São Paulo - Consumidores do Carrefour em São Paulo (SP) relatam os primeiros reflexos do boicote promovido por frigoríficos brasileiros contra a rede varejista. Entre 60 clientes entrevistados para esta reportagem, 34 afirmaram já sentir falta de produtos específicos nas prateleiras.

O boicote começou na última quarta-feira (20), após o Carrefour na França anunciar que deixará de comercializar carne originária do Mercosul, bloco econômico que inclui Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai.

Até o momento, 23 frigoríficos brasileiros aderiram à suspensão do fornecimento, incluindo gigantes como JBS, Marfrig e Masterboi. Segundo fontes do setor, o desabastecimento já afeta mais de 150 lojas do Carrefour no Brasil.

Em nota, o Carrefour Brasil lamentou a situação e reafirmou sua relação com o agronegócio nacional. "Infelizmente, a decisão pela suspensão do fornecimento de carne impacta nossos clientes, especialmente aqueles que confiam em nós para abastecer suas casas com produtos de qualidade e responsabilidade", afirmou a empresa.

A rede também diz que já está trabalhando para mitigar os impactos do boicote. "Entendemos a importância deste setor para a economia e para a sociedade como um todo, e continuamos comprometidos com o fortalecimento dessa relação."

Questionado sobre a diferença de estoque entre as lojas, o Carrefour afirmou que "o abastecimento pode variar entre unidades, mas garantiu que todas mantêm produtos suficientes para atender os clientes".

Na unidade da avenida Ribeiro Lacerda, zona sul da capital paulista, os consumidores já percebem a diminuição na oferta de carnes. Na prateleira destinada aos produtos da Friboi, restavam apenas 12 peças.

O mecânico Mauro Oliveira, 53, que costuma comprar produtos da Friboi, precisou escolher outra marca por não encontrar o corte desejado.

"Eu sabia desse boicote pelas notícias, mas não imaginei que já estaria sentindo isso na prática", comentou. Ao perguntar ao açougueiro sobre o produto, foi informado de que haveria mais peças em outra geladeira, mas não encontrou o item.

Apesar do transtorno, Mauro apoia a ação dos frigoríficos. "Eles estão certos. É uma maneira de defender o Brasil."

Entre os 20 clientes entrevistados na unidade, 11 afirmaram estar cientes do boicote e sete disseram apoiar a decisão das empresas.

Na unidade da rodovia Anchieta, também na zona sul, a aposentada Deyse Leite, 74, foi surpreendida pela ausência de produtos da Masterboi. "Tomei um susto. Procurei pela marca, mas só encontrei outras carnes", contou.

Diferentemente da loja da Ribeiro Lacerda, a unidade da Anchieta ainda apresentava poucas opções de marcas que aderiram ao boicote. Dos 20 clientes ouvidos no local, 11 notaram a falta de produtos, 15 sabiam da suspensão e dez deles apoiaram a decisão dos frigoríficos.

Na unidade da avenida Nações Unidas, zona sul, onde ainda há opções de marcas envolvidas no boicote, a empresária Aparecida da Silva, 54, ponderou os efeitos da paralisação.

"Entendo o lado dos frigoríficos, mas não é justo que os clientes sejam prejudicados. Não quero chegar ao ponto de ter que andar mais para comprar em outra rede", disse.

Entre os 20 clientes ouvidos na unidade, sete notaram a ausência de produtos, 12 estavam informados sobre o boicote e 10 declararam apoio à decisão dos frigoríficos.

Apesar de ainda contar com estoques em algumas lojas, nenhuma das unidades visitadas pela reportagem oferecia carnes da Masterboi.

MAIOR OPERAÇÃO

O Carrefour Brasil é a segunda maior operação do grupo francês no mundo, só perdendo para a França. O grupo já vinha desde a pandemia investindo na compra de produtos locais e regionais para abastecer as lojas, fortalecendo itens de marca própria.

Os alimentos pesáveis - categoria onde entram frutas, legumes, verduras, padaria, frios e carnes-representam, em geral, 40% das vendas do varejo alimentar, segundo a consultoria Scanntech, que mede as vendas do setor.

"Mas no Brasil o maior faturamento do grupo Carrefour vem do Atacadão, responsável por cerca de 70% das vendas totais. Em um atacarejo, as vendas de carnes não são tão representativas quanto em um supermercado", diz o consultor Alberto Serrentino, sócio da Varese Retail.

ENTENDA A CRISE

A rede francesa Carrefour deixará de comprar carne do Mercosul. A informação foi publicada pelo presidente mundial da empresa francesa, Alexandre Bompard, na quarta-feira (20) e estaria ligada ao modelo de pecuária no América do Sul.

No dia seguinte, o Carrefour afirmou que a medida se aplicaria apenas às lojas da França e que não se referia à qualidade do produto sul-americano -e sim a uma demanda do setor agrícola no país europeu-, o veto gerou uma onda de críticas e de pedidos de retratação de entidades do agronegócio.

O Brasil reagiu e, no sábado, frigoríficos afirmaram que deixariam de fornecer carne ao supermercado. A eles, se somaram entidades de vários setores, incluindo bares e restaurantes, que pregam um boicote a compras no Carrefour.

Representantes de 44 associações da cadeia produtiva brasileira assinaram uma carta aberta ao executivo francês sobre a qualidade das carnes produzidas no Mercosul.

Eles afirmam no documento que a decisão anunciada na última semana por Bompard demonstra uma "abordagem protecionista que contradiz o papel de uma empresa global com operações em mercados diversos e interdependentes".