A crise do coronavírus atinge fortemente os autônomos, os informais e os microempreendedores individuais (MEI), que lutam contra o isolamento social adotado para diminuir a curva de contágio e contra a o cenário obscuro da economia, que faz as famílias reavaliarem o orçamento doméstico e a cortarem gastos.

Após o início da pandemia, os clientes de Camila Cardoso dispensaram os seus serviços de limpeza e a diarista ficou sem renda. Agora, a família sobrevive apenas da renda da mãe de Cardoso, que é faxineira. Na casa, além dela e da mãe, vivem o filho da diarista e os dois irmãos da diarista.

Cardoso conta que outras diaristas receberam o pagamento pelos dias de quarentena. As registradas pegaram férias, mas não foram esses o caso da diarista. “Fiquei sem renda. Tive que fazer rifas, pedir a colaboração das pessoas para ajudar a vender essas rifas para ajudar em casa.”

Para ajudar com as despesas de casa, Cardoso solicitou o auxílio emergencial pago pelo governo federal aos trabalhadores informais, microempreendedores individuais (MEI), autônomos e desempregados frente à Covid-19. “Numa hora dessas, tem que entender que o Estado serve para intervir, não querer reduzir o isolamento e voltar a trabalhar, ficando exposto ao vírus.”

O auxílio também foi pleiteado pelo casal de músicos Thais Regina e Bruno Bazé. Eles também tiveram que pausar as parcelas do financiamento da casa. O casal vive das aulas em uma escola de música e de apresentações em eventos. Com a escola fechada e eventos cancelados ou adiados, o casal se vira dando aulas on-line, mas nem todos os alunos optaram por essa modalidade. Além disso, com a crise, muitas famílias resolveram tirar essa despesa do seu orçamento. “No nosso caso, é o nosso ganha-pão”, salienta Bazé.

Casal de músicos Thaís Regina e Bruno Bazé tiveram aulas e eventos cancelados
Casal de músicos Thaís Regina e Bruno Bazé tiveram aulas e eventos cancelados | Foto: Divulgação

Em isolamento em casa, os músicos aproveitam para fazer novas composições e Bazé, que também é formado em Artes Plásticas, começou a desenhar e a vender caricaturas. “A gente vai apelando para outras habilidades”, brinca Regina. “Para quem trabalha informalmente, é difícil. Mesmo que a gente tivesse pensado que isso ia acontecer e se preparado, não ganhamos tão bem assim a ponto de ter uma reserva”, ressalta Bazé.

O Sebrae calcula que o auxílio emergencial deve atingir 3,6 milhões de Microempreendedores Individuais e 15 milhões de informais. Os pagamentos começaram a ser feitos nesta quinta-feira (9) e a expectativa do governo é que as três parcelas do benefício sejam depositadas num prazo de 45 dias. O benefício é destinado a pessoas com renda familiar de até três salários mínimos (R$ 3.135) ou meio salário mínimo por pessoa (R$ 522,50).

“Acredito que os autônomos estão sendo bastante impactados por todas as medidas que precisaram ser tomadas relação a essa pandemia”, comenta Liciana Pedroso, consultora do Sebrae/PR. “Muitos deles estão sem trabalhar no momento, e até por serem autônomos, a grande maioria não tinha fluxo de caixa para enfrentar desafio.”

Advogada, Roberta Marques Araújo também viu o seu número de clientes pessoa física cair drasticamente. Com a pandemia, as reuniões presenciais foram adiadas, e os prazos dos processos também. “A gente acaba sentindo o impacto porque tinha pessoas agendadas durante o semestre e tive que remarcá-las para o futuro, e só consigo fazer reunião remota com empresas”. A crise só não atingiu em cheio as finanças da advogada porque, com as medidas do governo que impactam trabalhadores e organizações, a procura por consultoria jurídica pelas empresas tem aumentado significativamente.

Empreendedores precisam reavaliar e reformular seu negócio

Andréia Cavalheiro trabalha com eventos e doces, mas com o início da pandemia seus clientes tiveram que cancelar ou adiar eventos que já estavam agendados. Com a proibição de aglomeração de pessoas, novos eventos também não estão sendo marcados.

A crise atingiu ainda mais venda de doces. Mesmo que Cavalheiro esteja trabalhando com a entrega dos produtos, ela afirma que os pedidos reduziram cerca de 70%. “O maior impacto que a gente sentiu foi com relação à Pascoa, que é a época do ano em que toda confeiteira fica na expectativa”, desabafa.

Mesmo com o aumento do preço dos insumos, Andréia Cavalheiro manteve os preços dos doces para atrair clientes na Páscoa
Mesmo com o aumento do preço dos insumos, Andréia Cavalheiro manteve os preços dos doces para atrair clientes na Páscoa | Foto: Divulgação

“Não está tendo procura. As pessoas estão sem dinheiro. Eu, me colocando no lugar do consumidor, não compraria esse tipo de artigo esse ano. Consideraria um supérfluo. Na condição que se encontra aqui em casa, as prioridades passam a ser outras.” Antes mesmo da pandemia, a confeiteira já tinha investido na compra de matérias-primas e embalagens, e as despesas continuam vindo na fatura do cartão de crédito.

Para atrair clientes, Cavalheiro investiu no Instagram e manteve os valores do ano passado, mesmo com o aumento do preço dos insumos.

“É um momento de incerteza para todo mundo. Mesmo que a pessoa seja funcionário de uma empresa, ela fica com receio de como vai ser o próximo dia e acaba segurando um pouco mais os seus gastos”, comenta a consultora do Sebrae Liciana Pedroso. “Isso acaba atingindo outras cadeias como a venda de chocolate, prestação de serviços que dá pra segurar... Tudo o que as pessoas podem ir adiando, estão reprimindo.”

Mesmo após a pandemia, a economia será retomada aos poucos. As pessoas vão ter que sentir segurança para consumir no mesmo patamar que antes, diz Pedroso. “Alguns setores retomam no começo, outros vão demorar.”

Nesses momentos, os profissionais precisam encontrar novas formas de trabalhar e vender. “Por mais que seja um momento crítico, é momento de estudar o seu negócio, saber o que pode incrementar para a retomada, de que formas pode trabalhar agora”, pontua a consultora do Sebrae/PR. “O isolamento social faz que as pessoas enxerguem outros meios de se relacionar tanto com familiares quanto com as empresas e os autônomos, seja usando mais o WhatsApp ou outras formas de vender online.”

Se os clientes estão gastando menos, pode ser interessante buscar formas de oferecer produtos e serviços com preços mais acessíveis, fazer promoções e colocar os produtos no Instagram, no Facebook ou WhatsApp. Mesmo distante, é preciso manter o relacionamento próximo com o cliente e entender as suas necessidades nesse momento.