Em pouco mais de 200 dias, a palavra pandemia passou a ser corriqueira em todos os idiomas. Uma senha para sentimentos como apreensão, insegurança, incerteza, preocupação, angústia virem à tona. Contudo, no pragmatismo tão necessário ao mundo dos negócios, a pior surpresa de 2020 foi rapidamente digerida. A reação foi quase instantânea: ouvir o mercado, corrigir rotas, acelerar mudanças. Tudo ‘para ontem”.

Nas novas construções, espaços  internos mais amplos e janelas iluminadas associam-se a conceito de sustentabilidade e e uso racional de recursos naturais
Nas novas construções, espaços internos mais amplos e janelas iluminadas associam-se a conceito de sustentabilidade e e uso racional de recursos naturais | Foto: Roberto Custódio/26-1-2020

A indústria da construção civil de Londrina, segmento estratégico da economia regional, reconhecido por seu dinamismo e seu talento para superar intercorrências de toda ordem, se mexeu como nunca para enxergar o novo futuro.

Profissionais da área explicaram à reportagem da FOLHA como pretendem oferecer edifícios de apartamentos que estejam em sintonia com a nova visão de mundo das famílias, mais preocupadas com a saúde, com o bem estar e com os riscos do convívio social.

“A pandemia acelerou mudanças de comportamento do consumidor já em processo e ainda trouxe mudanças de hábitos que também serão permanentes”, avalia Fernanda Pires, diretora de incorporação da Quadra Construtora.

Exemplos de um novo estilo de vida criado pela facilidade de comunicação da era digital, a entrega a domicílio (refeições, serviços e produtos vendidos na internet) e o teletrabalho ganharam um novo nível de importância no período de reclusão e passaram a pesar decisivamente para a compra de um imóvel, apostam as construtoras. As varandas também estão em alta. Levantamento do site Imovelweb, de atuação nacional, aponta que a procura por unidades com este diferencial cresceu 128% em maio deste ano em comparação com o mesmo mês do ano passado.

Em função das demandas de um consumidor com novas perspectivas, os lançamentos a partir de agora contam com espaços próprios para o trabalho remoto na área comum do prédio (coworking), acessos mais seguros e práticos para os motoboys de aplicativos e uma possibilidade muito maior de personalizar as divisões de cômodos do apartamento.

Sustentabilidade e baixo custo

O coordenador de marketing da Vectra, Vitor Rodrigo Pereira, dá um exemplo de como o impacto da pandemia vai mudar o portfólio das construtoras. Ele explica que o coworking já não era um equipamento incomum para edifícios com apartamentos compactos, voltados aos solteiros ou aos casais sem filho. “Agora faz também sentido para um edifício de perfil mais familiar”, afirma.

Para Fernanda, as áreas comuns tendem a ganhar sustentabilidade, com uso mais racional de recursos naturais e pensadas para ter baixo custo de manutenção. “Espaços de uso comum com baixa frequência perderão importância e outros equipamentos compartilhados devem substituí-los”, prevê. A nova configuração, além das salas de coworking, conta com lavanderias coletivas e acessos independentes para os entregadores.

A busca por inovação fortaleceu cases que caíram como uma luva no mercado pós-pandemia. Odemilson Santos, arquiteto da Vectra, lembra do delivery hub, um ambiente térreo que se assemelha às antigas caixas postais dos Correios, onde as entregas são acomodadas, com direito até a refrigeração para produtos perecíveis; de um minimercado na área comum que funciona como uma conveniência 24 horas, com pagamento automatizado; e de um estúdio para gravações de vídeo.

Amplitude e versatilidade

Outra adaptação que já era vigente e que ganhou protagonismo em todas as construtoras ouvidas pela reportagem é a possibilidade de praticamente customizar a planta do imóvel.

“A oferta de um leque variado de layouts, adaptando o uso do espaço para as necessidades de cada um, já era uma realidade”, lembra Rodolfo Sugeta, gerente regional da Plaenge. “Com a pandemia e a expansão do home-office, esta tendência ganhou ainda mais força e estamos evidenciando esta possibilidade aos clientes”.

Outra tendência são elementos que façam os ambientes parecem maiores. Os projetos da Quadra, por exemplo, passaram a ser regidos pela ideia de uma melhor distribuição e amplitude. “Desde que agreguem conforto e bem estar ao ambiente, considerando que, de agora em diante, ele passa a abrigar o convívio familiar, o trabalho e os estudos”, pondera Fernanda, ressaltando a necessidade de versatilidade dos novos apartamentos.

“Apartamentos com ambientes amplos e integrados, principalmente com varandas, estão se mostrando indispensáveis na busca por imóveis”, concorda Ricardo Kitamura, gerente da A. Yoshii em Londrina. “A vida dentro de casa será cada vez mais valorizada e, por isso, espaços amplos, iluminados e flexíveis serão cada vez mais desejados’, completa.

Luz, vento e higienização

As construtoras também se empenham em tornar os novos imóveis mais preparados para a higienização ambiental ou das pessoas, tanto das áreas privativas quanto das áreas comuns. A escolha dos materiais de pisos, paredes e apetrechos contempla a facilidade de limpeza, seja a convencional ou aplicações de alta pressão. Lavabos devem se multiplicar nas áreas de circulação, com mais visibilidade e sustentabilidade.

Outra previsão dos especialistas é que as janelas ficarão maiores, com o objetivo de melhorar a ventilação e facilitar a entrada de luz natural. A tendência de apartamentos de uso full time também justifica um investimento maior em isolamento acústico entre os ambientes internos.

A restrição de circulação em áreas públicas valorizou a área de lazer dos prédios, na visão de Sugeta. “Todos entenderam a real importância de ter uma quadra esportiva, uma academia, uma brinquedoteca em ambiente privado”.

Por outro lado, a reclusão compulsória tornou as famílias mais críticas em relação aos detalhes da moradia. “Mais do que antes, as pessoas querem uma boa cozinha, uma boa varanda e mais versatilidade em cada um dos itens de decoração. Uma mesa de jantar, por exemplo, pode ser também apropriada como mesa de estudos para os filhos”, explica o executivo da Plaenge.

Os especialistas também concordam que algumas coisas permanecem inalteradas. “As pessoas continuarão procurando prédios que são seguros, bem localizados, com facilidade de deslocamento e com um entorno dotado de bons serviços”, lembra Sugeta.

Após ‘susto’, urbanista prevê cidades mais atentas com higiene e tendência de isolamento

O arquiteto e urbanista Jorge Marão Carnielo Miguel, com a bagagem de mais de quatro décadas dedicados ao estudo das cidades, confessa que ainda avalia as “sequelas” deixadas por este surpreendente e incômodo 2020. “O que eu posso dizer com uma certa segurança é que muita coisa vai mudar no ambiente urbano”.

Ele arrisca algumas características que deverão se impor a partir da volta à normalidade. O primeiro é na paisagem, com a tendência de uma arquitetura menos dependente da climatização. “Prédios revestidos de vidros, muito fechados, já inadequados para um país de temperaturas geralmente elevadas, tendem a dar lugar a edificações que contemplem sistemas eficientes de ventilação natural”.

O segundo ponto que ele destaca é uma provável nova atitude do brasileiro no tráfego entre o espaço público e seu ambiente privado. “Talvez possamos incorporar hábitos que outros povos já têm como, por exemplo, deixar os calçados do lado de fora da casa e fazer mais trocas de roupas”.

Esta nova mentalidade também pode interferir na percepção ambiental, com a preocupação da sociedade em deixar fluir mais livremente a luz natural e observar com mais cuidado a circulação do vento. “Creio que bairros verticais, com edifícios sobrepostos, próximos demais, com muita sombra na via pública, ventilação irregular, que varia entre o abafamento e a canalização excessiva, serão menos tolerados porque são menos saudáveis”.

Marão, professor aposentado que influenciou diferentes gerações de estudantes da UEL, preocupa-se com um aspecto que pode ser decisivo na qualidade de vida de uma cidade: o individualismo e o isolamento. “Já temos pouca convivência no espaço público. No bairro onde eu moro, por exemplo, quando eu faço minhas caminhadas, vejo que as pessoas só usam o espaço público para passear com o cachorro. Infelizmente, isso tende a piorar após o fim da quarentena”, lamenta