Em tempos de geladeiras digitais, fogões por indução, televisores com assistente de voz, lâmpadas inteligentes e, até mesmo, chuveiros elétricos que tocam músicas, o comércio de móveis usados e antigos resiste no Centro Histórico de Londrina. O segmento se destaca, principalmente, no trecho da Avenida Duque de Caxias, historicamente conhecida por ser a primeira via comercial da cidade.

A avenida, criada em 1929, possui 7,5 quilômetros de extensão e, dentre a diversidade de empreendimentos, o que mais chama a atenção ao percorrer as ruas é a quantidade de pontos comerciais destinados para este segmento - venda de móveis usados e antigos - que resistem há anos e enfrentam os desafios presentes no dia a dia. O trecho também é conhecido por ser um importante eixo de integração sentido norte-sul do município, sendo utilizado como itinerário das linhas do transporte coletivo por ser uma rota de acesso entre o Terminal Central e o Terminal Acapulco.

O comércio de móveis antigos e usados é conhecido por atrair colecionadores, pessoas interessadas em decoração vintage e, também, um público que procura móveis de boa qualidade. O ramo de atividade está presente em Londrina desde o início quando o comércio era aquecido e passava por um processo de fortalecimento.

“Aqui na Duque de Caxias estavam quase todos os estabelecimentos de móveis usados, então nós, que começamos na Rua Guaporé, vimos que lá não dava certo, e então decidimos abrir aqui na Duque”, contou Neuzely Bianchi Portes, proprietária do Móveis Usados Guaporé. O empreendimento que teve início em 1991, a partir de uma sociedade em família, hoje conta com a administração de Bianchi.

Móveis Usados Guaporé
Móveis Usados Guaporé | Foto: Luiza Arlindo

Logo quando mudou de endereço, ela sentiu uma grande diferença nas vendas, ou seja, um aumento em comparação ao que era comercializado no antigo endereço. Hoje, a loja tem diversidade de móveis, desde os mais antigos até modernos, advindos da compra, por parte dos proprietários, de artigos que as pessoas resolveram vender.

Dentre as principais procuras dos consumidores, Bianchi destaca móveis como guarda-roupa, cômoda e jogo de jantar, todos esses em madeira. “Os móveis de antigamente são de mais durabilidade, então os consumidores estão vindo atrás dos móveis antigos que são feitos de madeira”.

Segundo ela, a cartela de clientes também procura móveis antigos como, por exemplo, cristaleiras, para agregar em ambientes com móveis modernos. Além disso, relembra da venda mais cara que já realizou na loja. “O móvel mais caro que já vendi foi um jogo de jantar com uma mesa, oito cadeiras e balcão com quase três metros”, Bianchi adquiriu o conjunto de madeira maciça entalhado a R$ 8 mil e vendeu, na época, por cerca de R$ 15 mil.

Neuzely Bianchi Portes em sua loja  Móveis Usados Guaporé
Neuzely Bianchi Portes em sua loja Móveis Usados Guaporé | Foto: Luiza Arlindo

Tradição que atravessa gerações

Outro empreendimento que se destaca é a Albatroz, presente no local desde 2000. A loja é conhecida na cidade pela quantidade, diversidade e qualidade dos produtos, e, também, pela tradição familiar.

Clelia Jesus Zanoni Ramos, atual proprietária do estabelecimento, conta que que foi o irmão, Edson Paulo Zanoni, que começou na Duque, sendo conhecido na cidade por ser a segunda pessoa que abriu um estabelecimento, em outras localidades de Londrina, destinado a móveis usados. Hoje, faz quatro anos que Edson faleceu e Clelia dá continuidade à trajetória do irmão. “Eu continuei trabalhando porque ele não tinha condição”, contudo, ela explica que, agora o caminho será trilhado pela sua filha, Gislaine Gabriela Zanoni Moreira.

Clelia Jesus Zanoni Ramos e Gislaine Gabriela Zanoni Moreira
Clelia Jesus Zanoni Ramos e Gislaine Gabriela Zanoni Moreira | Foto: Luiza Arlindo

Zanoni explica que vários produtos presentes no espaço são peças advindas do Rio de Janeiro. “Eu tenho uma sobrinha lá. Ela vai comprando e guardando. Quando junta 40, 50 peças, eu pego o caminhão e vou buscar”.

Albatroz
Albatroz | Foto: Luiza Arlindo

Na loja, é possível encontrar objetos de decoração e móveis antigos, como peças de 150 anos, e modernos que, segundo a proprietária, atrai consumidores de diversas localidades do município e região como Maringá e Rolândia. “São peças únicas, não tem igual. Minha mãe vai muito atrás de buscar lá fora, então, a gente sempre traz novidades aqui. O pessoal que vem para visitar e ver, acaba comprando”. Gislaine explica que como a Duque é um trecho que atende a diversas pessoas, é preciso ter todos os tipos de móveis, desde o MDF, que é o que mais é utilizado na atualidade, até os de madeira.

Imagem ilustrativa da imagem Comércio de móveis usados resiste no coração de Londrina
| Foto: Luiza Arlindo

Agora, com uma nova geração assumindo o local, o desafio continua sendo se manter atualizado para acompanhar a modernidade. “Eu tento modificar algumas coisas para se adequar aos novos tempos, como a utilização do pix e dos cartões”. Gislaine ainda salienta que sempre está tentando fazer algo diferente para a loja não ficar na mesmice, mas buscando manter a essência do estabelecimento.

Além das vendas, a empreendedora ainda destaca que a loja é procurada para a locação de móveis para filmes e eventos. “Também locamos para eventos, festas, casamentos, aniversários. Então a gente trata do mais simples até as grandes empresas e é aí que a gente consegue ir se adequando”, finalizou Gislaine.

Aposta nas redes sociais

Outro espaço que desperta curiosidade é a Yott Móveis, hoje gerenciada por Erica Vanessa Yott Campos Polete. O estabelecimento de móveis antigos e usados está localizada na avenida desde 2002 com a venda de produtos para escritório e casa.

A loja, que resiste desde 2002, hoje busca trabalhar e colocar em prática diversas formas de chegar até o público e, uma delas, é utilização das redes sociais como um espaço de divulgação dos produtos que estão disponíveis. “A gente não tem site, porque a rotatividade do móvel usado é muito grande, então, temos o nosso Instagram e Facebook”, espaços online onde a própria Erica realiza a publicação de imagens nos stories.

O espaço nem sempre esteve localizado na avenida. Erica conta que seus pais Carlos Campos e Roseli Yott iniciaram a trajetória em Curitiba, com móveis retirados da própria casa. A partir disso, a história da loja foi se desenvolvendo até chegar em Londrina. Ela dispõe de móveis de diversos segmentos como cama, mesa e armários advindos a partir da compra dos produtos de pessoas interessadas em vender e que procuram a loja.

Dentre os estilos que mais chamam a atenção das pessoas que passam pela frente, os rústicos são destaque. Além deles, “os móveis brancos chamam bastante atenção e, também, a parte das geladeiras e máquina de lavar”.

Além disso, a partir de novas tecnologias que ampliaram e mudaram as formas de pagamento, Erica explica que o próprio local sofreu bastante no passado por conta da quantidades de cheques “perdidos” e, consequentemente, o dinheiro que não somaram nas contas. Contudo, com o surgimento dos cartões e, hoje, pix, as mudanças foram mais perceptíveis e melhores, facilitando e gerando mais segurança na hora de comercializar os móveis.

Erica Vanessa Yott Campos Polete
Erica Vanessa Yott Campos Polete | Foto: luiza.arlindo

Resistência

O Armazém Móveis Usados, presente em Londrina desde 2007, se mantém com uma quantidade abrangente de móveis de diversos segmentos.

Ismael Avanzi, dono da loja e morador de Londrina há 18 anos, conta que, em 2007, o mercado para móveis usados e antigos era bom. “Mesmo sendo bom, logo passou dois ou três anos e já ficou ruim. Bem ruim. Foi uma crise bem difícil, onde eu quase parei. Então eu resisti à crise e retornei. De lá para cá, agora, estamos entrando em uma situação um pouco complicada novamente”, esclareceu.

Segundo ele, o maior motivo que o impulsionou a abrir o estabelecimento está ligado à motivação de ter um empreendimento próprio. Então, o empreendedor comprou uma loja em funcionamento, mas antes de assumir o espaço comprava móveis de pessoas conhecidas e guardava em sua casa.

Pensando a partir da perspectiva das mudanças que ocorreram com o tempo em relação a compra e venda de produtos, Ismael destaca que na época, em 2007, não existiam aplicativos de negócio como, por exemplo a OLX, e redes sociais e que o público recorria às lojas físicas para adquirir ou vender produtos.

Ismael Avanzi
Ismael Avanzi | Foto: Luiza Arlindo

Contudo, com o surgimento desses espaços onlines “as pessoas começaram a negociar e anunciar entre si. Aí caiu para a gente essa demanda, tanto a procura para vender para a gente, quanto a busca por comprar produtos nossos. Conseguimos sobreviver ainda, mas, não como antes, né? antes tinha muito mais fluxo”.

Mesmo diante das dificuldades, o setor se mantém firme e ajuda a contar um pouco da história da cidade.

Armazém Móveis Usados
Armazém Móveis Usados | Foto: Luiza Arlindo

Dia da Duque

No dia 20 de julho, comerciantes e associações de classe promoveram o Dia da Duque, uma data destinada a trazer mais movimento e fluxo de pessoas para a via comercial mais antiga de Londrina. A partir disso, lojistas de vários segmentos se empenharam para atrair o público que passou pelas ruas.

A iniciativa não foi diferente para os empreendedores do segmento de móveis antigos e usados que, também, se preparam para atrair os olhares da comunidade londrinense com balões e demais decorações.

Segundo Neuzely Portes a iniciativa foi interessante principalmente por conta do abandono da avenida. Já Gislaine Moreira contou que houve um movimento considerável no local com pessoas entrando, pesquisando e vendo. “A ação não vai surtir efeito de imediato, mas havendo uma continuidade desse projeto, vai ser bom. Com o tempo, o povo vai começar a acordar e olhar para a Avenida Duque de Caxias, né?”, finalizou Ismael Avanzi quando perguntado sobre suas perspectivas e reflexões sobre a data.

Luiza Arlindo é estágiária sob supervisão

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