Crescem pedidos de recuperação judicial no agro
Endividamento no campo aumenta em 535% o número de produtores que tentam evitar a falência, aponta Serasa Experian
PUBLICAÇÃO
terça-feira, 26 de março de 2024
Endividamento no campo aumenta em 535% o número de produtores que tentam evitar a falência, aponta Serasa Experian
Simoni Saris - Grupo Folha

Fatores conjunturais diversos, como quebra da produção e dificuldade
na obtenção de crédito, dificultam o pagamento das dívidas pelos produtores
rurais e muitos deles enxergam na recuperação judicial um caminho para evitar a
falência. Uma pesquisa divulgada neste mês pela Serasa Experian mostra um aumento
de 535% no número de produtores rurais que atuam como pessoa física que
recorreram a essa medida em 2023.
Em número absoluto, os pedidos de recuperação judicial
computados no ano passado somam 127 em todo o país. Em um universo onde atuam
milhares de produtores rurais, ainda é um número baixo, mas especialistas veem
uma tendência de alta nesse movimento. E considerando a importância do
agronegócio para a economia nacional, um olhar mais aprofundado sobre os dados
levantados pela Serasa Experian chamam a atenção para a crise atravessada pelo
setor há alguns anos.
Desses 127 pedidos de recuperação judicial, 35 são de grandes produtores e 43 foram registrados no Mato Grosso, o estado que mais acumula processos dessa natureza. “O agro hoje representa em torno de 25% do PIB (Produto Interno Bruto) nacional e puxa a economia brasileira. E o setor, nos últimos anos, vem passando por uma crise que só aumenta, como uma bola de neve”, disse o advogado mestre em direito empresarial e especialista em recuperação e reestruturação de empresas, Alan Mincache.
A conjunção de fatores que contribuíram para o acirramento
da crise no agronegócio inclui a alta nos preços dos insumos – um resquício da
pandemia, agravado pelas guerras no Leste Europeu e no Oriente Médio -, que
elevaram expressivamente o custo de produção. Somado a isso, há uma maior oferta
de produtos no mundo, com o crescimento no volume de commodities como soja e
milho, e as sucessivas quebras de safra provocadas pelas mudanças climáticas,
especialmente no Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, São Paulo e Paraná. Nessa
conta entram ainda a mobilização de capital próprio e de terceiros para
aumentar a tecnologia no campo e a área plantada e a carência de armazéns, que obriga
os produtores a acelerarem a comercialização, dificultando a regulação de
preços.
Mincache cita ainda a política econômica do país voltada
especificamente para o agronegócio, ainda incipiente. “Os planos safra que o
governo apresenta, com os recursos subsidiados para fazer com que a agricultura
faça investimentos com dinheiro mais barato, são muito pequenos e, então,
ocorre o fenômeno da ‘financeirização’ da produção agrícola por meio do capital
privado, mais caro, aumentando o custo de produção no país. E para piorar, o
Brasil ainda não implementou de verdade um seguro agrícola, não é abrangente.”
Com tantos fatores adversos, é cada vez maior o número de
produtores rurais que não consegue honrar suas obrigações. Uma consequência do
desnivelamento entre o que tem a pagar e a receita gerada. A conta não fecha.
Na busca pelo ajuste desse desequilíbrio financeiro é que os
agricultores e pecuaristas têm recorrido com uma frequência cada vez maior à
recuperação judicial, um remédio que, apesar de amargo, pode evitar uma futura
falência. “A recuperação judicial significa, para o produtor rural, o
congelamento momentâneo das dívidas para que ele possa se reorganizar e
discutir com os credores, de forma organizada, uma proposta financeira de como
se tornar adimplente novamente, sem sair do mercado e sem suprimir a vocação
agrícola dele”, explicou Mincache.
Ao ingressar com um pedido de recuperação judicial, o prazo
de congelamento da dívida é de 180 dias, prorrogável por mais 180, ou seja, o
produtor pode protelar em quase um ano o pagamento de seus débitos. “Esse prazo
é importante porque o fluxo de caixa de uma produção rural é safra e safrinha.
É o tempo de se reorganizar e buscar uma solução com os credores, com base no
fluxo de caixa e na capacidade de produção.”
Mincache entende que a questão da recuperação judicial no
Brasil ainda é um tabu em razão da falta de esclarecimento e da lembrança ainda
viva dos pedidos de concordata, que invariavelmente se convertiam em falência.
Presidente do Ibajud (Instituto Brasileiro de Solvência),
Breno Miranda afirma que o sistema vem evoluindo desde 2005, quando foi
publicada a primeira versão da lei de falências e recuperações judiciais. Até
então, as concordatas eram reguladas por decretos.
Miranda avalia que ainda existe uso indevido de recuperações
judiciais no país, mas os aprimoramentos na legislação ajudam a afunilar os
casos, como a criação da constatação prévia, que entrou em vigor no final de
2020. Essa perícia é feita antes de o juiz decidir se o processo de recuperação
judicial tem ou não condições de avançar.
A constatação prévia é o que vem fazendo subir o nível dos
processos, segundo o sócio-fundador da EXM Partners, Angelo Guerra. “Com isso,
o pedido de recuperação judicial já não tem mais o objetivo de apenas atrasar a
falência. Há um filtro na largada.”
O filtro reduziu o número de deferimentos, que deixam de ser
quase automáticos, mas a tendência é que aumente o número de processos
encerrados com o soerguimento da companhia. Apesar do desgaste da imagem da
recuperação judicial, são comuns os casos em que a empresa segue funcionando
até que o processo seja encerrado.
Outra mudança recente que melhorou o andamento desses
processos foi a criação das varas especializadas. Em 2019, o CNJ (Conselho
Nacional de Justiça) publicou uma recomendação para que os tribunais de justiça
criassem câmaras ou turmas especializadas em falência, recuperação judicial e
outros temas ligados ao direito empresarial. A criação dessas varas mudou o
panorama de processamento dos pedidos de recuperação e de falência, tornando-os
mais céleres.
Segundo o CNJ, somente oito estados brasileiros têm varas
especializadas: Ceará, São Paulo, Tocantins, Paraná, Santa Catarina, Mato
Grosso, Mato Grosso do Sul e Espírito Santo. Juntos, esses tribunais têm 20
varas dedicadas a falências e recuperações judiciais.(Com Folhapress)

