BRASÍLIA, DF, E SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O Conselho Monetário Nacional (CMN) proibiu temporariamente a distribuição de lucros e o aumento da remuneração de administradores de bancos e outras instituições financeiras.

O objetivo é evitar que recursos importantes para a manutenção do crédito sejam utilizados em outras despesas em meio à pandemia de Covid-19.

De acordo com o Banco Central, é a primeira vez que a autoridade monetária adota esse tipo de medida de maneira ampla, mas “já havia sido feito de forma idiossincrática pela supervisão [do BC]”. ​

O BC afirmou que a determinação não foi discutida com os bancos antes de ser publicada e disse que espera que os acionistas e a alta administração das instituições financeiras "se juntem ao esforço coletivo nacional" para enfrentar a pandemia e "continuem apoiando a economia nesse momento difícil".

A decisão foi anunciada nesta segunda-feira (6) e tem validade até 30 de setembro.

Segundo a resolução, bancos e instituições financeiras não poderão pagar "juros sobre o capital próprio e dividendos acima do mínimo obrigatório estabelecido no estatuto social".

Pela lei, empresas precisam dividir 25% do lucro com acionistas, mas as companhias podem elevar esse percentual em estatuto ou então realizar pagamentos extraordinários. O que o CMN limita cm a resolução são esses pagamentos não previstos.

Além disso, o lucro retido nesse período em que a medida vigorar não poderá ser reservado para pagamentos no futuro.

Os bancos costumam pagar seus acionistas uma porcentagem acima do mínimo estabelecido em estatuto social. O mínimo obrigatório dessa remuneração costuma variar entre 25% e 35%. Entre os quatro maiores bancos do país Banco do Brasil e Santander têm mínimos obrigatórios estabelecidos em 25% do lucro, enquanto Bradesco tem mínimo de 30% e Itaú, de 35%.

Em 2019, por exemplo, o Santander chegou a pagar 74% de dividendos aos seus acionistas sobre o lucro recorrente anual (o chamado payout), montante que responde por cerca de R$ 11 bilhões.

Bradesco e Itaú pagaram o dobro estabelecido em estatuto, alcançando 61,2% (R$ 15,9 bilhões) e 66% (R$ 18,8 bilhões) de payout, respectivamente. O Banco do Brasil, por sua vez, somou R$ 6,7 bilhões pagos aos seus acionistas (38% do lucro anual).

Em entrevista coletiva no Palácio do Planalto, o diretor de regulação do BC, Otávio Damaso, falou sobre a determinação. "Tem como objetivo reforçar recursos nas instituições financeiras durante esse período de Covid-19, e vai até 30 de setembro de 2020. A determinação também tem caráter prudencial", destaca.

De acordo com comunicado do BC, as instituições financeiras apresentam níveis confortáveis de capital e de liquidez, acima dos requerimentos mínimos estabelecidos.

“Porém, dada a incerteza da magnitude do choque provocado pela Covid-19, julga importante adotar, de forma proativa, requisitos prudenciais complementares mais conservadores. A prerrogativa de vedação à distribuição de resultados e ao aumento da remuneração de administradores é um dos instrumentos previstos pelo Comitê de Supervisão Bancária da Basileia”, diz nota.

Em nota, a Febraban (Federação Brasileira de Bancos) afirma que “a medida foi discutida com os bancos, tem sido uma prática adotada por outros bancos centrais neste momento e a consideramos compreensível, natural e adequada.”

Para especialistas, a medida destoa do perfil da equipe econômica do governo, mas é necessária. “É uma intervenção no setor privado, uma canetada em cima de decisão que é de cada empresa. Mas outros países já adotaram, foi bastante utilizada em 2008 [crise econômica global]” avalia Solange Srour, economista-chefe da ARX Investimentos.

Em sua opinião, no entanto, as instituições podem escolher não emprestar. “Os recursos [de injeção de liquidez] são dos próprios bancos e não necessariamente levarão a um boom de crédito. Ainda depende da disposição dos bancos em tomar riscos”, analisa.

Para o economista Paulo Feldmann, professor da USP (Universidade de São Paulo), a medida foi surpreendente. "Foi uma surpresa que um governo ortodoxo tenha tomado uma atitude assim, mas avalio de forma bastante positiva”, pontua. “O ministro Paulo Guedes já tinha sinalizado que tomaria uma atitude caso os recursos continuassem empoçados nos bancos.”

Étore Sanchez, economista-chefe da Ativa Investimentos, avalia que a medida foi acertada. “Na verdade não é novidade, foi feito na Europa na semana passada e foi instrumento utilizado em outros bancos central no mundo. Visa aumentar liquidez do sistema como um todo, o que é importante nesse momento, dada a magnitude do problema”, afirma.

O economista-chefe da Análise Econômica Consultoria, André Galhardo, também vê medida como essencial para tentar fazer com que o crédito chegue à ponta. “O que temos visto nos últimos dias é uma resistência dos bancos em emprestar por conta do risco, além do aumento do spread. O CMN e o BC vêm trabalhando para isso, mas ainda não temos garantias de que os recursos chegarão ao tomador”, destaca.

Para Octavio de Lazari, presidente do Bradesco, a decisão mostra uma "condução responsável e absolutamente tempestiva do Banco Central" frente à pandemia do novo coronavírus.

“Assim fazendo, garante-se a estabilidade da economia durante a travessia da crise para, no pós-crise, termos condições de uma volta segura dos financiamentos para consumo e novos investimentos. A retomada da normalidade econômica e a volta do crescimento necessitam de um sistema financeiro sólido. E a limitação dos dividendos reduz bastante as incertezas em relação a essa prioridade” , disse em nota.

Segundo Candido Bracher, presidente do Itaú Unibanco, com a crise do coronavírus e alta do dólar, a distribuição de dividendos do banco não seria muito superior ao mínimo de 25%.

“Acho uma medida sensata, perfeitamente compreensível. Em um momento em que as autoridades estão injetando liquidez na economia, injetando liquidez nos bancos, elas não gostariam que essa liquidez fosse utilizada para aumentar pagamento de dividendos", disse Bracher, durante transmissão ao vivo nesta segunda nas redes sociais do banco.

Segundo Marcel Campos, analista do setor financeiro da XP, o mercado já havia precificado a redução de dividendos por parte dos próprios banco, já que eles terão um aumento de gastos com o coronavírus.

“Distribuir dividendo é baixar capital do banco, que dá menos margem para perdas com crédito duvidoso e a provisão deve aumentar muito, o que reduz o lucro”, diz.

Segundo Campos, como ações dos bancos caíram muito este ano, elas são mais beneficiadas em dias de recuperação da Bolsa, como esta segunda, em que mercados globais subiram com a desaceleração da Covid-19 na Europa.

Para Ilan Arbetman, analista da Ativa Investimentos, a medida é mais uma forma de proteger o sistema financeiro. "A decisão dialoga com a injeção de liquidez que vem sendo provida desde o início da crise. Todos os setores estão fazendo ajustes, era esperado ajustes dos bancos também".

O setor bancário puxou a alta de 6,5% do Ibovespa nesta segunda. As ações preferenciais (sem direito a voto) do Bradesco saltam 10% e as ordinárias (com direito a voto), 10,3%. Banco do Brasil teve alta de 8,9% e Santander de 9,5%. O Itaú subiu 7,45%.

O BCE (Banco Central Europeu) anunciou, no final de março, medida ainda mais agressiva que a adotada pelo BC brasileiro, suspendendo a distribuição de dividendos relativos a 2019 e a 2020 pelo menos até o dia 1º de outubro.

O CMN também autorizou que o FGC (Fundo Garantidor de Crédito) eleve o valor máximo por titular dos Depósitos a Prazo com Garantia Especial (DPGE) de R$ 20 milhões para R$ 40 milhões.

O novo DPGE, aprovado pelo CMN em março, é uma opção a mais de captação de recursos acessível a todas as instituições financeiras que fazem parte do FGC e valerá até o início de 2022.

Trata-se da possibilidade de essas instituições captarem depósitos de maior vulto (pode chegar ao tamanho do patrimônio líquido do banco, limitado a R$ 2 bilhões por instituição), com a segurança de garantia do fundo para quem comprar esse papel. Permite uma expansão da concessão de crédito em cerca de R$ 200 bilhões.