo o estado de Santa Catarina. Desse total, R$ 136 bilhões deixaram de ser arrecadados em impostos. Os dados foram levantados pela CNI (Confederação Nacional da Indústria) e estão reunidos no estudo Brasil Ilegal em Números, divulgado pela entidade no último mês de abril.

O mercado ilegal não afeta apenas os investimentos e a geração de empregos. Quando o Estado deixa de arrecadar os impostos, os recursos retirados do poder público reduzem a capacidade de promover melhorias nos serviços prestados à sociedade.

Dentre as práticas ilegais que afetam a arrecadação, o crime de descaminho é um dos mais recorrentes e se caracteriza pela entrada de produtos no Brasil sem o devido recolhimento de impostos. Apesar do ônus ao erário, esse tipo de crime nem sempre é levado aos tribunais. Nos casos em que o valor do tributo não ultrapassa os R$ 20 mil, o MP (Ministério Público) geralmente não apresenta denúncia criminal, aplicando o princípio da insignificância tributária. O STJ (Superior Tribunal de Justiça) fixou esse limite com base nas portarias 75 e 130 do Ministério da Fazenda, que estabelecem que o fisco não cobre créditos tributários abaixo desse valor.

Especialista em direito criminal, a advogada Beatriz Daguer explica que o princípio da insignificância nesses casos se baseia no entendimento de que o prejuízo ao erário é irrelevante do ponto de vista penal. “Embora o descaminho represente uma infração criminal, quando o valor do tributo devido for inferior a R$ 20 mil, o custo de um processo penal seria muito maior que o benefício gerado pela recuperação da quantia, isso é o que entende tanto o Ministério da Fazenda quando o posicionamento do Poder Judiciário, aplicando assim o que se chama de insignificância penal.”

A medida foi regulamentada pela Portaria 75, de 2012, que determina que processos envolvidos em valores abaixo de R$ 20 mil sobrecarregam o Judiciário desnecessariamente, desviando o foco de casos de maior gravidade. Daguer esclarece que, embora o descaminho de baixo valor seja penalmente irrelevante, ele ainda é uma infração administrativa.

“Isso significa que os bens introduzidos ilegalmente no país serão apreendidos pela Receita Federal, conforme a legislação aduaneira. Por isso, tantas apreensões são realizadas e produtos, confiscados. Mas criminalmente, se o valor for abaixo do estipulado, nada acontece, tendo apenas a repercussão administrativa e civil”, explica a especialista.

Em caso de reincidência, a advogada alerta alerta que o princípio da insignificância não se aplica. “Se um indivíduo for flagrado repetidamente com mercadorias abaixo do limite de R$ 20 mil, o STJ já pacificou o entendimento de que a conduta leva à responsabilização criminal. A reiteração da prática pode, inclusive, aumentar a pena se o juiz considerar a habitualidade no momento da sentença."

Cobrança

Embora não tenha sido feita a denúncia criminal em casos de descaminho abaixo de R$ 20 mil, o Estado ainda tem meios de recuperar os valores tributários devidos. A cobrança acontece pela via administrativa, com a emissão de autos de infração pela Receita Federal. Se após o lançamento definitivo o tributo não for pago, podem ser aplicadas multas, juros e, eventualmente, o débito pode ser protestado, além de levar a uma execução fiscal, que é uma demanda judicial que permite a penhora de bens para garantir o pagamento da dívida.

O entendimento geral, reforçado por decisões do STF (Supremo Tribunal Federal) e do STJ (Superior Tribunal de Justiça), é que o objetivo é evitar a sobrecarga do sistema judiciário com questões de pequena monta, deixando espaço para o julgamento de casos que envolvam quantidades mais significativas ou práticas reiteradas.

Responsabilidades

Mesmo nos casos em que o valor do tributo devido não ultrapassa R$ 20 mil, a apreensão dos produtos é uma prática comum. Isso porque, do ponto de vista administrativo e aduaneiro, a entrada irregular de mercadorias no país é uma infração, o que permite à Receita Federal confiscar os bens. Além disso, o tributo segue sendo devido e será processado pela via administrativa e, em sendo o caso, de cobrança judicial.