SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Em Itapecerica da Serra, na Grande São Paulo, Wagner Marques, 34, tinha rabiscado no caderno uma ideia para conseguir uma renda extra. Investir na entrega de legumes e verduras direto na porta dos clientes.

A necessidade imposta pela pandemia do novo coronavírus fez ele pôr a história em prática.

Formado em redes de computação e trabalhando como motorista de aplicativo antes da quarentena, Marques trocou os passageiros pelas cestas com alimentos. Criou uma empresa, a Salus, que vende kits fechados com legumes e frutas, compradas no Ceagesp (Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo).

Já as verduras são colhidas no próprio bairro onde mora, o Jardim Branca Flor. "Tudo que eu compro, entrego direto, o produto não fica parado no meu estoque", explica. "Como a gente já faz esse trâmite direto, a gente compra num dia e já monta a entrega, dura mais na casa da pessoa", ressalta.

A história de Marques não é isolada pelas periferias da Grande São Paulo. Com o desemprego e a situação imposta pelo isolamento social, alguns moradores mudaram de área para conseguir se manter.

Nesse sentido, a entrega de alimentos como frutas e verduras se tornou um ponto forte, tendo em vista os clientes que têm se precavido e evitado ir às feiras livres.

No caso de Wagner, ele teve de criar uma espécie de "linha de produção": entre segunda e quarta, recebe os pedidos via WhatsApp, quinta vai ao Ceagesp para fazer a compra baseada na demanda daqueles dias, e na sexta e sábado realiza as entregas.

A cesta pesa entre sete e oito quilos e conta com nove itens, que, segundo Wagner, variam conforme disponibilidade, sazonalidade e preço dos produtos.

Próximo dele, no Parque Independência, no Capão Redondo, zona sul de São Paulo, o casal Maria Rafaela Peres, 47, e Carlos José da Costa, 41, também apostou no delivery de feira depois que perderam as principais fontes de dinheiro.

Carlos era motorista de aplicativo e levava muitos passageiros para hospitais. Como Rafaela é hipertensa e faz parte do grupo de risco do Covid-19, preferiu se precaver e deixou de trabalhar com as viagens de passageiros.

Para piorar, Rafaela foi demitida do seu trabalho como analista de recursos humanos e teve o carro roubado no começo de maio.

Para começar o delivery, ela precisou de um empréstimo, financeiro e material, do próprio pai para dar início ao negócio.

"Foi com R$ 1.000 mais ou menos que iniciei, e com o carro dele [o pai]. Estou fazendo dívidas para ter o meu estoque, mas a gente está conseguindo se manter estável", conta Rafaela.

Rafaela e Carlos vão uma vez por semana ao Ceagesp para comprar os alimentos que pretendem vender durante os próximos dias. As vendas são feitas por meio do WhatsApp, mas também com quem ouve o autofalante do seu carro na rua.

"Como o nosso trabalho tem uns três meses aproximadamente, ele está sendo conhecido agora. Está sendo um início legal. Hoje eu tenho umas 20 clientes fiéis, que pedem semanalmente", comemora a vendedora.

O restante do estoque é vendido em um ponto que o casal inaugurou no começo de julho, na rua da casa deles. O lugar funciona também como minimercado e padaria.

AUMENTO DA BUSCA DE ALIMENTOS

A busca por alimentos orgânicos também ampliou a procura de quem já tinha o próprio negócio.

O agricultor familiar e estudante de permacultura Daniel Querino, 40, é morador de Cajamar, na Grande São Paulo. Ele criou o Erva Rasteira Agroecologia, que vende alimentos cultivados sem adição de agroquímico. Durante a pandemia da Covid-19 ocorreu expansão da demanda. "Os pedidos de entrega triplicaram", afirma.

A empresa conta com um grupo de ambientalistas e agricultores familiares que trabalha com técnicas orgânicas e agroecológicas.

Eles divulgam nas redes sociais as listas dos alimentos que o grupo tem disponível e organizam os pedidos por região com um dia de antecedência. "Às 15h, paramos de aceitar pedidos daquela região e começamos a organizar a colheita por alimentos e qual agricultor tem o alimento", diz Daniel.

Antes, a clientela estava restrita às regiões de Taipas e Perus, bairros do noroeste da capital, e as cidades de Santana de Parnaíba e Cajamar na Grande São Paulo.

Com a pandemia da Covid-19 a área de cobertura do delivery foi ampliada. "No momento estamos [atendendo] bairros das zonas norte, sul, leste e oeste da capital. E alguns municípios da Grande São Paulo. Estamos entrando em Guarulhos e ABC", conta Daniel.

NA FEIRA

No caso do feirante Laerte Souza, 50, as entregas foram a solução para o baque da perda de freguesia.

Ele vende seus produtos em quatro feiras livres da zona leste, e conta que o movimento diminuiu por conta do novo coronavírus. "As vendas enfraqueceram muito, queda de cerca de 50% na minha barraca", diz.

Ele conta que ao conversar com os moradores percebeu que a falta de dinheiro e o medo de sair de casa eram os motivos da baixa no caixa. "Tem gente que comprava R$ 40 hoje está comprando R$ 10", conta Souza.

Há 30 anos nesse ramo, o feirante disse que foi preciso buscar novas alternativas de negócio. "Devemos nos proteger, mas preciso trabalhar, por isso, comecei a entregar frutas, legumes e verduras na casa de clientes que não podem vir à feira", diz Souza.

Laerte conta que comunicou aos clientes sobre a entrega por meio do whatsapp. Em grupos do bairro enviou o comunicado e conseguiu os contatos dos consumidores mais antigos e começou a receber as listas de compras.

O feirante afirma que durante a entrega toma todas as medidas de segurança, como o uso do álcool em gel e evitar o contato com clientes. "Muitas pessoas de bairros vizinhos me pedem pra entregar, mas como não cobro taxa de entrega, estou estudando a melhor forma de fazer isso", fala Souza.

Quem ajuda ele a divulgar nas redes sociais é o neto que publicar materiais nas redes sociais. Sobre quando acabar a quarentena e sobre o futuro da feira, Laerte imagina que manterá as novidades. "A ideia é não abandonar a feira, mas continuar com esse serviço de delivery".