O reajuste de quase 11% no preço dos medicamentos, autorizado no início de abril pela Cmed (Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos), deixou os consumidores indignados. Alimentos, combustíveis, gás de cozinha e taxas de serviços básicos, como água e luz, vêm subindo de preço com frequência, derrubando o poder de compra da população, e quem tem os gastos com farmácia já incluídos no orçamento mensal, faz as contas para tentar encaixar mais uma alta nas despesas regulares.

O armador de ferragens aposentado Ismael Rodrigues dos Santos vive com uma aposentadoria de R$ 1,8 mil. Com esse valor, ele mantém as despesas da casa e também ajuda nas despesas da ex-mulher. Comparando o padrão de vida atual com o de cinco anos atrás, Santos observa o quanto baixou seu poder aquisitivo. “Faz muito tempo que deixei de comer carne e mesmo assim, só de mistura, gasto cerca de R$ 400 no supermercado todos os meses. Tudo aumenta. Para aliviar um pouco os meus gastos, minha filha tem comprado os meus remédios porque se eu tiver que pagar mais essa conta, aí fica impossível viver”, comentou.

Especialistas aconselham consumidores  a darem preferência aos medicamentos genéricos, normalmente mais baratos
Especialistas aconselham consumidores a darem preferência aos medicamentos genéricos, normalmente mais baratos | Foto: istock

“Está muito difícil viver no Brasil. O governo promete que vai baixar os preços dos produtos essenciais, mas eles só aumentam. É sempre o povo que paga a conta. Vejo muitas pessoas sem condições de comprar um remédio, um alimento, sem condições de sobreviver. Até antes do aumento, gastava cerca de R$ 600 na farmácia com medicamentos para a minha mãe, que é cardíaca e hipertensa e não pode deixar de tomar os remédios todos os dias. Agora, com o aumento, essa conta vai para quase R$ 700”, desabafou o ajudante geral aposentado Nélio Quintão.

O aumento de 10,89% no preço dos medicamentos foi publicado no Diário Oficial da União de 1º de abril e desde então, pode ser aplicado a qualquer momento em farmácias e drogarias. Em muitos estabelecimentos, os consumidores já estão pagando mais caro pelos remédios embora as indústrias tenham afirmado que os reajustes deveriam ser aplicados apenas em meados de abril em razão dos estoques. O Sindusfarma (Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos) também apostava que os novos preços demorassem mais para chegar às prateleiras das farmácias por causa da concorrência.

O aumento de 10,89% no preço dos medicamentos foi publicado no Diário Oficial da União de 1º de abril e desde então, pode ser aplicado a qualquer momento em farmácias e drogarias
O aumento de 10,89% no preço dos medicamentos foi publicado no Diário Oficial da União de 1º de abril e desde então, pode ser aplicado a qualquer momento em farmácias e drogarias | Foto: istock

Na prática, no entanto, não é o que se vê. Quem precisou comprar remédios após a autorização do reajuste pela Cmed já notou a diferença nos preços. Em alguns casos, a alta não chegou a 10,89%, mas foi efetuada.

Para tentar protelar o impacto do aumento dos remédios nas contas do mês, muitos consumidores correram às farmácias para antecipar as compras e garantir o preço antigo. Segundo a diretora comercial da rede de farmácias Vale Verde, de Londrina, Ana Carolina Augusto Correa, se comparado com a última semana de fevereiro, as vendas em março cresceram 22%. “Esse aumento nas vendas é expressivo e retrata bem a busca dos consumidores para adquirir os produtos antes dos novos preços passarem a ser praticados.” Na rede, os preços foram remarcados no dia 1 de abril.

O reajuste de 10,89% é o segundo maior em dez anos, de acordo com dados do Sindusfarma. A alta só não foi maior do que em 2016, quando o aumento médio ficou em 12,5%. No ano passado, o reajuste médio foi de 8,15%. Em 2020, o governo federal adiou o reajuste no teto do preço de medicamentos devido à pandemia de Covid-19.

CÁLCULO DE ATUALIZAÇÃO

Dentre os fatores que pressionam o custo da produção de remédios, destacou o sindicato, está o dólar, cuja cotação chegou a aumentar quase 40% nos últimos dois anos, além dos gastos com os fretes, que subiram, em média, 10%.

O cálculo para atualizar os valores dos remédios no país é feito uma vez ao ano pela Cmed e tem como base a inflação acumulada em 12 meses até fevereiro no IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), que fechou em 10,54%. Os dados da indústria mostram que, no acumulado de 2012 a 2021, a inflação geral chegou a 78,91% ante uma variação de preços dos medicamentos de 55,79%.

As indústrias do setor também afirmam que os medicamentos costumam ter reajuste abaixo da inflação média. No IPCA acumulado no período de 12 meses até fevereiro, os produtos farmacêuticos subiram 6,65%. “Os medicamentos têm um dos mais previsíveis e estáveis comportamentos de preço da economia brasileira”, ressaltou o presidente executivo do Sindusfarma, Nelson Mussolini.

Além da inflação, outros três fatores são considerados pela Cmed na hora de calcular o reajuste, que são a produtividade, competitividade e aumento de custos específicos para o setor farmacêutico. Dois desses fatores já haviam sido divulgados anteriormente e não iriam interferir no cálculo. Já os custos específicos para o setor tiveram impacto de 0,35%, segundo o Sindusfarma.

TRÊS NÍVEIS

Diferentemente do que aconteceu em anos anteriores, o reajuste será único e valerá para os três níveis de medicamentos definidos. Mas o percentual único, aplicado de uma só vez, deve prejudicar o consumidor, uma vez que os diferentes níveis eram uma forma de segurar a alta de preços de certos tipos de remédios. Até então, a prática era de autorizar um aumento maior para os que têm maior concorrência, como os genéricos, e reajuste menor para os de alto custo, como algumas categorias de antidepressivos e ansiolíticos, por exemplo. Em 2021, foram autorizadas altas de 10,08%, 8,44% e 6,79%.

“Os preços dos remédios estão muito caros. Subiram demais. Eu gasto, mais ou menos, R$ 400 por mês e, com mais essa alta, assim de uma vez, a gente não aguenta. E não é só o reajuste dos medicamentos. Tudo sobe, alimentos, combustível. Pesa demais no nosso orçamento”, queixou-se o funcionário público aposentado Celso Carreira.

Em fevereiro, o governo federal avaliou alterar a forma de reajuste, permitindo que os preços dos remédios fossem modificados a qualquer momento, mas houve resistência da equipe econômica, contrária a intervenções no mercado.(Com Folhapress)

Imagem ilustrativa da imagem Consumidores lutam para encaixar alta dos remédios no orçamento
| Foto: Folha Arte

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